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31 outubro 2016

FUMAÇA DE QUEIMADAS E A SAÚDE DE CRIANÇAS E IDOSOS NA AMAZÔNIA

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

Nos últimos anos está cada vez mais evidente que os prejuízos decorrentes da derrubada e queima de florestas na Amazônia não se restringem apenas às perdas materiais e ambientais. A fumaça produzida por essas queimadas libera uma grande quantidade de material particulado na atmosfera que prejudica a saúde dos habitantes nas regiões afetadas. 

Ao contrário da poluição crônica e prolongada que assola os centros urbanos, a fumaça das queimadas na Amazônia expõe a população da região a períodos relativamente curtos (3-6 meses), porém contínuos e intensos de poluição cujos picos podem passar de 400 microgramas/metro cúbico de ar, bem acima das 20 microgramas consideradas como o máximo aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em Rio Branco durante a seca de 2005 picos de poluição de até 450 microgramas foram registrados.

As partículas finas liberadas pela fumaça de queimadas causam preocupação por que permanecem por mais tempo na atmosfera e, em função de sua capacidade de dispersão, podem ser transportadas a grandes distâncias. Elas podem se depositar nos brônquios terminais e nos alvéolos dos pulmões causando ou agravando problemas respiratórios e contribuindo para o aumento nas admissões hospitalares e emergenciais, utilização de medicamentos e aumento da mortalidade, especialmente entre idosos e crianças.

Um estudo sobre a tendência da mortalidade por doenças respiratórias em idosos e as queimadas em Rondônia entre 1998 e 2005 (Castro et al., 2009) mostrou que o aumento do número de focos de calor favorecia o aumento nas taxas de mortalidade por doenças do aparelho respiratório e pulmonar entre idosos acima de 65 anos. Foi encontrada correlação positiva e significante entre número de focos de queimadas e as taxas de mortalidade dos idosos pelas doenças citadas e que explicava entre 50% e 80% da mortalidade pelas doenças estudadas em idosos na região.

Outro estudo avaliou a associação entre o material particulado de queimadas e doenças respiratórias no sul da Amazônia (Carmo et al., 2010) e observou que um incremento de 10 microgramas/metro cúbico de ar na poluição do ar estava associado ao aumento de até 2,9% nos atendimentos ambulatoriais por doenças respiratórias de crianças no 6° e 7° dias subsequentes à exposição. Nas mesmas condições de incremento da poluição atmosférico em Cuiabá-MT, o aumento das internações hospitalares de crianças foi de 12,1% (Silva et al., 2013).

Em contraste com os resultados citados acima, em Manaus-AM, onde a poluição atmosférica decorrente de queimadas é muito inferior, as maiores taxas de internações hospitalares de crianças por doenças respiratórias ocorreram no período chuvoso em razão das condições meteorológicas, principalmente a umidade excessiva (Andrade Filho et al., 2013).

Durante a seca de 2005 verificou-se no mês de setembro um acréscimo de 45% no número de hospitalizações por doenças respiratórias em Rio Branco (em relação a 2004) (Mascarenhas et al., 2008), sendo os diagnósticos mais frequentes infecções das vias aéreas superiores (21%), bronquite (15%) e asma (12%). Os sintomas clínicos predominantes foram tosse (79%), febre (51%), dispneia (39%) e dor torácica (15%). Crianças até 9 anos representaram 48% dos atendimentos, seguidas de adultos (20-59 anos) com 36%, enquanto adolescentes (10-19 anos) e idosos (60 + anos) corresponderam a 9 e 8%. No período, os residentes de Rio Branco representaram 97% dos atendidos por doenças respiratórias.

Uma avaliação da relação entre as queimadas e morbidades respiratórias no Acre entre 1998 e 2005 realizada por Silva et al. (2008) concluiu não apenas que o aumento no número de focos de queimadas provoca o incremento no número de internações por doenças respiratórias, mas também um aumento na taxa de mortalidade associada a doenças respiratórias durante os períodos de queimadas. 

A literatura científica tem demonstrado de forma inequívoca que a poluição atmosférica decorrente de queimadas na Amazônia causa ou agrava problemas de saúde, especialmente os respiratórios em crianças e idosos. Embora ela não indique a dimensão do custo financeiro do problema para os sistemas de saúde dos estados e municípios, é possível que ele seja significativo.

Acreditamos não ser preciso fazer um estudo para avaliar o custo-benefício do uso do fogo como forma de preparo da terra para descobrir que o conjunto da sociedade paga um preço altíssimo pelo benefício de uns poucos produtores rurais. É preciso intensificar ainda mais a fiscalização e o controle e aumentar a punição para aqueles que, mesmo sabendo, teimam em derrubar e queimar de forma ilegal nossas florestas.

Para saber mais:

Andrade Filho, V.S. et al. 2013. Aerossóis de queimadas e doenças respiratórias em crianças, Manaus, Brasil. Rev. Saúde Pública, 47: 239-247.

Carmo, C.N. 2010. Associação entre material particulado de queimadas e doenças respiratórias na região sul da Amazônia brasileira. Rev. Panam. Salud Publica, 27: 10-16.

Castro, H.A. et al. 2009. Tendência da mortalidade por doenças respiratórias em idosos e as queimadas no Estado de Rondônia, Brasil - período entre 1998 e 2005. Ciência & Saúde Coletiva, 14: 2083-2090.

Mascarenhas, M.D.M. et al. 2008. Poluição atmosférica devida à queima de biomassa florestal e atendimentos de emergência por doença respiratória em Rio Branco, Brasil - Setembro, 2005. J. Bras. Pneumol., 34: 42-46.

Silva. R.G. et al. 2008. Relação entre as queimadas e as morbidades respiratórias no Acre no período de 1998 a 2005: uma abordagem espacial. In: XLVI Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural-SOBER. Rio Branco, Acre.


Silva, A.M.C. et al. 2013. Material particulado originário de queimadas e doenças respiratórias. Rev. Saúde Pública, 47: 345-352.