NANISMO CAUSADO POR DESNUTRIÇÃO AINDA É UM PROBLEMA DE SAÚDE NO ACRE
Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano
No mundo, a má nutrição crônica
ainda é uma das principais causas de mortalidade entre crianças com menos de
cinco anos e em 2013 aproximadamente 165 milhões de crianças nesta faixa de
idade foram afetadas pelo nanismo resultante da desnutrição.
As curvas de crescimento
elaboradas pela organização mundial de saúde (OMS) são uma das formas mais
simples e baratas para detectar problemas nutricionais em crianças,
independente da origem étnica, situação socioeconômica ou tipo de alimentação.
A relação altura-idade em crianças gera um índice que mede o crescimento linear
e seu déficit indica que o crescimento normal pode ter sido afetado por vários
fatores como condições inadequadas de habitação, saúde e nutrição.
No Brasil, a prevalência de
crianças mal nutridas caiu drasticamente. De 13,5% em 1996, o percentual baixou
para 6,8% em 2007. Este problema, entretanto, ocorre de forma desigual no país.
Enquanto o percentual nacional de crianças mal nutridas era de 7% em 2006, na
região norte esse percentual foi 14,9% no mesmo ano.
No Acre, os efeitos das condições
socioeconômicas na saúde das crianças são muito evidentes. Em 2005 a
prevalência de nanismo causado por má nutrição em crianças com menos de cinco
anos no interior do estado era de 35,8%, um valor quase cinco vezes acima da
média nacional.
Nesse contexto, um relevante
estudo realizado com crianças residentes no município de Assis Brasil foi
realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Acre no ano de 2011. Os
resultados da pesquisa foram publicados na edição deste mês de julho da revista
científica Ciência e Saúde Coletiva. O resultado mostrou que 14,48% das
crianças avaliadas apresentaram déficit de crescimento. Embora animar, o
resultado ainda representa o dobro da média nacional.
Assis Brasil, localizada na
região de fronteira do Brasil com a Bolívia e o Peru, tinha em 2010 uma
população (urbana e rural) de 6.017 habitantes, dos quais 3.057 eram homens e
2.960 mulheres. O percentual de crianças com menos de cinco anos equivalia a
12,7% ou 764 indivíduos. O estudo dos pesquisadores da UFAC foi muito
abrangente, pois avaliou 428 das crianças com menos de cinco anos residentes em
Assis Brasil (cerca de 56% do total).
No aspecto socioeconômico, os
dados do estudo foram desanimadores e contrastantes. Apesar de 97,4% das
crianças viverem em casas com energia elétrica e 92,9% terem coleta domiciliar
de lixo, 10% das casas não dispunham de instalação sanitária e 31% ainda
utilizavam ‘privadas’ construídas sobre buracos abertos no quintal. Em 42% dos
casos, o esgoto residencial produzido corria a céu aberto. Apenas 13% das casas
eram construídas em tijolos. Essas condições precárias justificam o percentual
de 31,7% das crianças estarem recebendo, à época da coleta dos dados do estudo
(2011), algum tipo de auxílio governamental concedido individualmente ou para a
família da criança.
Das 428 crianças avaliadas no
estudo 51,2% eram do sexo masculino e 11,4% eram de origem indígena. Em relação
à criação, 94,7% delas estavam sob os cuidados de suas mães biológicas. Apesar
de a grande maioria das crianças (93,7%) ter se consultado pelo menos uma vez
com um médico, apenas 29,3% delas tinham sido submetidas a cuidados de saúde
nos postos de atendimento da cidade. Essa baixa atenção médica talvez explique
o fato de 36,4% das crianças avaliadas já ter sido hospitalizado pelo menos uma
vez.
A prevalência de nanismo por
desnutrição entre as crianças com menos de cinco anos avaliadas em Assis Brasil
foi de 14,4%. Uma analise grosseira dos dados indicou, a priori, que a origem
indígena e o fato de residir na zona rural eram fatores associados ao nanismo.
Algumas morbidades também foram associadas a priori às crianças com índices
negativos da relação altura-idade causados pela desnutrição, com destaque para
ocorrência de febre, diarreia e tosse. Entretanto, essas condições não
prevaleceram quando a análise estatística foi ajustada para os fatores
socioeconômicos.
Outros fatores como as
características das residências, sexo, acesso a creches ou escolas, condições
de gravidez e amamentação, acesso a serviços de atenção médica e hospitalização
prévia também não prevaleceram como causas significativas de nanismo depois que
a análise estatística foi ajustada para os fatores socioeconômicos.
As variáveis que se mostraram
associadas de forma independente com o nanismo entre as crianças avaliadas
foram: famílias consideradas pobres, cuidadores muito jovens e/ou com baixo
grau de escolaridade, mães biológicas de baixa estatura física, presença de
esgoto a céu aberto na casa e condição financeira familiar precária. Um
resultado surpreendente foi que a desnutrição era mais comum em crianças cujas
famílias recebiam algum tipo de ajuda governamental.
A maternidade em idade muito
precoce, mostram alguns estudos, é frequentemente associada ao nanismo,
provavelmente por que mães muito jovens não estão completamente preparadas para
cuidar de forma adequada de seres tão dependentes. No caso da altura, alguns
estudos mostram que crianças nascidas de mães com baixa estatura causada por
nanismo derivado de desnutrição geralmente apresentam baixo peso de nascimento
e são propensas a apresentar nanismo mais tarde.
Os autores do estudo ressaltam a
necessidade de melhoria das condições de vida da população mais pobre de Assis
Brasil. De fato, é inadmissível que em pleno século XXI grande parte da
população local tenha que conviver com esgoto a céu aberto. Nessa condição, as
crianças podem adquirir facilmente doenças contagiosas que contribuem
efetivamente para o nanismo, como nos casos de episódios recorrentes de
diarreia.
Os autores do estudo concluíram
que os fatores associados com o nanismo nas crianças de Assis Brasil estão
relacionados principalmente com as condições econômicas desfavoráveis de suas
famílias. Mas as características das mães também influem negativamente essa
condição. Para eles, algumas iniciativas do Governo Federal, como a inclusão de
todas as crianças na escola ou pré-escola, onde alimentação balanceada é
oferecida diariamente, e os programas sociais de ajuda como o ‘Fome Zero’ e
‘Bolsa Família’ são alternativas que podem reduzir significativamente o
problema. Essa esperança baseia-se no fato de que 21,7% da redução na
desnutrição infantil no país entre 1996 e 2007 foi atribuída ao incremento no
poder de compra das famílias.
Para saber mais: “Nanismo em
crianças menores de cinco anos de idade ainda é um problema de saúde na
Amazônia Ocidental Brasileira: um estudo de base populacional em Assis Brasil,
Acre, Brasil”, de autoria de Saulo Augusto Silva Mantovani, Alanderson Alves
Ramalho, Thasciany Moraes Pereira e outros. Revista “Ciência e Saúde Coletiva,
2016, vol. 21, n° 7, p. 2257-2266.
Foto: Lindomar Padilha/CIMI-AC
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