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14 novembro 2016

SAIR OU NÃO DAS ÁREAS DE RISCO DE INUNDAÇÃO EM RIO BRANCO?

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

Os pesquisadores Domingos José de Almeida Neto, da UFAC, e Léo Heller, da Fundação Osvaldo Cruz, publicaram no início de 2016 um artigo científico no qual questionam se para os afetados pelas alagações recorrentes que acontecem em Rio Branco “é mais arriscado continuar a vida nessas áreas de risco ou aceitar a remoção forçada para habitações construídas em lugares não alagáveis”.

As informações para a realização da pesquisa foram obtidas de documentos governamentais e entrevistas realizadas com autoridades municipais e estaduais, além de entrevistas realizadas junto a 12 moradores dos bairros Baixada da Habitasa e Seis de Agosto. Também foram entrevistados servidores públicos ligados à área de infraestrutura urbana, com ênfase nas áreas sujeitas a inundações.

Na análise do contexto histórico das políticas públicas ligadas à resolução dos problemas derivados das enchentes do Rio Acre em Rio Branco, os autores sugerem que ao longo do tempo, três fases distintas podem ser ressaltadas:

(a) A primeira, entre a fundação da cidade em 1882 e 1970, quando nada foi feito; 

(b) A segunda, entre os anos 70 e 90, quando, em razão do aumento da quantidade de pessoas vivendo em áreas sujeitas a alagamentos anuais, as autoridades se sentiram na obrigação de ajudar os afetados, removendo-os para abrigos temporários, mas sem adotar uma política clara que fosse além dessa medida paliativa; e

(c) A terceira, desde os anos 90 até os dias de hoje, na qual se observa uma clara vontade por parte das autoridades de enfrentar o problema de forma explícita, implantando melhorias na infraestrutura das áreas afetadas e removendo os habitantes das mesmas para residências em áreas seguras. O foco do artigo se restringe à terceira fase.

De acordo com o artigo, a grande maioria dos habitantes que ocuparam as áreas sujeitas a alagamentos em Rio Branco é formada por seringueiros que foram forçados a migrar da zona rural para a urbana, onde invadiram ‘áreas sem dono’ em zonas periféricas ou, preferencialmente, nas proximidades da zona central da cidade. Além de enfrentarem o típico e inevitável problema de quem ‘invade terras urbanas’ – conflitos pela posse da terra –, os ocupantes dessas áreas passaram a conviver com as inundações frequentes e condições deficientes de infraestrutura de seu espaço de moradia: vias urbanas precárias (becos), ausência crônica de água tratada e rede de esgoto, rede de energia elétrica deficiente (a maioria das ligações elétricas feitas mediante ‘gatos’) e ausência de coleta de lixo. 

É nesse contexto de precariedade das condições de vida, em grande parte derivada da recorrência das inundações, que as autoridades estaduais e municipais tentam convencer os habitantes dessas áreas a se mudar para habitações construídas em locais com infraestrutura adequada e sem risco de alagamentos. É importante ressaltar que os autores do trabalho notaram que, independente do trabalho de convencimento visando a remoção dos moradores, nos bairros objeto da pesquisa as autoridades estão oferecendo alguns serviços básicos de infraestrutura urbana, tais como água potável e pavimentação das ruas. 

Para os autores, entretanto, a prioridade das autoridades municipais e estaduais é a remoção das pessoas mediante o argumento geral do risco para a vida e a saúde das pessoas que representa a habitação das áreas alagáveis. Os autores afirmam que as autoridades, tendo herdado um problema que persiste desde a fundação da cidade, decidiram eliminar o mesmo de forma direta e radical. E nesse ponto eles acusam as autoridades de extrapolar suas funções como reguladores e provedores de infraestrutura urbana, porque atuam ativamente para remover os habitantes para novas áreas construídas, na maioria das vezes, de forma bem diferente daquelas que eles estão sendo obrigados a deixar para trás.

Eles justificam essa afirmativa dizendo que muitas vezes pessoas cujas residências são destruídas pelas inundações são colocadas para viver em habitações com aluguel pago pelo governo e esse ‘aluguel social’ tem sido fonte de conflitos tendo em vista que para muitos moradores o valor pago é irrisório e insuficiente para alugar habitação com espaço para toda a família e para o pagamento e outras despesas como eletricidade, transporte e impostos (IPTU). 

A mudança para conjuntos residenciais, especialmente a ‘Cidade do Povo’, construídos com toda a infraestrutura urbana que não existe nas áreas alagáveis, parece não animar a mudança de muitos. Alguns reclamam da distância para o centro da cidade, outros do tamanho diminuto das casas e uns poucos não se veem dividindo a mesma casa com outra família (as casas na cidade do povo são geminadas). Outros temem a nova vizinhança, se o novo bairro vai ser dominado pelo tráfico de drogas.

As informações apresentadas pelo artigo dos pesquisadores da UFAC e da Fundação Osvaldo Cruz sugerem que a retirada de pessoas que viveram toda uma vida em tais locais não é um ato tão simples, do tipo: “eu te dou uma casa e você sai daqui”. Ela envolve vários aspectos que vão além de uma simples negociação imobiliária.

Os autores do artigo concluem que as políticas públicas voltadas para o atendimento das pessoas afetadas pelas inundações em Rio Branco refletem uma visão vertical do problema – de cima para baixo – e consideram muito pouco os interesses de um significativo número de habitantes, se não a maioria, das áreas alagáveis. Embora os autores do estudo não ofereçam uma alternativa prática à remoção pura e simples dos habitantes das áreas alagadas, eles citam na sua conclusão que os habitantes que rejeitam de forma sistemática a mudança das áreas inundáveis justificam tal opção afirmando que as condições de vida nas alternativas oferecidas pelas autoridades são piores do que as que eles desfrutam atualmente nas áreas de risco.

Um medo que parece permear a mente dos que se recusam em ser removidos é que a remoção promovida pelas autoridades pretende, em última instância, destruir a área anteriormente ocupada por eles. Além disso, conforme o relato dos entrevistados, aqueles que se mudam tem que se ajustar a novas regras, costumes e forma de vida. Entretanto os autores ressaltam que não menos problemática será a situação daqueles que se recusam em sair, pois eles também terão que se ajustar ao ambiente que está sendo gradativamente destruído, tendo que criar novas referências para suas vidas e sonhos.


Imagens: (1) Marcos Vicentti; (2) Prefeitura Municipal de Rio Branco, Acre.