LIMITAÇÕES PARA O USO DA PARATAXONOMIA EM INVENTÁRIOS DA BIODIVERSIDADE AMAZÔNICA*
Evandro
Ferreira
Blog
Ambiente Acreano
Alguns
estudos recentes avaliaram a integração do uso do conhecimento de comunidades
tradicionais na conservação da biodiversidade e questionaram a utilidade da
parataxonomia, ou seja, a identificação de espécies biológicas por pessoas que
não receberam treinamento formal em taxonomia e sistemática.
No Acre os parataxonomistas são conhecidos popularmente como ‘mateiros’ e sua atuação mais destacada ocorre nos inventários florestais usados para a elaboração de planos de exploração manejada de madeireira. Uma das razões para o uso indiscriminado de parataxonomistas em inventários de biodiversidade é a quantidade limitada de taxonomistas formais e o fato da taxonomia descritiva estar perdendo prestígio e financiamento nas últimas décadas.
Hoje, o foco dos investimentos em pesquisas no Brasil está voltado para aquelas de cunho mais tecnológico-industrial ou, quando envolvem a área de ciências biológicas, áreas temáticas mais pontuais dirigidas a um produto, animal ou planta específico. O resultado disso é que na atualidade é muito difícil os taxonomistas conseguirem recursos para realizar coletas aleatórias de amostras de plantas e animais de uma determinada região, mesmo aquelas reconhecidas como de alta biodiversidade. E isto tem acontecido em um contexto de incremento expressivo na quantidade de recursos disponíveis para pesquisa no Brasil nas últimas décadas.
Outro aspecto que tem induzido o uso de parataxonomistas na realização dos inventários de recursos que estão ou serão explorados na Amazônia é a tendência observada nos últimos anos de ‘empoderamento’ do manejo de recursos florestais pelos proprietários de áreas na Amazônia.
No Acre os parataxonomistas são conhecidos popularmente como ‘mateiros’ e sua atuação mais destacada ocorre nos inventários florestais usados para a elaboração de planos de exploração manejada de madeireira. Uma das razões para o uso indiscriminado de parataxonomistas em inventários de biodiversidade é a quantidade limitada de taxonomistas formais e o fato da taxonomia descritiva estar perdendo prestígio e financiamento nas últimas décadas.
Hoje, o foco dos investimentos em pesquisas no Brasil está voltado para aquelas de cunho mais tecnológico-industrial ou, quando envolvem a área de ciências biológicas, áreas temáticas mais pontuais dirigidas a um produto, animal ou planta específico. O resultado disso é que na atualidade é muito difícil os taxonomistas conseguirem recursos para realizar coletas aleatórias de amostras de plantas e animais de uma determinada região, mesmo aquelas reconhecidas como de alta biodiversidade. E isto tem acontecido em um contexto de incremento expressivo na quantidade de recursos disponíveis para pesquisa no Brasil nas últimas décadas.
Outro aspecto que tem induzido o uso de parataxonomistas na realização dos inventários de recursos que estão ou serão explorados na Amazônia é a tendência observada nos últimos anos de ‘empoderamento’ do manejo de recursos florestais pelos proprietários de áreas na Amazônia.
Alguns
críticos do uso de parataxonomistas na realização de inventários ressaltam dois
aspectos importantes. O primeiro é a possibilidade de erros na classificação
dos organismos tendo em vista que os parataxonomistas raramente têm
possibilidades de recorrer a coleções biológicas para tirar dúvidas sobre as
identificações realizadas. Dependendo do grau de treinamento ou conhecimento do
parataxonomista, diferenças morfológicas sutis (como a cor da flor e do fruto),
importantes para a distinção de algumas espécies, podem ser relegadas e
espécies distintas terminam por ser classificadas como uma só. Da mesma forma,
uma única espécie que apresente variações morfológicas visíveis, mas que muitas
vezes não são determinantes para a sua correta identificação científica (porte
da planta, tamanho de frutos e folhas, por exemplo), levam alguns
parataxonomistas a classificar plantas de uma única espécie como espécies
distintas.
O
segundo aspecto alvo dos críticos do uso indiscriminado de parataxonomistas em
inventários é a forma como eles dão nomes aos organismos, sem observar o
sistema formal de classificação que usa o binômio gênero e espécie. Em geral, a
maioria dos parataxonomistas aplica um nome popular aos organismos, que pode
variar em função da linguagem usada (nome indígena, de seringueiros, migrantes
assentados de projetos de colonização), do seu nível de treinamento e da
tradição do local de origem do parataxonomista. A consequência é que os
inventários de biodiversidade realizados sem a supervisão de um taxonomista
formal quase sempre super ou sub estimam a quantidade de organismos
contabilizados.
