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13 novembro 2016

OS INCÊNDIOS FLORESTAIS RECENTES E A MUDANÇA DE PARADIGMA*

Sonaira Silva** e Foster Brown***
  

Desde 2005, a ideia de que as florestas desta parte da Amazônia não pudessem queimar foi colocada em cheque. As suas características típicas de sempre verde, úmida e com baixa temperatura quando comparada com áreas fora delas, apareciam uma garantia que fogo oriundo de queimadas de roçadas e pastos não ia penetrar dentro das florestas.

Historicamente, houvera manos em que faltou chuva por muitos meses e com temperaturas altas que aquelas características da floresta mudam. Arqueólogos descobriram que a milhares e centenas de anos atrás, a Amazônia teve secas tão fortes que implicaram em degradação catastrófica da flora e fauna, e grandes incêndios florestais.A diferença entre estes períodos e agora é a frequência em que as secas estão acontecendo.

Quando falta água no solo e a temperatura é alta, as árvores criam estratégias para se adaptar, soltando folhas e reduzindo o crescimento e o metabolismo. As camadas de folhagem e galhos sobre solo, porém,ficam muito secas e este vira material combustível para incêndios que chegam à floresta. Mesmo com vários registros de secas no passado na Amazônia, estes períodos são considerados raros, com intervalos de centenas de anos.

Os acontecimentos do passado, no entanto, podem não servir para o presente. É neste contexto que o físico Thomas Kuhn em 1962 mostra a necessidade da quebra de paradigmas , ou seja,mudança dos modelos de pensamento, para o avanço do nosso conhecimento da natureza. Neste momento, temos que sair do antigo senso comum de que as florestas são barreiras ao fogo, para uma nova situação onde as florestas poderiam se tornar combustível em anos de muita seca e que esta situação está tornando-se mais frequente.

Na história recente da Amazônia, existem estudos que mostram a severidade de eventos de se cana Amazônia, devido ao aquecimento da superfície do oceano Pacífico, conhecido como El Niño. Grandes incêndios ocorreram no Pará em 1991/92, 1997/98 e 2005/06 e o grande incêndio de Roraima se deflagrou em 1997/98.

Na última década um novo fator de seca tem afetado a Amazônia, decorrente do aumento da temperatura do Oceano Atlântico . Este aquecimento foi responsável em parte pelas secas de 2005, 2010 e 2016 no Acre. Em 2005 tivemos 69 dias consecutivos sem chuva, em 2010 foram 56 dias e em 2016 foram 44 dias, o que tornou nossos pastos, áreas agrícolas e até florestas altamente inflamáveis.

Os incêndios florestais no estado do Acre afetaram em torno de 400 mil hectares de florestas entre 1984 a 2015. Números tão grandes são difíceis para visualizar, mas podemos representar esta área percorrendo os 600 km de Rio Branco a Cruzeiro do Sul com uma margem de mais 3 km para cada lado da estrada. Os anos com maior impacto na floresta, são os anos de secas severas, em 2005 com 325.900 ha e 2010 com 119.000 ha de florestas afetadas por incêndios e que podem ser detectadas por satélites.

Os municípios mais impactados com o fogo estão na regional do Baixo Acre. Plácido de Castro e Senador Guiomard tiveram mais de 50% de sua área florestal queimada em 2005 (32.800 ha e 38.740 ha respectivamente).Mas se analisarmos a extensão dos incêndios naquele ano, Rio Branco tem a maior área afetada pelo fogo, mais de 77.800ha.

A frequência dos incêndios florestais reduziu de centenas de anos no passado, para 5 a 6 anos no presente. As consequências desta alta frequência de fogo entrando na floresta são graves. Jos Barlow, em um artigo publicado, este ano mostra que a redução da biodiversidade é alarmante, originando floresta “zumbi”. Em Mato Grosso um estudo indicou que o fogo repetido pode matar até 50% das árvores. No Acre, nas florestas aberta com bambu, temos dados que mostram que o principal impacto do fogo é a dominância do bambu que provoca continua quebra e morte das árvores mesmo após o fogo.

As secas de 2005 e 2010 não foram tão fortes como as de milhares de anos atrás ou até mesmo a de 1926. Será que estão preparando para enfrentar os incêndios florestais em anos de seca como no passado, incluindo o controle e consequências.

**Sonaira Souza da Silva, Professora da Universidade Federal do Acre e Doutoranda em Ciências de Florestas Topicais do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia.
***Foster Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) e do Curso de Mestrado em Ciências Florestais (CiFlor) da Universidade Federal do Acre (UFAC). Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA). fbrown@uol.com.br.

*Artigo originalmente publicado no jornal A Gazeta, de Rio Branco, Acre, em 10 de outubro de 2016.

Crédito das fotos: Flávio Forner/Amazônia Extrema