A OCUPAÇÃO DO VALE RIO DO ACRE E A GÊNESE DE RIO BRANCO, CAPITAL DO ACRE
Excerpt
da Dissertação de Mestrado “A evolução urbana de Rio Branco (AC)”, de autoria
de Ary Pinheiro Leite*
A
história da origem e expansão da cidade de Rio Branco está intrinsecamente
ligada aos ciclos econômico da extração da borracha nos séculos XIX e XX que
contribuíram com o forte processo de ocupação desta cidade amazônica, consequência
da migração nordestina à procura da borracha.
Com
a descoberta da vulcanização da borracha, com a invenção do pneumático e a
fabricação de automóveis em série a partir de 1890, houve um aumento
significativo do uso da industrialização da borracha e consequentemente um
aumento considerável da sua cotação no mercado internacional. Com isso o
aproveitamento industrial nos Estados Unidos e na Europa fez com que na
Amazônia todo o interesse se voltasse à extração da borracha, consagrando-se
assim o seringal - baseado nas figuras do seringalista (senhor dos seringais) e
do seringueiro - como unidade produtiva fundamental à economia amazonense.
Nesse
contexto, pelos fins de 1882, penetraram o rio Acre os migrantes cearenses
irmãos Leite, Manuel Damasceno Girão e Neutel Maia. Os irmãos Leite resolveram
se instalar no local, onde fundam a sede do Seringal Bagaço. Manuel Damasceno
prossegue rio acima e na foz do rio Xapuri funda o seringal com o mesmo nome.
Por sua vez, entre o seringal Bagaço e o seringal Xapury, Neutel Maia, em 28 de
dezembro de 1882, funda o seringal “Empreza” na margem esquerda do rio Acre -
onde atualmente se localiza a cidade de Rio Branco – que se transforma em um
importante porto e entreposto comercial e, com o fim da Revolução Acreana, se
torna sede provisória da Prefeitura Departamental do Alto Acre.
Neste
primeiro período que compreende desde a fundação até 1908, a história urbana de
Rio Branco foi marcada por três principais características apontadas pelo
historiador e presidente da Fundação Municipal de Cultura Garibaldi Brasil
(Neves, 2007). A primeira diz respeito à transformação do seringal Volta da
“Empreza” no povoado denominado “Villa” Rio Branco. A segunda é que foi
exatamente nesta época que Rio Branco alcançou a condição de liderança política
e econômica do Acre, o que lhe valeria posteriormente a condição de capital.
Finalmente, a terceira característica fundamental da cidade nascente é que
neste período o povoado da Volta da “Empreza” – “Villa” Rio Branco – esteve
restrito a uma estreita faixa de terra na margem direita do rio Acre.
A
gênese da cidade de Rio Branco e o seringal “Empreza”.
O
potencial econômico da região acreana, voltada à extração da borracha, promoveu
um intenso fluxo migratório nordestino impulsionado pela ilusão de
enriquecimento fácil e alimentado por incentivos governamentais para ocupação
desta região. Com isso a região foi gradativamente ocupada:
a)
por nordestinos, que através do apossamento de terras, de grandes dimensões
visavam investir em seringais e explorar a riqueza extrativista da região – os
seringalistas;
b)
pelos nordestinos seringueiros que extraíam para os seringalistas a borracha,
ou seja, a riqueza.
Neste
contexto surge a figura do cearense Neutel Maia que em fins de 1882 funda o
seringal “Empreza” e ali desenvolve um processo, no que diz respeito à formação
socioeconômica da época, concretizando a transformação gradativa do seringal em
povoado, ou seja, em porto livre para gentes e mercadorias que circulavam num
dos mais ricos rios acreanos durante o primeiro ciclo da borracha (1870-1912).
Ia
terminando o ano de 1882. O vapor Apihy subia o rio com esforço para suas máquinas
e seus homens. Não havia paradeiro certo. O grupo de pioneiros estava entrando
em território ainda indomado. Região de índios que há milênios percorriam
praias e barrancos na difícil lida de sobreviver em meio à selva imensa. Tudo
era novidade então, apesar da paisagem parecer sempre a mesma. Matas que se
debruçavam sobre as margens do rio como que querendo invadir até mesmo o canal
caudaloso de águas barrentas. Um combate colossal onde o rio reagia todos os
anos, no tempo das águas abundantes do inverno amazônico e cheio invadia as
matas de suas margens, alargando seus domínios, destruindo barrancos e
removendo enormes porções de terra que um dia seriam lançadas ao Oceano, muitas
milhas dali distante. Os lideres da expedição tentavam vencer a monotonia das
voltas do rio para permanecer atentos e identificar sinais favoráveis à
exploração. Procuravam, principalmente, sinais das árvores mais cobiçadas da
Amazônia: as seringueiras que generosamente ofertavam seu leite branco para
enriquecer a multidão de nordestinos que começava a perseguir um futuro melhor
e mais farto.
