SAIR OU NÃO DAS ÁREAS DE RISCO DE INUNDAÇÃO EM RIO BRANCO?
Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano
Os pesquisadores Domingos José de Almeida Neto, da UFAC, e
Léo Heller, da Fundação Osvaldo Cruz, publicaram no início de 2016 um artigo
científico no qual questionam se para os afetados pelas alagações recorrentes
que acontecem em Rio Branco “é mais arriscado continuar a vida nessas áreas de
risco ou aceitar a remoção forçada para habitações construídas em lugares não
alagáveis”.
As informações para a realização da pesquisa foram obtidas
de documentos governamentais e entrevistas realizadas com autoridades
municipais e estaduais, além de entrevistas realizadas junto a 12 moradores dos
bairros Baixada da Habitasa e Seis de Agosto. Também foram entrevistados
servidores públicos ligados à área de infraestrutura urbana, com ênfase nas
áreas sujeitas a inundações.
Na análise do contexto histórico das políticas públicas
ligadas à resolução dos problemas derivados das enchentes do Rio Acre em Rio
Branco, os autores sugerem que ao longo do tempo, três fases distintas podem
ser ressaltadas:
(a) A primeira, entre a fundação da cidade em 1882 e 1970,
quando nada foi feito;
(b) A segunda, entre os anos 70 e 90, quando, em razão
do aumento da quantidade de pessoas vivendo em áreas sujeitas a alagamentos
anuais, as autoridades se sentiram na obrigação de ajudar os afetados,
removendo-os para abrigos temporários, mas sem adotar uma política clara que
fosse além dessa medida paliativa; e
(c) A terceira, desde os anos 90 até os dias de hoje, na
qual se observa uma clara vontade por parte das autoridades de enfrentar o
problema de forma explícita, implantando melhorias na infraestrutura das áreas
afetadas e removendo os habitantes das mesmas para residências em áreas
seguras. O foco do artigo se restringe à terceira fase.
De acordo com o artigo, a grande maioria dos habitantes que
ocuparam as áreas sujeitas a alagamentos em Rio Branco é formada por
seringueiros que foram forçados a migrar da zona rural para a urbana, onde
invadiram ‘áreas sem dono’ em zonas periféricas ou, preferencialmente, nas
proximidades da zona central da cidade. Além de enfrentarem o típico e
inevitável problema de quem ‘invade terras urbanas’ – conflitos pela posse da
terra –, os ocupantes dessas áreas passaram a conviver com as inundações
frequentes e condições deficientes de infraestrutura de seu espaço de moradia:
vias urbanas precárias (becos), ausência crônica de água tratada e rede de
esgoto, rede de energia elétrica deficiente (a maioria das ligações elétricas
feitas mediante ‘gatos’) e ausência de coleta de lixo.
É nesse contexto de precariedade das condições de vida, em
grande parte derivada da recorrência das inundações, que as autoridades
estaduais e municipais tentam convencer os habitantes dessas áreas a se mudar
para habitações construídas em locais com infraestrutura adequada e sem risco
de alagamentos. É importante ressaltar que os autores do trabalho notaram que,
independente do trabalho de convencimento visando a remoção dos moradores, nos
bairros objeto da pesquisa as autoridades estão oferecendo alguns serviços
básicos de infraestrutura urbana, tais como água potável e pavimentação das
ruas.
Para os autores, entretanto, a prioridade das autoridades
municipais e estaduais é a remoção das pessoas mediante o argumento geral do
risco para a vida e a saúde das pessoas que representa a habitação das áreas
alagáveis. Os autores afirmam que as autoridades, tendo herdado um problema que
persiste desde a fundação da cidade, decidiram eliminar o mesmo de forma direta
e radical. E nesse ponto eles acusam as autoridades de extrapolar suas funções
como reguladores e provedores de infraestrutura urbana, porque atuam ativamente
para remover os habitantes para novas áreas construídas, na maioria das vezes,
de forma bem diferente daquelas que eles estão sendo obrigados a deixar para
trás.
Eles justificam essa afirmativa dizendo que muitas vezes
pessoas cujas residências são destruídas pelas inundações são colocadas para viver
em habitações com aluguel pago pelo governo e esse ‘aluguel social’ tem sido
fonte de conflitos tendo em vista que para muitos moradores o valor pago é
irrisório e insuficiente para alugar habitação com espaço para toda a família e
para o pagamento e outras despesas como eletricidade, transporte e impostos
(IPTU).
A mudança para conjuntos residenciais, especialmente a
‘Cidade do Povo’, construídos com toda a infraestrutura urbana que não existe
nas áreas alagáveis, parece não animar a mudança de muitos. Alguns reclamam da
distância para o centro da cidade, outros do tamanho diminuto das casas e uns
poucos não se veem dividindo a mesma casa com outra família (as casas na cidade
do povo são geminadas). Outros temem a nova vizinhança, se o novo bairro vai
ser dominado pelo tráfico de drogas.
As informações apresentadas pelo artigo dos pesquisadores da
UFAC e da Fundação Osvaldo Cruz sugerem que a retirada de pessoas que viveram
toda uma vida em tais locais não é um ato tão simples, do tipo: “eu te dou uma
casa e você sai daqui”. Ela envolve vários aspectos que vão além de uma simples
negociação imobiliária.
Os autores do artigo concluem que as políticas públicas
voltadas para o atendimento das pessoas afetadas pelas inundações em Rio Branco
refletem uma visão vertical do problema – de cima para baixo – e consideram
muito pouco os interesses de um significativo número de habitantes, se não a
maioria, das áreas alagáveis. Embora os autores do estudo não ofereçam uma
alternativa prática à remoção pura e simples dos habitantes das áreas alagadas,
eles citam na sua conclusão que os habitantes que rejeitam de forma sistemática
a mudança das áreas inundáveis justificam tal opção afirmando que as condições
de vida nas alternativas oferecidas pelas autoridades são piores do que as que
eles desfrutam atualmente nas áreas de risco.
Um medo que parece permear a mente dos que se recusam em ser
removidos é que a remoção promovida pelas autoridades pretende, em última
instância, destruir a área anteriormente ocupada por eles. Além disso, conforme
o relato dos entrevistados, aqueles que se mudam tem que se ajustar a novas
regras, costumes e forma de vida. Entretanto os autores ressaltam que não menos
problemática será a situação daqueles que se recusam em sair, pois eles também
terão que se ajustar ao ambiente que está sendo gradativamente destruído, tendo
que criar novas referências para suas vidas e sonhos.
Para
saber mais:
Almeida Neto, D. J. & Heller, L. 2016. Which is riskier: life on the floodplain or in housingimposed from above? The case of flood-prone areas in Rio Branco, Acre, Brazil. Environment
& Urbanization, Janeiro 2016, p. 1-14.
Imagens: (1) Marcos Vicentti; (2) Prefeitura Municipal de Rio Branco, Acre.
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