A OCORRÊNCIA DE FLORESTAS ESTACIONAIS NO ACRE
Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano
Os livros didáticos e mesmo o
Zoneamento Ecológico do Estado (ZEE) classificam todas as florestas acreanas
como sendo do tipo tropical úmida, ou seja, tecnicamente nossas florestas são,
para essas publicações, ‘ombrófilas’. Essa palavra de origem grega significa ‘amigo
das chuvas’ e sugere que nossas florestas sobrevivem e são dependentes de um
clima majoritariamente chuvoso e com altas temperaturas médias anuais.
De fato, quem estuda o mapa da
vegetação acreana produzido pelo ZEE (Acre, 2006) verificará que o tipo de
vegetação predominante no Acre é a ‘Floresta Ombrófila Aberta’. Este tipo de
vegetação, segundo o Manual Técnico da Vegetação Brasileira (IBGE, 2012) -
referência oficial adotada no país para a classificação da vegetação nativa - é
considerado como uma transição entre a floresta amazônica típica e outras
vegetações extra-amazônicas e ocorre em locais em que a temperatura média anual
pode chegar a 25 °C e o período de estiagem estende-se entre 2 e 4 meses por
ano.
Essas informações oriundas da
referência obrigatória para a classificação da vegetação brasileira denota que
possivelmente um equívoco deve ter ocorrido na classificação da vegetação
acreana durante a elaboração do ZEE. Vejamos.
A região leste do Acre, assim
como todo o Estado, apresenta altas temperaturas médias anuais que podem variar
entre 23,7 °C em junho e 26 °C em novembro (Duarte, 2006) e se qualifica como
tendo condições térmicas para abrigar a vegetação do tipo ‘Floresta Ombrófila
Aberta’. Entretanto, o mesmo autor afirma que o período chuvoso na região leste
do Acre se estende entre outubro e abril e concentra 83% do volume anual de
chuvas. Sobram, portanto, para os outros cinco meses do ano (maio a setembro)
apenas 17% do volume de chuvas anuais.
Diante disso não é exagero dizer
que a extensão do período seco na região leste do Acre (cinco meses), combinada
com o baixíssimo índice pluviométrico ocorrente durante o mesmo (menos de 1/5
do total anual) desqualifica, sob o ponto de vista hídrico, essa parte do
Estado para abrigar florestas do tipo ‘Ombrófilas Abertas’. Por isso, como se
pode observar facilmente no entorno de Rio Branco no auge do período seco,
“nossas” florestas Ombrófilas submetidas a períodos secos prolongados tendem a
apresentar comportamento estacional. Na prática, observa-se que os indivíduos
arbóreos de maior porte permanecem nessa condição quando o déficit hídrico
atinge o seu ápice entre os meses meados de agosto e setembro.
Obviamente que se as florestas
‘Ombrófilas’ perdem as folhas durante uma parte do ano por razões climáticas
elas não poderão continuar a ser formalmente classificadas como tal. Na
literatura, florestas com esse comportamento são geralmente chamadas de
estacionais. E florestas desse tipo geralmente ocorrem em regiões com clima
sazonal (estações chuvosas e secas bem definidas). Além disso, no período de
maior deficiência hídrica as árvores de médio e grande porte dessas florestas
perdem suas folhas em percentuais que podem variar entre 20% (mínimo) a mais de
50% (em situações extremas).
No Manual Técnico da Vegetação
Brasileira as florestas com comportamento estacional são classificadas como
semidecidual se o percentual de árvores que perdem as folhas na estação seca
situar-se entre 20% e 50% do total. Se o percentual for superior a 50% elas são
classificadas como decíduas. As formações florestais que apresentam menos de
20% de indivíduos desfolhados no período seco são consideradas “sempre-verdes”
(ou perenifólias) e nessa categoria estão incluídas as ‘Florestas Ombrófilas
Abertas’ indicadas pelo ZEE como ocorrentes na região leste do Acre.
O Manual da Vegetação Brasileira
indica que a ‘Floresta Estacional Semidecidual’ ocorre no Acre em áreas
aluviais presente nas planícies e em alguns terraços mais antigos das calhas
dos rios e em áreas de terras baixas sobre solos sedimentares até 200 m de
altitude. Ele até indica algumas espécies encontradas nesse tipo de floresta,
com destaque para a cerejeira (Amburana acreana), os ipês (Handroanthus spp.) e o pau pombo (Tapirira guianensis). De uma maneira geral florestas estacionais
apresentam menor altura, biomassa e riqueza florística em relação às florestas
tropicais úmidas em razão da forte influência da sazonalidade climática (ver
Nogueira et al. 2008).
É importante ressaltar que as
florestas estacionais acreanas não devem ser entendidas no sentido estrito da
palavra, pois apenas o componente arbóreo emergente apresenta comportamento
estacional. As palmeiras, o bambu (Guadua
spp.) ou uma combinação de ambos, por exemplo, são perenifólios e dominam o sub-bosque
de grande parte das florestas estacionais do leste do Acre.
As florestas com comportamento
estacional encontradas na região leste do Acre estão geograficamente no limite
sul do domínio da floresta Amazônica ‘Ombrófila’ (perenifólia). Elas predominam
na região de cabeceira e no médio curso do rio Acre, estendendo-se também para
a região ocupada pelo Parque Estadual Chandless.
Na Estação Ecológica Rio Acre,
próximo de Assis Brasil, um inventário florístico de revelou que 70% das
plantas encontradas integravam o estrato intermediário e o subosque florestal
(Ferreira et al., 2011). Essa dominância relaciona-se com o comportamento
decidual das árvores maiores, que perdem as folhas no período mais seco do ano
e permitem que mais luz chegue ao interior da floresta, favorecendo o
desenvolvimento das plantas de pequeno e médio porte.
Essa condição também torna as
florestas estacionais do leste do Acre naturalmente mais secas e vulneráveis ao
fogo (proposital ou acidental), especialmente no auge da estiagem entre os
meses de julho e setembro, quando as folhas caídas das árvores maiores formam
um colchão de material seco e inflamável sobre o solo.
Por isso, delimitar a extensão
das florestas estacionais do leste do Acre é uma prioridade, pois ajudará a
identificar áreas mais vulneráveis a incêndios florestais e contribuirá para
minorar os prejuízos ambientais e econômicos que esses desastres representam
para a economia local.
Referências:
- Duarte, A. 2006. Aspectos da
climatologia do Acre, Brasil com base no intervalo 1971-2000. Rev. Bras.
Meteorologia, 21: 308-317.
- Ferreira, E.J.L. et al. 2011. Aspectos florísticos e
fitossociológicos de uma floresta aberta com comportamento caducifólio e
sub-bosque dominado por Rinorea
viridifolia Rusby (Violaceae) no Leste do Acre. In: X Congresso de Ecologia do Brasil, 2011, São Lourenço-MG.
- IBGE. 2012. Manual Técnico da
Vegetação Brasileira. Rio de Janeiro: IBGE. 271p.
- Nogueira, E.M. et al. 2008. Tree
height in Brazil's ‘arc of deforestation’: Shorter trees in south and southwest
Amazonia imply lower biomass. Forest
Ecology and Management, 255: 2963-2972.
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