MUDANÇA CLIMÁTICA PODE REDUZIR CAPACIDADE HIDRELÉTRICA NO BRASIL EM ATÉ 20%
Giovana
Girardi - O Estado de S. Paulo
Temperaturas
mais elevadas, mudança no regime de chuvas e aumento de eventos climáticos
extremos são apenas uma parte da história das mudanças climáticas. A forma como
essas mudanças vão impactar agricultura, geração de energia, infraestrutura,
oferta d’água e saúde é o outro lado que acaba de ganhar detalhes para o
Brasil.
Considerado
o mais importante estudo sobre como diversos setores vão reagir diante do clima
modificado, o projeto “Brasil 2040: Alternativas de Adaptação às Mudanças
Climáticas” foi publicado ontem (28/10/2015) no site da extinta Secretaria de
Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência.
Um dos
principais resultados é sobre como a oferta de água será afetada. As regiões
Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil deverão sofrer redução. A Sul pode
ter um leve aumento na média, mas com uma distribuição muito irregular. Para o
Sudeste, há incertezas.
Isso pode
ter impactos diretos na agricultura e na energia. Diversos grupos de pesquisa
do Brasil trabalharam com dados de dois modelos climáticos, que, por sua vez,
levaram em conta dois cenários do IPCC (o painel da ONU de cientistas do
clima). Um, mais pessimista, que considera que o mundo não vai agir para
combater as mudanças climáticas, e um intermediário, que imagina que haverá algumas
ações, mas não o suficiente, e o mundo ainda vai aquecer pelo menos 3°C.
Este segundo
cenário é condizente com as propostas de redução das emissões apresentadas como
contribuição para a Conferência do Clima de Paris. No pior cenário, até 2040 a
capacidade das hidrelétricas pode ficar de 8% a 20% menor. Já no melhor
cenário, a capacidade diminui entre 4% e 15%. Ou seja, mesmo se o mundo fizer
tudo o que está prometendo para combater o aquecimento global, ainda podemos
ter impacto na produção de energia. Usinas na Amazônia como a de Belo Monte ou
o novo projeto pensado para o rio Tapajós seriam inviabilizados.
Hoje o
Brasil ainda é altamente dependente da água para a geração de energia elétrica.
Cerca de 80% vêm de hidrelétricas. “O que por um lado torna a matriz energética
brasileira mais limpa que a média mundial, por outro a torna vulnerável se o
clima mudar”, afirma Roberto Schaeffer, da UFRJ, coordenador do capítulo de
energia.
O gargalo,
principalmente nas hidrelétricas localizadas na Amazônia, é que elas não têm
reservatórios. Com isso, não têm estoque de água na seca. “Essa vulnerabilidade
que a mudança climática traz talvez nos faça repensar se não é melhor voltar a
ter hidrelétricas com reservatório”, complementa.
O Brasil
pode ficar mais dependente de térmicas. O estudo até prevê um aumento das
energias eólica (no Nordeste) e solar (Sul e Sudeste), mas como elas são
intermitentes, há necessidade de ter uma energia de base e, se a hidrelétrica
falhar, as térmicas serão a saída. “Mas pode ser a etanol, a bagaço de cana, a
biomassa, não a carvão”, sugere Schaeffer. “O ideal é ter diversidade”. E
planejar a expansão do setor incorporando a variável das mudanças climáticas. “Não
podemos mais só olhar para as séries hidrológicas do passado
para prever o futuro, porque ele será bem diferente.”
Soja em
risco. A mudança no regime hídrico pode trazer impactos também às principais
commodities agrícolas do Brasil. A redução de área potencial para lavouras pode
ser de até 39,3%, no pior cenário. A soja seria a cultura mais afetada, tendo
uma perda de até 67% da área plantada na região Sul até 2040.
De acordo
com Leila Harfuch, do Agroicone, no entanto, áreas do CentroOeste e do Norte
podem compensar parte dessa perda. Na comparação com um futuro sem mudança do
clima, a perda total de área de soja no País seria de 5%. “Existe uma dinâmica
econômica que torna o impacto nacional menos dramática, vai haver uma
realocação da produção no caso dos grãos. Mas os impactos locais serão muito
relevante, em especial para a região Sul. Vai ter perda de valor de produção,
de emprego e renda, mas em termos produtivos, outras regiões podem compensar”,
explica Leila.
Segundo ela,
algo parecido pode acontecer com as plantações de cana-deaçúcar na região
Sudeste. A estimativa, no pior cenário, é de redução de 10% na área plantada na
região na comparação com o tamanho que a produção teria se não houvesse
mudanças climáticas. Parte seria compensada no Sul e parte no Centro-Oeste.
Segundo o
estudo, quem mais deve perder área é a pastagem. Não necessariamente porque o
clima prejudique muito o pasto, mas porque tanto áreas degradadas quanto outras
que tenham aptidão para a agricultura poderão ser ocupadas com grãos. Está
esperada uma queda de 6,5% da área ocupada pela pecuária, mas o estudo espera
que haja uma intensificação da produção, de modo que ela deve se manter estável.
Repercussão.
O Observatório do Clima, coalizão brasileira com mais de 30 organizações da
sociedade civil em torno das mudanças climáticas, afirmou que o estudo tem de
servir como alerta para que o Brasil deixe a tratar o problema como um tema
marginal.
“O estudo
traça um panorama preocupante dos impactos das mudanças climáticas sobre a
economia nacional já nos próximos 25 anos. Mostra que a maneira como o Brasil
investe em agropecuária e em infraestrutura precisa ser radicalmente revista.
Grandes hidrelétricas na Amazônia, como Belo Monte e São Luís do Tapajós
poderão ter reduções importantes de vazão, e a sociedade pode acabar enterrando
bilhões de reais em obras que não se pagam”, afirmou Carlos Rittl, secretário-executivo
da organização.
Para ele, o estudo “aponta a necessidade de o Brasil lutar por um acordo do clima ambicioso nas próximas semanas na conferência de Paris, e de aumentar também a ambição da própria proposta.”
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