ANTROPOCENO: A ÉPOCA GEOLÓGICA DO HOMEM (Parte I)
Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano
Se a
história geológica de 4,57 bilhões de anos do nosso planeta fosse condensada em
24 horas de um dia, o homem moderno iria surgir apenas quando faltassem três
segundos para a meia noite. Essa breve presença passa a impressão enganosa de
que o papel do homem na história do planeta é a de um mero coadjuvante sem
maior importância. Entretanto, a verdade é que o homem, nesses poucos
segundos de sua existência geológica tem influenciado de tal forma as condições
naturais do planeta que uma nova época geológica foi proposta para acomodar as
mudanças patrocinadas por ele: o Antropoceno ou ‘época da humanidade’.
O termo
Antropoceno, uma junção das palavras gregas anthropo-,
que significa humano e –ceno, que significa novo, foi originalmente
proposto pelo pesquisador americano Eugene Stoermer no início da década de 1980
para se referir aos impactos causados pelas atividades humanas sobre o
planeta. Entretanto, a popularização do termo ocorreu graças ao ganhador
do prêmio Nobel de Química, Paul Crutzen. Durante uma conferência científica
realizada no México em 2000, depois de ouvir repetidas vezes o presidente do
evento se referir à época geológica atual como sendo o Holoceno, iniciada 11
mil anos atrás com o fim da última era glacial ou idade do gelo, Crutzen pediu
a palavra e, no calor do momento, afirmou: “Precisamos parar com essa história.
O Holoceno já ficou para trás. Agora estamos no Antropoceno!”
Para Crutzen
era evidente que as mudanças em curso no planeta estavam sendo promovidas pelo
homem e não por forças naturais, como as que caracterizam as demais eras,
períodos e épocas da história geológica do planeta. Em síntese, a influência
das atividades humanas na atmosfera terrestre nos últimos séculos tem sido tão
significativa que poderia se constituir em uma nova época geológica. A
formalização e o desenvolvimento do conceito de Antropoceno foram explicados
por Crutzen e Stoermer no artigo “O Antropoceno”, publicado no ano de 2000 na
revista Global Change Newsletter, e por Crutzen, em 2002, no artigo “Geologia
da Humanidade” publicado na conceituada revista científica Nature.
É importante
considerar, entretanto, que antes de Stoermer e Crutzen outros autores já
haviam abordado os efeitos das atividades humanas sobre a história geológica do
planeta. Em 1873 o geólogo italiano Antonio Stoppani cunhou o termo ‘Era
Antropozóica’ como sucessora da Era Cenozóica usando como argumento o
aparecimento do homem e as mudanças que ele estava promovendo no planeta.
Em 1879 o geólogo norte-americano Joseph Le Conte sugeriu o nome ‘Psicozoico’.
Em 1926 o antropólogo Francês Teilhard de Chardin e o geoquímico russo Vladimir
Vernadsky propuseram o termo ‘Noosfera’, por considerar que o poder intelectual
humano gerou efeitos que poderiam ser considerados uma força geológica. Mais
recentemente, em 1992, o americano Andrew Revkin utilizou o termo ‘Antroceno’
para justificar o fato de a era geológica atual estar sendo moldada pelo homem.
Em 1999 o termo ‘Homogenoceno’ foi usado pelo biólogo sul-africano Michael
Samways, que argumentou que na atualidade a biodiversidade está diminuindo e os
ecossistemas no planeta estão se tornando mais similares.
Embora a
adoção do termo Antropoceno pela comunidade científica, considerado
tecnicamente mais apropriado, seja quase consensual, a sua inserção na ‘Escala
de Tempo Geológico’ oficial pela Comissão Internacional de Estratigrafia da
União Internacional de Ciências Geológicas ainda não se concretizou.
Esperava-se que isso tivesse acontecido durante 34°. Congresso Internacional de
Geologia realizado em 2012 na Austrália, mas não se concretizou. A esperança é
que isso aconteça em 2016 durante o 35º Congresso Internacional de Geologia a
ser realizado na África do Sul.