Identificar
terras ricas em seringueiras era, portanto, o principal objetivo de todos ali
embarcados. Havia apenas três dias que o vapor Apihy tinha ancorado nas margens
daquele rio desconhecido para passar o dia de natal. Nesse mesmo local uma
parte do grupo, chefiada pelos irmãos Leite, decidiu se estabelecer e abrir um
Seringal chamado Apihy, em referência ao vapor que os havia trazido até ali,
mas que depois se tornou conhecido como Bagaço. A bem da verdade, quase todas
as terras cortadas pelo rio Acre eram muito ricas em seringueiras. Fazia tão
pouca diferença estar aqui ou ali que os sinais para a escolha de um lugar para
se estabelecer podiam ser completamente lógicos ou mesmo bastante subjetivos.
Como saber, então, o que atraiu a atenção de Neutel Maia e seus companheiros
para aquela volta pronunciada do rio, apenas seis horas acima do Bagaço? Talvez
tenha sido a presença de um bom porto para atracar os vapores. Talvez tenha
sido o estirão que revelava terras baixas em sua margem direita e terras altas
à sua esquerda numa excelente composição para o desenvolvimento de diferentes
atividades econômicas. Ou talvez tenha sido mesmo a presença de uma grossa e
ereta arvore bem a cavaleiro da curva do rio, perfeita para amarrar com
segurança os cabos das embarcações e inexplicavelmente bela. Como saber? Pois
foi ali, no dia 28 de dezembro (parece) de 1882, exatamente aos pés da
imponente Gameleira que Neutel Maia resolveu fundar sua Empreza. Enquanto isso,
o restante dos pioneiros embarcados no vapor Apihy e comandados por Raimundo
Girão seguiu subindo o rio até a confluência do rio Xapuri onde acabaram por se
estabelecer. Acompanhado de familiares - como Silvestre, seu irmão, Juvêncio,
Anísio, Teófilo, Henrique - e outros companheiros, como o português Guilhermino
Bastos, Neutel Maia construiu a sede do Seringal Empreza dando início a sua
exploração (Neves, 2007).
Ao
chegar à região desejada, o aventureiro Neutel Maia apossou-se de terras localizadas
à margem esquerda do rio Acre e ali ergueu um barracão, que seria a futura sede
de seu seringal -“Empreza” - porém, logo em seguida, a sede foi transferida
para a margem direita do rio, pois esta nova localização facilitava o
transporte de gado boliviano para o seringal, agora denominado Volta da
“Empreza”. A partir daí, um aglomerado espontâneo foi formado, seguindo o curso
natural do rio, isto devido à facilidade do escoamento de toda a produção
gomífera da região, do que se o povoado estivesse disposto, de forma
perpendicular ao curso do rio. O Seringal “Empreza” dispunha-se na margem
esquerda do rio Acre, enquanto o Volta da “Empreza”, na sua margem oposta. O
nome deste último está intimamente ligado a hidrografia do Rio que neste ponto,
reflete-se sobre si mesmo, formando um grande meandro cujos extremos ficam a
curta distancia entre si (Silva, 1986).
As
relações comerciais que Neutel Maia detinha com pecuaristas bolivianos, num
período em que a economia da borracha gerava bastante lucro para os seringalistas
da região, eram bem vindas visto que a carne bovina boliviana, mais
especificamente da região que atualmente compreende a região do Beni, era
bastante valorizada na época. Além do mais, ir caçar na mata roubava dos
seringueiros um precioso tempo para a extração da goma nas estradas de seringa
e também os seringueiros eram obrigados a se contentar com o charque que vinha
do sul do Brasil, ou da Argentina, portanto, era necessário garantir um regular
abastecimento de carne fresca para os seringais. Exatamente o que Neutel Maia
conseguiu ao negociar com bolivianos que traziam por varadouros o gado desde os
campos ao sul do rio Beni até o seringal Volta da “Empreza”, onde, em clarões
abertos na mata, eram soltos para a engorda para que depois fossem abastecer os
seringais acreanos.
Ao
perceber que a atividade comercial constituía em uma atividade rentável, o
seringalista fundou, em 1884, a primeira casa comercial do seringal Volta da
“Empreza”, chamada de N. Maia & Cia para atender aos vapores, aos pequenos
seringais e realizar intermediação do gado boliviano para o abastecimento da
região. Com isso, espontaneamente, Volta da “Empreza” se diferenciou, assim
como “Xapury”, de todos os outros seringais da região, se tornando um povoado a
partir da atividade comercial do seu porto. Enquanto os demais se
caracterizavam pelo monopólio comercial do barracão controlado pelo
seringalista, Volta da Empresa, ao contrário, se tornou uma área livre para o
estabelecimento de diversos comerciantes, um porto seguro para os regatões
sírio-libaneses, um lugar de trabalho para uma grande variedade de
profissionais - desde advogados, médicos, barbeiros, fotógrafos, jogadores,
artistas, até prostitutas que eram importadas da Europa - que também almejava
enriquecer com o “ouro negro” sem ter que se aventurar nas isoladas estradas de
seringa.
