A ORIGEM DA PUPUNHA DOMESTICADA
Evandro
Ferreira
Blog
Ambiente Acreano

Conceitualmente,
a domesticação de uma planta consiste em um longo processo de seleção conduzido
pelo homem com o objetivo de adaptar a planta para suprir suas necessidades de
alimentos, materiais de construção, medicamentos e outros produtos. Por essa
razão, geralmente as plantas domesticadas são geneticamente distintas de seus
progenitores selvagens e, na maioria das vezes, totalmente dependentes do homem
para sua sobrevivência, não conseguindo se reproduzir na natureza sem a
intervenção humana. Isso explica o fato de roçados cultivados com culturas
perenes, como café, abacate e mamão, geralmente não prosperarem quando deixados
sem os cuidados básicos de podas e limpezas do terreno onde são cultivados.
O
processo de domesticação e disseminação do cultivo da pupunha foi realizado por
indígenas sul-americanos muito antes da chegada dos primeiros europeus. Quando
isto aconteceu, a espécie já se encontrava distribuída por toda a Amazônia,
norte da América do Sul e parte da América Central. Os frutos, que podem ser
usados na alimentação humana e de animais domésticos, foram a principal razão
para a domesticação da espécie. Somente nos últimos 30 anos é que seu cultivo
foi expandido para a costa atlântica brasileira, especialmente para a produção
de palmito, que rivaliza em qualidade com o palmito extraído de algumas
espécies de açaí na Amazônia e da palmeira Jussara, na Mata Atlântica. Esse
interesse comercial fez com que a espécie tenha atingido um status de cultivo
industrial.

A
confusão quanto ao correto nome científico da pupunha foi resolvida em duas
etapas. A primeira, em 1991, quando o pesquisador americano Roger Sanders fez
um estudo filogenético e comprovou que o gênero Guilielma proposto por Martius não diferia do gênero Bactris, que havia sido proposto em
1777. Posteriormente, em 2000, o pesquisador inglês Andrew Henderson fez uma
revisão taxonômica do gênero Bactris
e propôs que o nome científico mais apropriado para as plantas cultivadas de
pupunha seria Bactris gasipaes
variedade gasipaes. O nome das
plantas selvagens morfologicamente similares às cultivadas passou a ser Bactris gasipaes variedade chichagui.
Entretanto,
ainda pairam algumas dúvidas sobre como ocorreu a domesticação da pupunha e
algumas perguntas ainda não estão completamente respondidas. Qual ou quais os
ancestrais selvagens foram usados pelos indígenas para desenvolver a pupunha domesticada?
Isso foi feito de forma isolada em uma única região ou ocorreu de forma
simultânea em diferentes localidades na América do Sul e Central?

Estudos
filogenéticos que realizamos em meados da década de 90 indicam que sob o ponto
de vista anatômico e morfológico pelo menos uma espécie de pupunha selvagem, Bactris dahlgreniana, amplamente
distribuída no sudoeste da Amazônia, norte de Mato Grosso e sul do Pará, é
estreitamente relacionada com as plantas cultivadas, sugerindo que estas
últimas podem ter sido selecionadas a partir da primeira.
Dados
históricos apoiam o sudoeste da Amazônia como o centro de domesticação da
pupunha. O botânico suíço Jacques Huber, então funcionário do Museu Goeldi e
amplo conhecedor da Amazônia, já havia encontrado a pupunha cultivada e seus
parentes selvagens quando visitou o alto rio Solimões, no Brasil e regiões
adjacentes no Peru. Quando, por volta de 1904, ele encontrou as mesmas plantas
ao longo do rio Purus, se convenceu de que a pupunha selvagem, que ele batizou
de Guilielma microcarpa, conhecida
pelos nativos como ‘pupunha brava’, era a mais provável ancestral da pupunha
cultivada.

Por
hora, existe quase um consenso no meio acadêmico de que a pupunha brava, cujo
nome científico mudou de Guilielma
microcarpa para Bactris dahlgreniana,
é a espécie com maiores chances de ter dado origem à pupunha cultivada.
Inclusive seu nome popular deriva do fato da mesma ser em quase tudo idêntica à
pupunha cultivada, com exceção dos frutos, que são muito menores e não tem
valor comercial. Se a pupunha brava for, no futuro, confirmada como a ancestral
da pupunha cultivada, os indígenas responsáveis por esse processo merecem nossa
admiração. Afinal, eles partiram de uma espécie cujos frutos mediam menos de 2
cm de diâmetro e desenvolveram variedades cultivadas com frutos medindo até 8
cm de diâmetro. Uma façanha e tanto considerando que o processo foi feito de
forma intuitiva.
Crédito
das fotos: Evandro Ferreira
(1) Pupunha cultivada nas cercanias de Conceição do Araguaia, Pará.
(2) Comparação entre frutos de pupunha cultivada (maiores) e selvagem (menores) encontrados nas cercanias da cidade de Parauapebas, Pará.
(3) Diversidade de frutos de pupunha cultivada à venda no mercado Ver-o-Peso em Belém, Pará.
(4) Comparação entre frutos de pupunha cultivada (maiores) e selvagem (menores) encontrados nas cercanias da cidade de Parauapebas, Pará.
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