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03 maio 2012

ARTESANATO E A EXPLORAÇÃO DE SEMENTES FLORESTAIS NO ACRE: É PRECISO TER CAUTELA

Evandro José Linhares Ferreira (1), Luzia Barbosa de Assis (2) e Christiane Ehringhaus (3)

O uso de sementes florestais nativas para a elaboração de artesanatos é uma atividade típica das populações tradicionais da Amazônia. No Acre, que possui cerca de 85% de suas florestas preservadas e uma economia fortemente ligada ao extrativismo vegetal, tem-se observado nestes últimos anos um processo gradual de 'urbanização' da elaboração desses artesanatos. Esta mudança do meio rural para o meio urbano reflete o processo de profissionalização da atividade, que tem adotado técnicas modernas de design e marketing que resultam em produtos de maior qualidade, melhores preços e, principalmente, a abertura de novos mercados. O SEBRAE tem desempenhado um papel fundamental nesta profissionalização e amadurecimento comercial dos nossos artesãos.

Apesar da dinâmica e do franco crescimento da atividade, alguns aspectos de sua cadeia produtiva continuam pouco conhecidos e podem impactar negativamente a sustentabilidade da mesma no longo prazo. Estes são os casos do desconhecimento sobre a diversidade das espécies exploradas, a intensidade da extração e coleta, bem como as práticas de armazenamento e beneficiamento preliminar das sementes praticadas pelos extrativistas e artesãos envolvidos na atividade.

Por estas razões, um levantamento sobre a cadeia produtiva de artesanatos elaborados com sementes florestais nativas foi realizado em Rio Branco, o maior e mais dinâmico do Acre. A diversidade de espécies utilizadas foi determinada durante visitas a 5 lojas e 3 oficinas de produção de artesanatos. A identificação das sementes utilizadas nos artesanatos foi feita pelos lojistas, artesãos e pela equipe de pesquisa. As informações sobre os métodos e intensidade de extração das sementes, beneficiamento preliminar e transporte das mesmas da floresta até as oficinas de artesanatos na zona urbana foram obtidas em entrevistas e monitoramento in loco do trabalho realizado por 4 extratores residentes às margens do rio Acre, no município de Porto Acre. As informações sobre a forma de armazenamento e as técnicas de beneficiamento das sementes praticadas pelos artesãos foram obtidas durante o acompanhamento in loco do trabalho em 3 oficinas de artesanato.

Os resultados obtidos indicaram que sementes de 24 espécies de plantas nativas são usadas na confecção de artesanatos em Rio Branco. A maioria (58,3%) é oriunda de palmeiras nativas encontradas em áreas de florestas e capoeiras ou em pastagens existentes nas cercanias da cidade. Sementes de açaí (Euterpe precatoria) são obtidas livremente na cidade em pontos comerciais que preparam o 'vinho de açaí'. Sementes de sibipiruna (Caesalpinia peltophoroides), cultivada como ornamental por toda a cidade, são colhidas livremente em praças e jardins.

Um aspecto preocupante do estudo foi a constatação de que a extração e a coleta de sementes das espécies que crescem na floresta, capoeira ou pastagem são realizadas sem a observação de regras mínimas de manejo sustentado. Geralmente todas as sementes com potencial comercial, que varia entre 70 e 90% dos frutos de um cacho, ramo ou das sementes encontradas sobre o solo ao pé das árvores, são colhidas, deixando-se no local um excedente de sementes insuficiente para garantir a regeneração das plantas e a alimentação da fauna nativa.

Foi observado que o beneficiamento no campo consiste em uma limpeza superficial e na eliminação do excesso de umidade das sementes. O armazenamento das mesmas é evitado porque sua venda é feita por peso, que diminui com o passar do tempo. Isso explica o fato de muitas vendas de sementes serem feitas por encomenda de quantia certa para entrega em data pré-determinada. Ao chegar às oficinas as sementes são novamente secas, selecionadas, lixadas, furadas e, se for o caso, tingidas.

Uma das conclusões da pesquisa é de que a manutenção ou mesmo eventual intensificação da prática do extrativismo de sementes nativas para a confecção de artesanatos em Rio Branco poderá causar o desaparecimento da maioria das populações das espécies florestais atualmente exploradas em zonas rurais adjacentes à cidade. Esta possibilidade pode ser parcialmente creditada às práticas não sustentáveis adotadas pelos extrativistas e à crescente demanda de sementes para uso local e para a exportação para outros estados e países. Uma rápida busca na internet revela que o mercado de sementes para a confecção de artesanatos – especialmente as biojóias – literalmente explodiu no Brasil nestes últimos anos.

A valorização comercial de muitas espécies facilmente acessíveis, como são os casos das palmeiras jarina (Phytelephas macrocarpa), paxiubinha (Socratea exhorriza) e tucumã (Astrocaryum aculeatum), tem incentivado excursões crescentes de trabalhadores urbanos à zona rural com o objetivo primordial de coletar a maior quantidade possível de sementes. Coincidentemente, estas espécies são também as mais prejudicadas dentre todas as que foram estudadas porque apresentam uma produção anual de sementes naturalmente muito baixa.

Uma possível solução para minorar a pressão sobre as espécies mais vulneráveis é a realização de estudos ecológicos para subsidiar a determinação das práticas extrativistas sustentáveis mais adequadas para cada uma delas. Espera-se também que os órgãos de fiscalização – IMAC e IBAMA – apertem o cerco aos excessos cometidos por alguns comerciantes de sementes gananciosos que, na busca pelo lucro fácil e rápido, colocam em risco a sustentabilidade da produção acreana de artesanatos com sementes florestais, uma atividade que tem efetivamente gerado emprego e renda para muitas pessoas, como se observa nas oficinas e lojas dedicadas ao comércio de artesanatos existentes em nossa cidade.

(1) Evandro Ferreira é Engenheiro Agrônomo e pesquisador do INPA/Parque Zoobotânico
(2) Luzia Barbosa de Assis é Bióloga e mestre em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais
(3) Christiane Ehringhaus é Doutora em Ciências Florestais e Técnica da GTZ.