ANTROPOCENO: A ÉPOCA GEOLÓGICA DO HOMEM (FINAL)
Evandro
Ferreira* e Foster Brown**
A
espécie humana moderna tem apenas 200 mil anos de existência, um flash na
história geológica de 4,57 bilhões de anos do nosso planeta. Apesar de nossa
brevidade, os rastros que temos deixado no planeta são impressionantes. Mesmo
os rudimentares utensílios de pedra usados para a caça por nossos ancestrais no
período Paleolítico fizeram desaparecer muitas espécies de grandes mamíferos.
Nossos tataravôs, provavelmente munidos de armas feitas de bronze, conseguiram
a façanha de extinguir a 1,7 mil anos os últimos Mamutes do planeta que haviam
se refugiado na remota Ilha de Wrangel, no Oceano Ártico, ao norte da Sibéria,
quase chegando ao Polo Norte. A façanha a que nos referimos se deve às
dificuldades para chegar, mesmo nos dias atuais, à referida ilha em meio ao
gelo e clima extremo. Nada disso impediu a extinção dos Mamutes que, ao que
tudo indica, só teriam escapado à sanha destruidora dos humanos se tivessem
abandonado o planeta.
Orgulhamo-nos
de ter criado a agricultura, as cidades, a revolução industrial. Mas ao mesmo
tempo lançamos dezenas de bombas nucleares na atmosfera, eliminamos mares
interiores, gigantescas áreas florestais e desertificamos extensas áreas
agricultáveis. Se formos honestos, veremos que fizemos e fazemos de tudo, de
bom e de ruim. A agricultura alimenta a todos, mas ocupa espaço de florestas e
outros seres vivos. As cidades oferecem conforto, segurança e comodidade, mas
geram poluição de todo tipo. Em síntese, o homem aproveitou o clima estável e
ameno da época do Holoceno – iniciada 11 mil anos atrás – para se multiplicar e
‘desenvolver’ o planeta. Mas uma crise ambiental derivada de suas ações está se
instalando e parece estar começando a cobrar um preço: o aquecimento do
planeta.
Temos
alertado que o aquecimento global tem causado e causará graves problemas
sociais, ambientais e econômicos. Alguns descrentes teimam – por pura teimosia
mesmo, pois não apresentam provas do que falam – em não acreditar que isso está
acontecendo, mesmo com eventos climáticos extremos repetindo-se com uma
frequência nunca vista. Agora mesmo no Acre, depois de presenciarmos a maior
cheia da história de Rio Branco, estamos testemunhando chuvas praticamente
diárias há quase 60 dias. Isso não é normal! Será que alguma anomalia climática
está em gestação? O que teremos nesse verão? Uma seca como nunca vista? Tudo é
possível, até o inimaginável. Afinal, quem poderia prever que em 2005 e 2010
florestas virgens pegariam fogo no Acre? Esses eventos são, pelas contas dos
mais antigos, absolutamente impensáveis. Mas aconteceram!
Dá
para negar que já estamos vivendo uma crise ambiental? O bom senso indica que
não. Tanto que as nações mundiais tem se reunido com frequência para resolver
questões ligadas à emissão de gases poluentes, destruição de fontes de água
potável, florestas e outros assuntos relacionados com o meio ambiente
planetário. Apesar de nada decidirem, procrastinando a tomada de decisões
importantes para garantir o futuro do planeta, os líderes globais têm,
indiretamente, dado uma grande contribuição à causa ambiental: visibilidade.
Graças a isso, ela é hoje manchete de destaque na imprensa mundial.
A
questão ambiental, que em última instância poderá se transformar no caminho
para a destruição da civilização humana no planeta, está se tornando uma
barreira para a autorealização e a emancipação individual, bem como a
autodeterminação coletiva do homem. As correntes políticas liberais e
socialistas abraçaram as ideias do homem como um ser acima de tudo, dominador e
mestre de tudo e todos, da apropriação de uma terra generosa, e uma narrativa
de liberdade e progresso para todos (embora esses ideais nunca tenham sido
desfrutados por todos).
Mas
será que poderemos em breve contemplar um planeta sem nós?
Uma
narrativa crítica do Antropoceno, a idade geológica que vem sendo forjada pelo
homem há cerca de 200 anos, pode nos ligar ao planeta e seus outros habitantes
– todas as coisas e as forças vivas ou não vivas – de uma forma que nenhuma
narrativa progressiva e modernista da humanidade atual consegue. Enquanto as
revoluções desencadeadas pelas ideias de Copérnico e Darwin erodiam a ideia do
homem como o ser supremo do planeta e do universo, o Antropoceno nos oferece
uma lição ainda mais preocupante de humildade. Ele nos leva a contemplar a
possibilidade e o significado do impensável: uma terra sem humanos.
O
Antropoceno nos obriga a repensar as condições e conceitos do que entendemos
ser autonomia humana e progresso. Precisamos discutir que tipo de autonomia
poderia ser a mais adequada para todos os habitantes do planeta, incluindo na
discussão o planeta – e os não humanos que o habitam – do qual dependemos. Ao
invés de nos levar a pensar em barreiras ecológicas ou limites como uma
restrição à liberdade humana, o Antropoceno nos ajuda a reconhecer que estes
fatores limitantes são, na verdade, os que fornecem as condições para a
manutenção da nossa sobrevivência e liberdades individual e coletiva.
O
Antropoceno também fornece uma base para voltarmos nossa atenção para o
hibridismo e a coevolução. Se observarmos o planeta com a perspectiva de um
sistema, não haverá divisão ontológica clara entre o nacional e o estrangeiro,
o humano e o não humano, a natureza e a cultura, o doméstico e o selvagem, ou o
natural e o tecnológico. O hibridismo demanda uma questão essencialmente
política para o debate democrático: como nós, meros terráqueos humanos,
deveremos coevoluir com os outros terráqueos? Que tipos de práticas
tecnológicas e que formas de resistência a práticas tecnológicas são mais
consistentes com a democracia e a ecologia?
Em
resumo, a ideia do Antropoceno é uma garantia de que a crescente crise
democrática de responsabilidades na prestação de contas entre aqueles que geram
e/ou se beneficiam dos riscos ecológicos e aqueles que sofrerão as
consequências não ficará oculta. Se nós humanos, que vivemos e dependemos do
planeta para sobreviver, tivermos que convocar todas as sociedades e tomadores
de decisão do planeta para prestarem contas de suas atitudes, o papel da
democracia nessa discussão será mais indispensável do que nunca.
No
entanto, se você leitor acredita que os líderes globais jamais chegarão a uma
decisão consensual e democrática para o enfrentamento da crise ambiental, então
ofereça uma alternativa para que essa decisão seja tomada e implementada sem
que para isso tenhamos que passar a viver em uma era de autoritarismo
político-ambiental. Nós, os autores desse artigo, confessamos que estamos
confusos em razão da inércia e da leniência com que os problemas ambientais são
tratados. Somos pessimistas e nos perguntamos repetidamente: teremos como
escapar desse futuro ambiental e político sombrio?
Para saber mais: “Anthropocene raisesrisks of Earth without democracy and without us”, de Robyn Eckersley, professor
de Ciência Política da Universidade de Melbourne, Austrália e publicado no site
The Conversation.
*Evandro
Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do INPA/Parque Zoobotânico da UFAC
**Foster
Brown é Pesquisador do Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e
Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) da (UFAC. Cientista do Experimento de
Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Parque
Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consorcio Madre de Dios e da Comissão
Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA).
Crédito
da imagem: Instituto Humanitas Unisinos.
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