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04 novembro 2016

NANISMO CAUSADO POR DESNUTRIÇÃO AINDA É UM PROBLEMA DE SAÚDE NO ACRE

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

No mundo, a má nutrição crônica ainda é uma das principais causas de mortalidade entre crianças com menos de cinco anos e em 2013 aproximadamente 165 milhões de crianças nesta faixa de idade foram afetadas pelo nanismo resultante da desnutrição.

As curvas de crescimento elaboradas pela organização mundial de saúde (OMS) são uma das formas mais simples e baratas para detectar problemas nutricionais em crianças, independente da origem étnica, situação socioeconômica ou tipo de alimentação. A relação altura-idade em crianças gera um índice que mede o crescimento linear e seu déficit indica que o crescimento normal pode ter sido afetado por vários fatores como condições inadequadas de habitação, saúde e nutrição.

No Brasil, a prevalência de crianças mal nutridas caiu drasticamente. De 13,5% em 1996, o percentual baixou para 6,8% em 2007. Este problema, entretanto, ocorre de forma desigual no país. Enquanto o percentual nacional de crianças mal nutridas era de 7% em 2006, na região norte esse percentual foi 14,9% no mesmo ano.

No Acre, os efeitos das condições socioeconômicas na saúde das crianças são muito evidentes. Em 2005 a prevalência de nanismo causado por má nutrição em crianças com menos de cinco anos no interior do estado era de 35,8%, um valor quase cinco vezes acima da média nacional.

Nesse contexto, um relevante estudo realizado com crianças residentes no município de Assis Brasil foi realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Acre no ano de 2011. Os resultados da pesquisa foram publicados na edição deste mês de julho da revista científica Ciência e Saúde Coletiva. O resultado mostrou que 14,48% das crianças avaliadas apresentaram déficit de crescimento. Embora animar, o resultado ainda representa o dobro da média nacional.

Assis Brasil, localizada na região de fronteira do Brasil com a Bolívia e o Peru, tinha em 2010 uma população (urbana e rural) de 6.017 habitantes, dos quais 3.057 eram homens e 2.960 mulheres. O percentual de crianças com menos de cinco anos equivalia a 12,7% ou 764 indivíduos. O estudo dos pesquisadores da UFAC foi muito abrangente, pois avaliou 428 das crianças com menos de cinco anos residentes em Assis Brasil (cerca de 56% do total).

No aspecto socioeconômico, os dados do estudo foram desanimadores e contrastantes. Apesar de 97,4% das crianças viverem em casas com energia elétrica e 92,9% terem coleta domiciliar de lixo, 10% das casas não dispunham de instalação sanitária e 31% ainda utilizavam ‘privadas’ construídas sobre buracos abertos no quintal. Em 42% dos casos, o esgoto residencial produzido corria a céu aberto. Apenas 13% das casas eram construídas em tijolos. Essas condições precárias justificam o percentual de 31,7% das crianças estarem recebendo, à época da coleta dos dados do estudo (2011), algum tipo de auxílio governamental concedido individualmente ou para a família da criança.

Das 428 crianças avaliadas no estudo 51,2% eram do sexo masculino e 11,4% eram de origem indígena. Em relação à criação, 94,7% delas estavam sob os cuidados de suas mães biológicas. Apesar de a grande maioria das crianças (93,7%) ter se consultado pelo menos uma vez com um médico, apenas 29,3% delas tinham sido submetidas a cuidados de saúde nos postos de atendimento da cidade. Essa baixa atenção médica talvez explique o fato de 36,4% das crianças avaliadas já ter sido hospitalizado pelo menos uma vez.

A prevalência de nanismo por desnutrição entre as crianças com menos de cinco anos avaliadas em Assis Brasil foi de 14,4%. Uma analise grosseira dos dados indicou, a priori, que a origem indígena e o fato de residir na zona rural eram fatores associados ao nanismo. Algumas morbidades também foram associadas a priori às crianças com índices negativos da relação altura-idade causados pela desnutrição, com destaque para ocorrência de febre, diarreia e tosse. Entretanto, essas condições não prevaleceram quando a análise estatística foi ajustada para os fatores socioeconômicos.

Outros fatores como as características das residências, sexo, acesso a creches ou escolas, condições de gravidez e amamentação, acesso a serviços de atenção médica e hospitalização prévia também não prevaleceram como causas significativas de nanismo depois que a análise estatística foi ajustada para os fatores socioeconômicos.

As variáveis que se mostraram associadas de forma independente com o nanismo entre as crianças avaliadas foram: famílias consideradas pobres, cuidadores muito jovens e/ou com baixo grau de escolaridade, mães biológicas de baixa estatura física, presença de esgoto a céu aberto na casa e condição financeira familiar precária. Um resultado surpreendente foi que a desnutrição era mais comum em crianças cujas famílias recebiam algum tipo de ajuda governamental.

A maternidade em idade muito precoce, mostram alguns estudos, é frequentemente associada ao nanismo, provavelmente por que mães muito jovens não estão completamente preparadas para cuidar de forma adequada de seres tão dependentes. No caso da altura, alguns estudos mostram que crianças nascidas de mães com baixa estatura causada por nanismo derivado de desnutrição geralmente apresentam baixo peso de nascimento e são propensas a apresentar nanismo mais tarde.

Os autores do estudo ressaltam a necessidade de melhoria das condições de vida da população mais pobre de Assis Brasil. De fato, é inadmissível que em pleno século XXI grande parte da população local tenha que conviver com esgoto a céu aberto. Nessa condição, as crianças podem adquirir facilmente doenças contagiosas que contribuem efetivamente para o nanismo, como nos casos de episódios recorrentes de diarreia.

Os autores do estudo concluíram que os fatores associados com o nanismo nas crianças de Assis Brasil estão relacionados principalmente com as condições econômicas desfavoráveis de suas famílias. Mas as características das mães também influem negativamente essa condição. Para eles, algumas iniciativas do Governo Federal, como a inclusão de todas as crianças na escola ou pré-escola, onde alimentação balanceada é oferecida diariamente, e os programas sociais de ajuda como o ‘Fome Zero’ e ‘Bolsa Família’ são alternativas que podem reduzir significativamente o problema. Essa esperança baseia-se no fato de que 21,7% da redução na desnutrição infantil no país entre 1996 e 2007 foi atribuída ao incremento no poder de compra das famílias.


Para saber mais: “Nanismo em crianças menores de cinco anos de idade ainda é um problema de saúde na Amazônia Ocidental Brasileira: um estudo de base populacional em Assis Brasil, Acre, Brasil”, de autoria de Saulo Augusto Silva Mantovani, Alanderson Alves Ramalho, Thasciany Moraes Pereira e outros. Revista “Ciência e Saúde Coletiva, 2016, vol. 21, n° 7, p. 2257-2266.

Foto: Lindomar Padilha/CIMI-AC