RESERVAS EXTRATIVISTAS HOJE, FLORESTAS VAZIAS AMANHÃ (I)
Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano
Na época da publicação do artigo, início dos anos
90, a destruição das florestas tropicais no mundo estava se intensificando
novamente depois de uma diminuição causada pela recessão econômica global do
final dos anos 80. Até então se estimava que desde 1960 cerca de 20% das
florestas tropicais do planeta já haviam sido destruídas.
Apesar da situação crítica, a luta contra a destruição das florestas tropicais nessa época era difusa e não havia um movimento global como temos hoje – liderado por governos e entidades da sociedade civil – capaz de impor limites e, efetivamente, promover a sua diminuição. Naquela época ONGs de atuação global como o WWF e o Greenpeace não priorizavam as florestas tropicais e no Brasil a luta contra a destruição da Amazônia era liderada por organizações de extrativistas e indígenas.
Para compensar a devastação em curso, governantes de países que abrigavam florestas tropicais foram obrigados a tomar medidas de proteção para as mesmas. No Brasil, milhões de hectares de florestas da Amazônia foram transformados em Reservas Extrativistas. Outros milhões de hectares, no Brasil e no mundo, foram designados ‘florestas’ ou ‘parques’ sob a tutela estatal.
Na maioria desses casos, entretanto, prevaleceu na criação dessas ‘áreas de proteção’ o conceito de conservação e proteção na qual o homem continuava a ter o direito de explorar – de forma comercial ou apenas com fins de subsistência – os recursos nelas contidos. As exceções foram as áreas de proteção integral onde é vedado qualquer tipo de exploração dos recursos naturais.
Quando Kent Redford publicou seu artigo ele foi muito crítico em relação à “onda” de criação de áreas para a proteção de florestas tropicais daquele período porque se por um lado isso era uma forma de mostrar à sociedade que as florestas estavam efetivamente sendo protegidas, por outro a possibilidade de continuidade da exploração econômica das mesmas se constituía em uma ameaça real à sobrevivência daquelas florestas no longo prazo.
Redford observou que embora algumas florestas exploradas pelo homem possam aparentar um bom estado de conservação, elas não mantêm, necessariamente, sua integridade biológica. A caça intensiva e indiscriminada de animais de médio e grande porte e a exploração madeireira que retira da floresta espécies frutíferas chaves para a alimentação da fauna silvestre podem, no longo prazo, afetar a biodiversidade e diminuir as chances de recuperação dessas florestas.
Desprovidas de animais, especialmente os polinizadores e dispersores de suas próprias plantas, extensas áreas florestais aparentemente intactas ficarão ‘vazias ou silenciosas’ e paulatinamente perderão numerosas espécies arbóreas, arbustivas, epifíticas e lianescentes que entrarão em processo de extinção pela falta dos animais que as ajudavam a se perpetuar no ambiente florestal.
Obviamente que essas ‘florestas vazias’ de vida animal permanecerão de pé por muito tempo porque muitas espécies de plantas vivem dezenas ou centenas de anos. Mas, na medida em que elas – agora relíquias vivas – forem morrendo, a floresta vai ficar menos diversa e empobrecida.
Diante do que foi exposto, você leitor deve estar curioso para saber se esse fenômeno de ‘florestas vazias’ ou silenciosas está acontecendo na Amazônia e no Acre. A resposta é sim!
A pressão de ambientalistas contra a exploração e destruição indiscriminada das florestas tropicais, especialmente para a ‘garimpagem’ de espécies madeireiras de alto valor comercial e posterior conversão em áreas agropecuárias forçou os pesquisadores da área florestal a desenvolver técnicas de exploração madeireira de baixo impacto ambiental. Atualmente a exploração madeireira que faz uso dessas técnicas de baixo impacto é uma prática amplamente difundida por toda a região. E o Acre se destaca entre todos os Estados da Amazônia brasileira, pois aqui a tecnificação do processo atingiu níveis não vistos em outras regiões.
Entretanto, apesar desse tipo de exploração causar baixo impacto em outras árvores da floresta e ao ambiente explorado – especialmente a rede hidrográfica –, a exploração madeireira praticada em nosso Estado é danosa porque não discrimina as espécies que explora. E a fauna silvestre dependente de algumas das espécies exploradas é uma das principais vítimas de todo o processo.
Da lista de aproximadamente 50-60 espécies passíveis de exploração no Estado, pelo menos 20-25 tem potencial para ser classificadas como espécies-chaves para a alimentação da fauna silvestre. Essas espécies, conhecidas em inglês como “keystone plant resources” (Terborgh, 1986), são vitais para a estabilidade e a diversidade da comunidade de plantas em uma floresta. Elas geralmente são abundantes, produzem anualmente recursos nutritivos (frutos, sementes, néctar, etc.) de forma regular – especialmente durante o período de escassez dos mesmos na floresta – e alimentam uma grande diversidade de animais silvestres.
A identificação de espécies-chaves dentre as espécies madeireiras exploradas no Acre foi inicialmente levantada ‘por acaso’ pelo ex-deputado Zé Carlos (PTN-AC). Durante o recesso parlamentar 2007-2008 o então Deputado fez uma viagem de 10 dias percorrendo seringais e comunidades ribeirinhas ao longo do rio Yaco, em Sena Madureira, e recebeu dos habitantes locais reclamações de que muitas espécies madeireiras que serviam de alimento para a fauna silvestre estavam sendo retiradas em grande escala das florestas daquela região via exploração madeireira.
Dentre as espécies citadas pelos extrativistas e
ribeirinhos, se destacavam a caxinguba, cajuzinho, andiroba, copaíba e a
gameleira. A retirada dessas espécies da região estava contribuindo para uma
diminuição significativa da fauna caçada tradicionalmente pelos moradores
locais.
Artigo continua...
Para saber mais:
Kent H. Redford. 1992. The EmptyForest. Revista BioScience 42(6): 412-422.
John W. Terborgh. 1986. Keystone plant resources in
the tropical forests. In Soule, M.E. & Wilcox, B.A. (Eds.). Conservation biology: an
evolutionary-ecological perspective. Sinauer, USA.
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