OS INCÊNDIOS FLORESTAIS RECENTES E A MUDANÇA DE PARADIGMA*
Sonaira Silva** e Foster Brown***
Desde
2005, a ideia de que as florestas desta parte da Amazônia não pudessem queimar
foi colocada em cheque. As suas características típicas de sempre verde, úmida
e com baixa temperatura quando comparada com áreas fora delas, apareciam uma
garantia que fogo oriundo de queimadas de roçadas e pastos não ia penetrar
dentro das florestas.
Historicamente,
houvera manos em que faltou chuva por muitos meses e com temperaturas altas que
aquelas características da floresta mudam. Arqueólogos descobriram que a
milhares e centenas de anos atrás, a Amazônia teve secas tão fortes que
implicaram em degradação catastrófica da flora e fauna, e grandes incêndios
florestais.A diferença entre estes períodos e agora é a frequência em que as
secas estão acontecendo.
Quando
falta água no solo e a temperatura é alta, as árvores criam estratégias para se
adaptar, soltando folhas e reduzindo o crescimento e o metabolismo. As camadas
de folhagem e galhos sobre solo, porém,ficam muito secas e este vira material
combustível para incêndios que chegam à floresta. Mesmo com vários registros de
secas no passado na Amazônia, estes períodos são considerados raros, com
intervalos de centenas de anos.
Os
acontecimentos do passado, no entanto, podem não servir para o presente. É
neste contexto que o físico Thomas Kuhn em 1962 mostra a necessidade da quebra
de paradigmas , ou seja,mudança dos modelos de pensamento, para o avanço do
nosso conhecimento da natureza. Neste momento, temos que sair do antigo senso
comum de que as florestas são barreiras ao fogo, para uma nova situação onde as
florestas poderiam se tornar combustível em anos de muita seca e que esta
situação está tornando-se mais frequente.
Na
história recente da Amazônia, existem estudos que mostram a severidade de
eventos de se cana Amazônia, devido ao aquecimento da superfície do oceano
Pacífico, conhecido como El Niño. Grandes incêndios ocorreram no Pará em
1991/92, 1997/98 e 2005/06 e o grande incêndio de Roraima se deflagrou em
1997/98.
Na
última década um novo fator de seca tem afetado a Amazônia, decorrente do
aumento da temperatura do Oceano Atlântico . Este aquecimento foi responsável
em parte pelas secas de 2005, 2010 e 2016 no Acre. Em 2005 tivemos 69 dias
consecutivos sem chuva, em 2010 foram 56 dias e em 2016 foram 44 dias, o que
tornou nossos pastos, áreas agrícolas e até florestas altamente inflamáveis.
Os incêndios
florestais no estado do Acre afetaram em torno de 400 mil hectares de florestas
entre 1984 a 2015. Números tão grandes são difíceis para visualizar, mas
podemos representar esta área percorrendo os 600 km de Rio Branco a Cruzeiro do
Sul com uma margem de mais 3 km para cada lado da estrada. Os anos com maior
impacto na floresta, são os anos de secas severas, em 2005 com 325.900 ha e
2010 com 119.000 ha de florestas afetadas por incêndios e que podem ser
detectadas por satélites.
Os
municípios mais impactados com o fogo estão na regional do Baixo Acre. Plácido
de Castro e Senador Guiomard tiveram mais de 50% de sua área florestal queimada
em 2005 (32.800 ha e 38.740 ha respectivamente).Mas se analisarmos a extensão
dos incêndios naquele ano, Rio Branco tem a maior área afetada pelo fogo, mais
de 77.800ha.
A
frequência dos incêndios florestais reduziu de centenas de anos no passado,
para 5 a 6 anos no presente. As consequências desta alta frequência de fogo
entrando na floresta são graves. Jos Barlow, em um artigo publicado, este ano
mostra que a redução da biodiversidade é alarmante, originando floresta
“zumbi”. Em Mato Grosso um estudo indicou que o fogo repetido pode matar até
50% das árvores. No Acre, nas florestas aberta com bambu, temos dados que
mostram que o principal impacto do fogo é a dominância do bambu que provoca
continua quebra e morte das árvores mesmo após o fogo.
As
secas de 2005 e 2010 não foram tão fortes como as de milhares de anos atrás ou
até mesmo a de 1926. Será que estão preparando para enfrentar os incêndios
florestais em anos de seca como no passado, incluindo o controle e
consequências.
**Sonaira
Souza da Silva, Professora da Universidade Federal do Acre e Doutoranda em
Ciências de Florestas Topicais do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia.
***Foster Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do
Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) e do Curso
de Mestrado em Ciências Florestais (CiFlor) da Universidade Federal do Acre
(UFAC). Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia
(LBA), do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque
Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão
Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA). fbrown@uol.com.br.
*Artigo originalmente publicado no jornal A Gazeta, de Rio Branco, Acre, em 10 de outubro de 2016.
*Artigo originalmente publicado no jornal A Gazeta, de Rio Branco, Acre, em 10 de outubro de 2016.
Crédito das fotos: Flávio Forner/Amazônia Extrema
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