ANTROPOCENO: A ÉPOCA GEOLÓGICA DO HOMEM (FINAL)
Evandro
Ferreira* e Foster Brown**

Orgulhamo-nos
de ter criado a agricultura, as cidades, a revolução industrial. Mas ao mesmo
tempo lançamos dezenas de bombas nucleares na atmosfera, eliminamos mares
interiores, gigantescas áreas florestais e desertificamos extensas áreas
agricultáveis. Se formos honestos, veremos que fizemos e fazemos de tudo, de
bom e de ruim. A agricultura alimenta a todos, mas ocupa espaço de florestas e
outros seres vivos. As cidades oferecem conforto, segurança e comodidade, mas
geram poluição de todo tipo. Em síntese, o homem aproveitou o clima estável e
ameno da época do Holoceno – iniciada 11 mil anos atrás – para se multiplicar e
‘desenvolver’ o planeta. Mas uma crise ambiental derivada de suas ações está se
instalando e parece estar começando a cobrar um preço: o aquecimento do
planeta.
Temos
alertado que o aquecimento global tem causado e causará graves problemas
sociais, ambientais e econômicos. Alguns descrentes teimam – por pura teimosia
mesmo, pois não apresentam provas do que falam – em não acreditar que isso está
acontecendo, mesmo com eventos climáticos extremos repetindo-se com uma
frequência nunca vista. Agora mesmo no Acre, depois de presenciarmos a maior
cheia da história de Rio Branco, estamos testemunhando chuvas praticamente
diárias há quase 60 dias. Isso não é normal! Será que alguma anomalia climática
está em gestação? O que teremos nesse verão? Uma seca como nunca vista? Tudo é
possível, até o inimaginável. Afinal, quem poderia prever que em 2005 e 2010
florestas virgens pegariam fogo no Acre? Esses eventos são, pelas contas dos
mais antigos, absolutamente impensáveis. Mas aconteceram!

A
questão ambiental, que em última instância poderá se transformar no caminho
para a destruição da civilização humana no planeta, está se tornando uma
barreira para a autorealização e a emancipação individual, bem como a
autodeterminação coletiva do homem. As correntes políticas liberais e
socialistas abraçaram as ideias do homem como um ser acima de tudo, dominador e
mestre de tudo e todos, da apropriação de uma terra generosa, e uma narrativa
de liberdade e progresso para todos (embora esses ideais nunca tenham sido
desfrutados por todos).
Mas
será que poderemos em breve contemplar um planeta sem nós?
Uma
narrativa crítica do Antropoceno, a idade geológica que vem sendo forjada pelo
homem há cerca de 200 anos, pode nos ligar ao planeta e seus outros habitantes
– todas as coisas e as forças vivas ou não vivas – de uma forma que nenhuma
narrativa progressiva e modernista da humanidade atual consegue. Enquanto as
revoluções desencadeadas pelas ideias de Copérnico e Darwin erodiam a ideia do
homem como o ser supremo do planeta e do universo, o Antropoceno nos oferece
uma lição ainda mais preocupante de humildade. Ele nos leva a contemplar a
possibilidade e o significado do impensável: uma terra sem humanos.
O
Antropoceno nos obriga a repensar as condições e conceitos do que entendemos
ser autonomia humana e progresso. Precisamos discutir que tipo de autonomia
poderia ser a mais adequada para todos os habitantes do planeta, incluindo na
discussão o planeta – e os não humanos que o habitam – do qual dependemos. Ao
invés de nos levar a pensar em barreiras ecológicas ou limites como uma
restrição à liberdade humana, o Antropoceno nos ajuda a reconhecer que estes
fatores limitantes são, na verdade, os que fornecem as condições para a
manutenção da nossa sobrevivência e liberdades individual e coletiva.
O
Antropoceno também fornece uma base para voltarmos nossa atenção para o
hibridismo e a coevolução. Se observarmos o planeta com a perspectiva de um
sistema, não haverá divisão ontológica clara entre o nacional e o estrangeiro,
o humano e o não humano, a natureza e a cultura, o doméstico e o selvagem, ou o
natural e o tecnológico. O hibridismo demanda uma questão essencialmente
política para o debate democrático: como nós, meros terráqueos humanos,
deveremos coevoluir com os outros terráqueos? Que tipos de práticas
tecnológicas e que formas de resistência a práticas tecnológicas são mais
consistentes com a democracia e a ecologia?

No
entanto, se você leitor acredita que os líderes globais jamais chegarão a uma
decisão consensual e democrática para o enfrentamento da crise ambiental, então
ofereça uma alternativa para que essa decisão seja tomada e implementada sem
que para isso tenhamos que passar a viver em uma era de autoritarismo
político-ambiental. Nós, os autores desse artigo, confessamos que estamos
confusos em razão da inércia e da leniência com que os problemas ambientais são
tratados. Somos pessimistas e nos perguntamos repetidamente: teremos como
escapar desse futuro ambiental e político sombrio?
Para saber mais: “Anthropocene raisesrisks of Earth without democracy and without us”, de Robyn Eckersley, professor
de Ciência Política da Universidade de Melbourne, Austrália e publicado no site
The Conversation.
*Evandro
Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do INPA/Parque Zoobotânico da UFAC
**Foster
Brown é Pesquisador do Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e
Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) da (UFAC. Cientista do Experimento de
Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Parque
Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consorcio Madre de Dios e da Comissão
Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA).
Crédito
da imagem: Instituto Humanitas Unisinos.
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