Sobre essa
situação, Paul Crutzen e Christian Schwägerl, um jornalista especializado em
assuntos ambientais, afirmam textualmente, em artigo publicado em 2011, que “É
uma pena que ainda estejamos vivendo oficialmente em uma época chamado
Holoceno. O Antropoceno – marcada pela dominação humana dos processos
geológicos, biológicos e químicos na Terra - já é uma realidade inegável. Há
evidências de que a mudança de nome sugerida há mais de dez anos está atrasada.
Talvez ainda demore um tempo até que o corpo científico responsável pela nominação
de grandes períodos de tempo na história da terra - Comissão Internacional de
Estratigrafia – se convença da necessidade da mudança. Mas isso não deve nos
impedir de ver e aprender o que significa viver nesta nova época do Antropoceno
em um planeta que está sendo antropizado em alta velocidade”.
Outro
aspecto inconcluso sobre o Antropoceno é a data de seu início. A opinião de
alguns estudiosos situa o início dessa nova época geológica entre o final do
século 18 e os anos de 1950. O limite temporal mais antigo coincide com o
aperfeiçoamento da máquina a vapor por James Watt, e é considerado como o marco
inicial da revolução industrial que promoveu um aumento significativo na
quantidade de CO2 e
outros gases causadores do efeito estufa na atmosfera do planeta. No século 20
a queima de combustíveis fósseis para a geração de energia para abastecer o
parque industrial crescente no planeta só intensificou esse processo. O segundo
limite temporal está relacionado com a intensificação dos testes nucleares atmosféricos
a partir da década de 50. Testes nucleares, como ressalta David Grinspoon,
curador de astrobiologia do Denver Museum of Nature & Science, produzem
assinaturas isotópicas e de estruturas geológicas que não podem ser
interpretadas de outra forma. Outras opiniões situam o início do Antropoceno no
início do Holoceno, há cerca de 8 mil anos, por ocasião da disseminação da
agricultura que resultou no desmatamento em várias regiões do planeta, causou
um aumento de CO2 na
atmosfera e evitou a ocorrência de uma nova era do gelo. Alguns cientistas
sugerem o início em meados do século 20, a partir da aceleração do crescimento
populacional no planeta e o consequente aumento do consumo predatório de
recursos naturais.
Independente
das discussões acadêmicas que tentam determinar a data exata do início dessa
nova época geológica, o certo é que poucos argumentos podem negar que o ser
humano se tornou um agente geológico capaz de causar mudanças marcantes no
planeta, da mesma forma que vulcões e asteroides o fizeram no passado. Aceitar
esse fato é fundamental porque poderá fazer com que nós possamos refletir e
reformular o real papel que desempenhamos no planeta.
Um editorial
da revista Nature de março de 2015
coloca números preocupantes: desde o final da segunda guerra a população
mundial aumentou 180%, o uso de água 215% e o consumo de energia 375%. A
revista advoga para que a Comissão Internacional de Estratigrafia insira o
Antropoceno na escala geológica oficial porque isso encorajaria uma atitude
mental da população importante não apenas para compreender as transformações
que estão em curso no momento, mas também para saber como agir para manejar a
situação.
Para saber
mais:
Araia, E.
2011. ‘Bem vindo ao Antropoceno’. Revista Planeta, 470.
Crutzen, P. J. e Stoermer, E. F. 2000. ‘The‘Anthropocene’. Global Change Newsletter, v.41, p. 17.
Crutzen, P. J. 2002. ‘Geology of mankind’. Nature, v.415 (6.867), p. 23.
Martini, B.
2013. ‘The Anthropocene: Humankind as a Turning Point for Earth’. Astrobiology Magagzine.
Martini, B.
e Ribeiro, C. G. 2011. ‘Antropoceno: a época da humanidade?’ Ciência Hoje, v.48, n.283, p.38-43.
Nature Magazine. 2015. ‘Editorial: All in good time’. Nature, v.519, p.129–130.
Zalasiewicz, J. et al. 2008. ‘Are we living in theAnthropocene?’ GSA Today, v. 18 (2), p. 4.
Zalasiewicz, J. et al. 2010. ‘The new world of theAnthropocene’. Environment
Science & Technology, v.44 (7), p.2.228.
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