Esses
tipos de erros são mais preocupantes quando os inventários visam a exploração
da biodiversidade, como acontece no caso da exploração madeireira. Um mesmo
nome popular usado para identificar diferentes espécies pode resultar, no caso
da venda de madeira, no envio ao comprador de um produto que ele não pretendia
adquirir. Da mesma forma, o uso de vários nomes populares para uma mesma
espécie poderá resultar, durante a exploração florestal, na sub exploração do
recurso, prejudicando o dono da área em exploração.
Em
2007 realizamos, em conjunto com Christopher Baraloto (INRA, França), Cara
Rockwell (Universidade da Flórida, USA) e Francisco Walthier (CTA), um estudo
para avaliar o uso de nomes populares na classificação de plantas lenhosas
manejadas em florestas acreanas. Os resultados foram preocupantes. Foram
identificados 384 nomes populares aplicados a 310 espécies diferentes de
plantas. Desses 384 nomes, 50% eram aplicados a uma única espécie, quase a
metade (43%) era usada em conjunto com outro nome para classificar uma única
espécie e 11% representavam mais de uma espécie. Quando a avaliação das
espécies encontradas no Acre foi expandida para os estados do Amazonas e Pará,
a quantidade de nomes populares saltou para 740, sendo que mais de 90% das
espécies eram conhecidas por mais de um nome popular.
Com
base nos resultados do estudo, observou-se que o nível de acerto ou
correspondência entre os nomes populares usados por parataxonomistas e os nomes
científicos corretos das plantas lenhosas exploradas no Acre foi de apenas 50%.
Os erros que acontecem ocorrem no campo e no escritório. Os erros no campo,
cometidos por parataxonomistas, decorrem da existência de características
morfológicas similares presentes em várias espécies ou do uso indiscriminado de
diferentes nomes populares para identificar uma única espécie. Muitas vezes
esses nomes são sinônimos, como nos casos de ‘garapeira’ e ‘cumaru-cetim’,
aplicados para a espécie Apuleia
leiocarpa. Outra situação frequente é o uso do mesmo nome popular para
identificar diferentes espécies.
A
taxonomia formal também tem sua parcela de culpa porque tem sido incapaz de
resolver de forma satisfatória a correta classificação de algumas espécies de
plantas comuns em toda a Amazônia. Elas são conhecidas como espécies-complexos
e podem incluir novas espécies e seus nomes científicos atuais poderão mudar em
futuro breve. Em nosso estudo destacamos os casos do Abiu-Maparajuba, Angelim,
Catuaba-Quaruba, Copaíba, Cumaru-ferro, Jutaí, Maçaranduba, Sucupira e Tauarí-Corrimboque.
Os
erros mais graves, entretanto, parecem estar sendo cometidos durante a
conversão, no escritório, dos nomes vulgares em científicos. E tudo em
decorrência do uso sem regras, por parte dos parataxonomistas, de nomes
populares de plantas. A situação só piora quando entram em cena
parataxonomistas que migraram ou foram treinados em outras regiões do Brasil.
Para os responsáveis pela elaboração dos planos de manejo, a busca do nome científico correto das plantas identificadas pelos parataxonomistas é um verdadeiro ‘tiro no escuro’. Sem amostras botânicas das plantas que serão exploradas, eles não podem realizar a identificação em herbários e terminam apelando para pesquisas e buscas na internete pelo nome científico que corresponda aos nomes populares adotados pelos parataxonomistas que realizaram o inventário no campo.
Para os responsáveis pela elaboração dos planos de manejo, a busca do nome científico correto das plantas identificadas pelos parataxonomistas é um verdadeiro ‘tiro no escuro’. Sem amostras botânicas das plantas que serão exploradas, eles não podem realizar a identificação em herbários e terminam apelando para pesquisas e buscas na internete pelo nome científico que corresponda aos nomes populares adotados pelos parataxonomistas que realizaram o inventário no campo.
Os
erros e a falta de precisão por parte de parataxonomistas com pouca experiência
durante a realização de inventários podem contribuir para confusões no mercado
consumidor, especialmente o de produtos madeireiros, bem como afetar a
sustentabilidade da exploração de algumas espécies. É chegada a hora de dar um
basta nesta situação. No Acre existem pessoas capazes de contribuir para
eliminar esse problema. Incluo-me entre elas e estou à disposição para ajudar
no que for possível.
Para saber mais:
Christopher
Baraloto; Evandro Ferreira; Cara Rockwell and Francisco Walthier. 2007. Limitations and Applications of Parataxonomy for Community ForestManagement in Southwestern Amazonia. Ethnobotany Research & Applications 5: 77-84.
*Artigo
originalmente publicado no jornal 'A Gazeta' em 22/10/2013.
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