FENÔMENOS CLIMÁTICOS EXTREMOS E CONECTADOS
Por Washington Castilhos, do Rio de Janeiro
[O que ocorre em um lado do planeta pode ter efeito no outro, apontam
cientistas. Um exemplo é o El Niño, que produz seca no Nordeste
brasileiro e chuvas intensas no Sul e cuja causa pode estar relacionada
ao aquecimento do Oceano Índico (NOAA)]
Agência FAPESP –
Teleconexões são associações remotas. O que acontece em um lado do planeta pode
ter efeito no outro lado. Um exemplo é o El Niño, fenômeno climático de origem
tropical provocado pelo aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico,
produzindo seca no Nordeste brasileiro e chuvas intensas no Sul do Brasil,
entre outros efeitos.
Outro exemplo de teleconexão remete à origem do El Niño: a causa do
fenômeno – o aquecimento do Pacífico oeste – pode estar relacionada ao
aquecimento do Oceano Índico.
Segundo José Marengo, pesquisador do Centro de Ciência do Sistema
Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a
identificação de teleconexões e a análise de suas influências na circulação
atmosférica podem ser úteis para a compreensão da ocorrência de eventos
anômalos em várias partes do mundo.
“Teleconexões estão associadas a causas naturais e não à influência
antrópica. Em uma fase de tempo de 100 anos, podem ser observados diferentes
padrões de oscilação, com efeitos sobre o clima de uma determinada região, como
o El Niño, a Oscilação Decanal do Pacífico e a Oscilação do Atlântico Norte.
Estamos vivendo, por exemplo, um período mais frio do Oceano Pacífico, com o
Atlântico desempenhando um papel mais importante”, disse Marengo, que é membro
do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), no Simpósio
Inter-relações Oceano-Continente no Cenário das Mudanças Globais, realizado
pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) em outubro.
E studos recentes mostram que o El Niño tem diferentes facetas. Ao
analisar os fenômenos ocorridos entre 1900 e 2012, o grupo liderado por Edmo
Campos, professor do Instituto Oceanográfico (IO) da Universidade de São Paulo
observou 14 eventos mais secos e 14 mais molhados.
“A explicação para isso vem do Atlântico Sul, que tem papel determinante
para saber se o El Niño será ‘seco’ ou ‘molhado’. No Atlântico ocorre uma série
de fenômenos importantes para o clima global. O El Niño não depende do
Atlântico, mas, a partir das relações entre este e o Oceano Pacífico, seus
impactos serão diferentes”, disse Campos, que coordena projetos de pesquisa
financiados pela FAPESP, como o “Impacto do
Atlântico Sul na célula de circulação meridional e no clima”.
De acordo com Campos, observações e modelos indicam que variações na
célula de revolvimento meridional (em inglês Meridional Overturning Cell, MOC)
estão fortemente relacionadas a importantes mudanças climáticas. Até o momento,
a maior parte das observações tem se concentrado no Atlântico Norte.
“Entretanto, estudos indicam que o Atlântico Sul não é um mero condutor
passivo de massas de água formadas em outras regiões e que mudanças no fluxo de
retorno da MOC no Atlântico Sul poderiam impactar significativamente o clima
regional e global”, disse Campos à Agência FAPESP.
“Dessa forma, uma MOC enfraquecida resulta em um Atlântico Sul mais
quente, o que pode implicar mais chuva no Nordeste brasileiro. O El Niño passou
a ter um papel mais passivo, enquanto o Oceano Atlântico tem hoje um papel mais
ativo”, destacou.
Eventos extremos
Björn Kjerfve, presidente da World Maritime University (WMU), na Suécia,
ressalta que os oceanos têm papel preponderante em qualquer cenário de mudança
climática. “Os oceanos são reguladores do clima do planeta. Se a temperatura
média da Terra aumentar em 1 grau, uma determinada quantidade de gelo vai
derreter”, disse Kjerfve no simpósio.
O aquecimento do Atlântico Sul resultou no furacão Catarina, que atingiu
a região sul do Brasil em março de 2004. O aquecimento do Atlântico Norte levou
à formação do Sandy, que atingiu a costa leste dos Estados Unidos há poucos
dias. “Furacões têm uma relação próxima à temperatura do mar. Eles só ocorrem
se a temperatura da superfície do oceano estiver acima de 26º graus. O Catarina
aconteceu porque de alguma forma a temperatura da água estava acima da média”,
disse Campos.
Ao persistir a tendência do aquecimento das águas do Atlântico Sul, o
Brasil poderá ver a passagem de novos furacões. “Na média global, a quantidade
de chuva aumentou e a temperatura do planeta também, mas não sabemos se isso
criará condições favoráveis para a ocorrência desses eventos”, disse Campos,
lembrando que os relatórios do IPCC não apontam para uma resposta definitiva
sobre a ocorrência de eventos extremos, como os furacões.
O inverno quente e início de primavera frio experimentados pelo Brasil
em 2012 podem significar um ajuste natural. “Estamos saindo de um período seco.
Isso é atribuído ao aquecimento global, que tem causas naturais e antrópicas. O
ser humano amplifica o aquecimento. Porém, não se pode atribuir essas anomalias
exclusivamente à ação antrópica”, disse Campos, que coordena o Projeto Pirata, programa de cooperação entre
Brasil, França e Estados Unidos criado em 1995 para observar o Oceano
Atlântico.
“Sabemos muito mais do Pacífico do que do Atlântico. A conexão mais
importante entre o oceano e a nossa costa é a região tropical, por isso é
importante monitorar a região de bifurcação com o Sul equatorial. O pré-sal,
por exemplo, será afetado por fenômenos que ocorrem muito distante dali”, disse
o professor do IO-USP.
“Em termos de ciência oceanográfica, ainda não avançamos muito. Mas o
primeiro país a sofrer alterações diretas em função das variações do Atlântico
Sul será o Brasil. Estamos conectados com o Atlântico, por isso o país precisa
ser a referência dos estudos sobre o Atlântico Sul”, disse Campos.
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