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16 novembro 2016

HOMOGENOCENO*

Alceu Ranzi** e Evandro Ferreira***

Algum tempo atrás o Dr. Evandro Ferreira escreveu sobre o Antropoceno. Antropoceno seria uma nova época geológica marcada pelas alterações do planeta executadas pela ação do homem. Muito embora haja quase um consenso de que a ação do homem está ensejando a criação de uma nova época geológica, ainda existem divergências quanto à correta denominação dessa ‘época do homem’.

Além do termo Antropoceno, existe outro muito em voga, o Homogenoceno, derivado do grego antigo e que tem o seguinte significado: homo-, mesmo, geno-, tipo, ceno-, novo [em relação a período temporal]. Em outras palavras, Homogenoceno é a fase da história do planeta em que o mundo está cada vez mais homogêneo.

Apenas desde o início desse século é que se começou a falar do Homogenoceno. Um dos principais postulantes do Homogenoceno é o escritor Charles Mann, autor do livro ‘1493’ que trata da globalização - de coisas boas e ruins – decorrentes da descoberta da América. Para Mann, a descoberta do ‘Novo Mundo’ marcou o fim da trajetória separada dos continentes e transformou nosso planeta em uma única e gigantesca província ecológica. Mann já veio ao Acre para ver as obras deixadas pelos construtores dos geoglifos.

Para entendermos o significado abrangente do Homogenoceno temos que voltar alguns milhões de anos no tempo geológico. Alfred Wegener, um cientista alemão, propôs no início do século passado que a disposição atual dos continentes indicava que um dia deveria ter havido a Pangeia, um continente único cercado pelo oceano. Um dos fortes argumentos usado por Wegener seria o contorno das zonas costeiras da África e América do Sul. Ambas pareciam se encaixar.

Pelas suas ideias, Wegner foi ridicularizado. Mas os paleontólogos, entre outros estudiosos, vieram em socorro do alemão. A favor de Wegner, podemos citar o réptil Mesosaurus, cujos esqueletos fósseis podem ser encontrados na África e na América do Sul. Outro réptil fóssil é o Lystrossaurus, animal terrestre, com restos encontrados na África, Madagascar, Índia e Antártida. No mundo vegetal, uma samambaia fóssil, conhecida cientificamente como Glossopteris, é encontrada na América do Sul, Índia e Austrália. Para nós, na Amazônia, a pirambóia (Lepidosiren paradoxa), um peixe pulmonado ósseo, é um bom exemplo, pois ocorre na América do Sul e na África, indicando um passado comum. Essas e outras descobertas indicam um continente único. Wegener morreu antes de ter sua genialidade reconhecida.

Foi a separação da Pangeia, em vários blocos, que permitiu a diversidade biológica. Entre outras causas, o tempo, a distribuição geográfica e o isolamento dos grupos originais, levou a especiação. Isso durou milhões de anos e o isolamento de muitos dos seres vivos foi rompido com o início das navegações e descobrimentos. Essa fase é lembrada principalmente pela viagem de Colombo, que na prática também significou uma nova união entre a Eurásia e a América.

As viagens de descobrimento, protagonizadas em especial pelos Espanhóis e Portugueses, foram fatores primordiais para a realização de trocas biológicas em velocidade muito acima da normalidade geológica. Pelas caravelas o Brasil voltou a ficar ligado com a África como no tempo do Gondwana.

Em uma recente viagem do primeiro autor desse artigo pela África oriental, além de elefantes, leões e girafas, foi possível notar várias das nossas plantas ornamentais nos jardins das casas africanas. Entre tantas, as que mais chamaram a atenção foram a espada de são jorge e a comigo-ninguém-pode.

São vários os exemplos que confirmam a existência do Homogenoceno. Vamos citar alguns que fazem parte do nosso dia a dia. Nossa refeição da manhã normalmente contém café, cultivado no Brasil, mas originário das terras altas da Etiópia. Para misturar com o café usamos leite de vaca, adoçado com açúcar. A cana é originária do sul e sudeste asiático e as vacas foram trazidas da Europa para colonizar as Américas. O outro elemento das nossas manhãs é o pão, feito de trigo, originário da Eurásia.

No nosso almoço poderemos ter feijão, arroz e carne de frango, porco ou de boi...nesse caso só o feijão é brasileiro. Na salada vamos com alface, cebola e tomate, temperados com azeite, vinagre...aqui só se salva o tomate.

Não podemos esquecer do cravo, da canela e da noz-moscada, as especiarias que foram uma das razões para as viagens dos descobrimentos!

Fumar cigarros de tabaco é um hábito mundial. Antes de Colombo só os índios americanos conheciam o tabaco. O tabaco é mais um elemento do Homogenoceno global que era bem conhecido dos Pajés do Brasil. No Acre é bem conhecido o tabaco do Alto Juruá.

Além do tomate e do tabaco, entre outras culturas importantes, a América contribuiu para o Homogenoceno com a mandioca, o milho e a batata. Essas culturas salvaram da fome milhões de pessoas em todo o mundo. Todas as indicações científicas conduzem para o Oeste da Amazônia como fonte original da mandioca.

Também nós, na Amazônia, temos contribuído com o Homogenoceno. Além das nossas pimentas tipo murupi e olho de peixe, a borracha foi nossa participação mais escandalosa para estabelecer o Homogenoceno. Por último, e já nos tempos atuais, o açaí está conquistando espaço nos supermercados de todos os continentes.

Como nos lembra Charles Mann, sempre que estivermos sentados à mesa para uma refeição, não importa em qual região do mundo, certamente vamos ter em nossos pratos uma amostra do Homogenoceno.

Bom Apetite!

P.S. Existem outros fatores que estão tornando o nosso mundo cada vez mais homogêneo, com destaque para a internet, FaceBook, Google, Bolsa de valores, petróleo, aviões à jato, língua inglesa, migrações humanas em massa, etc.

*Artigo originalmente publicado no jornal A Gazeta, em Rio Branco, Acre, em 02/02/2016.
**Paleontólogo e ex-professor da UFAC
***Engenheiro Agrônomo e pesquisador do INPA e do Parque Zoobotânico da UFAC.