POR QUE A PREOCUPAÇÃO SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS? (*)
1. Aumento da concentração do Gás
Carbônico
Foster Brown (**) e Miguel G.
Xavier (***)
Como o assunto de mudanças climáticas tem implicações ambientais,
sociais e econômicas enormes, decidimos escrever alguns artigos sobre alguns
conceitos básicos da ciência de mudanças climáticas, ou melhor dizer das
ciências, porque o assunto é complexo e envolve desde a física até a ecologia,
passando pela meteorologia e climatologia.
Vamos começar com algo aparentemente simples, o gás carbônico e a
mudança na sua concentração na atmosfera.
O gás carbônico ou dióxido de carbono ou CO2 é um gás traço na atmosfera
medido em concentrações de partes por milhão, abreviado ppm. Mas mesmo sendo um gás traço as mudanças na
sua concentração deixam a maioria dos cientistas atmosféricos aflitos. Mas por
que tanta preocupação?
Na escola, aprendemos que plantas absorvem gás carbônico durante a
fotossíntese, transformando-o em plantas e alimentos. Cerca da metade do peso
seco de árvores da Amazônia é constituído de carbono oriundo de gás carbônico,
cerca de 100 a 200 toneladas de carbono por hectare. Aliás, sem o gás carbônico não existiria a
vida como a conhecemos. O acúmulo de
plantas mortas em sedimentos durante dezenas a centenas de milhões de anos
criou depósitos de carvão, petróleo e gás natural – combustíveis fósseis que
estamos usando como fonte de energia – que vamos discutir um pouco a frente.
Voltando ao gás carbônico: ele é um gás que absorve energia termal e
aumenta a temperatura da atmosfera e consequentemente do planeta. Graças a Deus
que ele tem esta propriedade! Se não, a Terra sem o gás carbônico teria uma
temperatura média de -18 graus C e seria uma bola de neve. Estamos aqui por causa de um efeito estufa
natural.
A preocupação dos cientistas é que a extração e queima de combustíveis
fósseis nas últimas décadas está liberando gás carbônico na atmosfera e
aumentando significativamente a sua concentração, amplificando o efeito estufa
natural.
Alguns duvidam que isto esteja acontecendo, alegando que os fluxos
naturais entre os oceanos e florestas vis a vis a atmosfera são tão grande, na
escala de 200 bilhões de toneladas de carbono (BTC) por ano, comparado a 9 BTC
por ano oriundos da atividade humana (queima de combustíveis fósseis e de
desmatamento), que não é possível ver o efeito da atividade humana.
Neste caso os duvidosos confundiram fluxos cíclicos com fluxos
incrementais. Os grandes fluxos são principalmente o resultado de processos
cíclicos. Por exemplo, mais de 100 BTC por ano circulam por causa de
crescimento de plantas nos continentes do hemisfério norte durante o verão que
depois decompõem no inverno. Mas os
fluxos de atividade humana estão sempre incrementando, ano após ano.
Talvez um analogia ajudasse a entender o processo. O sangue circula num
adulto em torno de 5 litros por minuto ou seja, 300 litros por hora. Uma perda
de somente um por cento durante uma hora, 3 litros, parece insignificante, mas
levaria a pessoa a morte.
Voltando ao caso do gás carbônico, podemos ver o efeito dos fluxos
cíclicos e incrementais na concentrações de gás carbônico medidas em dezenas
lugares do mundo na Figura 1. Apesar de
ter subidas e descidas durante cada ano, de ano em ano a concentração do gás
carbônico está subindo numa taxa de 2 ppm ao ano nos últimos anos.
Podemos estimar quanto carvão, petróleo e gás natural foram extraídos
desde o século 17 e liberado na atmosfera.
Este total seria cerca de 500 BTC.
Se tudo tivesse ficado na atmosfera a concentração teria subido de 280
ppm para mais de 500 ppm. Atualmente a
concentração média global em agosto foi medida na ordem de 399 ppm, cerca de
100 ppm a menos do esperado. O que aconteceu?
Durante os últimos séculos os oceanos e florestas absorveram grandes
quantidades de gás carbônico, um assunto que vamos tratar em artigos
futuros. Mesmo assim, a concentração de
gás carbônico está aumentando cerca de 2 ppm ao ano.
Existem outros dados que confirmam os cálculos e medidas. A redução de
oxigênio em teores equivalente ao aumento de gás carbônico indica que o aumento
vem de queima de combustíveis fósseis e não fontes vulcânicos. A mudança da composição isotópica do gás
carbônico na atmosfera nos últimos anos reforça a conclusão que a queima de
combustíveis fósseis foi a principal fonte do aumento de gás carbônico na
atmosfera. O aumento da temperatura
dos oceanos não é suficiente para explicar o aumento de gás carbônico na
atmosfera.
Em suma, o aumento do gás carbônico oriundo de atividades humanas é
confirmado por múltiplas linhas de evidência.
Este aumento desde o século 17 tem sido cerca de 120 ppm, 40% a mais do
que quando a revolução industrial iniciou.
Quando o primeiro autor nasceu a concentração de gás carbônico era 315
ppm, portanto durante a vida dele a concentração subiu 85 ppm para o atual de
quase 400 ppm. Se continuar a subida
recente de 2 ppm por ano, nos próximos 25 anos até o ano 2040 teríamos 450 ppm
de gás carbônico na atmosfera.
Os impactos da situação atual e no futuro próximo deste aumento vai depender
da influência do gás carbônico no balanço de calor da Terra, o assunto para o
próximo artigo.
(*) Artigo
originalmente publicado no jornal A Gazeta em 15/09/2015.
(**) Foster
Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de
Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) da Universidade
Federal do Acre (UFAC). Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera
Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Riscos de
Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios
e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA).
(***) Miguel
G. Xavier, Professor do Curso de Licenciatura em Química do Centro de Ciências
Biológicas e da Natureza (CCBN), e pesquisador dos grupos de pesquisa de Gestão
de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) e de Nanociência,
Nanotecnologia e Nanobiotecnologia (NNN) da UFAC.
Fonte da
imagem: Será mesmo mudanças climáticas?
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