Por
isso, ao iniciar a última década do século XIX, o seringal Boca do Acre, Volta
da “Empreza”, no médio rio, e o “Xapury”, no alto rio Acre, eram movimentados
portos onde os vapores podiam se abastecer de lenha, borracha e mercadorias
vindas das casas comercias dos seringais e seguir transportando as pélas de
borracha para Belém e Manaus, de onde eram exportadas para a Europa e Estados
Unidos. Nesse período, o povoado “Empreza” constituía urbanisticamente uma área
restrita à margem direita do rio Acre no qual residências e estabelecimentos
comerciais estavam dispostos paralelamente ao curso do rio.
Aproximando-se
do fim da década de 1890 e inicio da década de 1900, o povoado “Empreza” foi
palco de batalhas da Revolução Acreana liderada por Plácido de Castro. Por
constituir uma região estratégica, localizada entre o povoado de “Xapury” e a
cidade erguida pelas tropas bolivianas, Puerto Alonso, Empreza passou a ser
alvo das tropas bolivianas, vista ao apoio político de Neutel Maia ao governo
boliviano devido aos interesses comerciais entre eles.
15
de outubro de 1902. Fazia 11 dias desde que começaram as lutas na Volta da
Empresa. Agora, não se tratava mais de simples emboscadas nos varadouros e
barrancos do Acre. Dessa vez era guerra de verdade. Os militares bolivianos
haviam derrotado, pouco menos de um mês antes, os mal armados e mal treinados
seringueiros que, comandados por Plácido de Castro, se constituíam ainda num
arremedo de exército. Com isso, a Volta da Empresa (Rio Branco) se tornou
domínio boliviano e junto com Puerto Alonso (Porto Acre) passara a se
constituir numa de suas praças fortes.
Era
preciso reagir logo uma vez que a notícia da derrota havia se espalhado
rapidamente pelos rios acreanos e poderia levar seringalistas e seringueiros a
desmobilização, pondo fim à Revolução. Por isso, o comando revolucionário do
exército acreano, reunindo cerca de trezentos homens, decidiu atacar o inimigo
ainda no dia 05 de outubro. A inferioridade numérica dos bolivianos, que não
passavam de 180, era compensada pela presença de extensas trincheiras e pelo
alambrado que protegia o acampamento principal boliviano. Isso tornou a luta
muito penosa. Os acreanos não podiam atacar diretamente as fortificações, sob
pena de serem fragorosamente derrotados. A única forma de conquistaras
trincheiras inimigas seria escavando trincheiras que em zigue-zague, lentamente
se aproximavam das posições bolivianas.
Foram
dias terríveis para ambos os lados em luta. Os mortos que tombavam nas
trincheiras não podiam ser removidos por causa das balas que a todo o momento cortavam
o ar pesado do campo de batalha. Logo a decomposição dos corpos tornou a
permanência dentro das trincheiras, meio alagadas pela chuva, insuportável.
Porém,
a cada dia a vitória acreana ficava mais evidente. O grande temor boliviano era
de que o boato que circulava nas linhas de combate fosse verdadeiro. Dizia-se
que os acreanos, cujas posições estavam a apenas seis metros da ultima linha de
trincheiras bolivianas estavam prestes a executar o ataque final, onde não
utilizariam armas de fogo, mas tão somente armas brancas. E não havia boliviano
que não conhecesse a terrível fama dos punhais dos cearenses, que eram
manejados com extrema destreza e, em tempos de guerra, crueldade.
Diante
disso tudo, no dia 15 de outubro, o Coronel Rozendo Rojas, comandante das
forças bolivianas finalmente se decidiu pela rendição. Assim, a velha Volta da
Empresa, hoje Rio Branco, voltou a pertencer aos acreanos e a primeira grande
vitória do exército revolucionário encheu de esperança o coração daqueles
homens que somente queriam o direito de ser o que eram... brasileiros” (Neves,
2007).
Assim
em 1903 se deu inicio a uma ocupação militar, através da necessidade da criação
de um quartel pelo Gen. Olímpio da Silveira, localizado distante do centro do
povoado, rio acima, onde acampou o 15º Batalhão de Infantaria do Exército.
Durante
a ocupação militar brasileira, em 1903, Empreza foi escolhida para receber as
tropas federais. Porém, o 15º Batalhão de Infantaria não podia ficar na Volta
da Empreza, já que a proximidade com o povoado poderia trazer inúmeros
problemas com a população. Por isso, o acampamento deste destacamento militar
foi feito na área em que hoje está situado o Bairro 15.
Logo
no inicio do ano de 1904 foi criado o Território Federal do Acre, dividido em
três prefeituras departamentais: Alto Acre, Alto Purus e Alto Juruá. Para sede
da Prefeitura Departamental do Alto Acre foi escolhido o povoado de Empreza,
que poucos meses depois foi tornado oficialmente Villa Rio Branco (em homenagem
ao Barão de Rio Branco) (Neves, 2007).
Logo
após a criação do Território Federal do Acre em 1904 e a elevação à categoria
de vila, o povoado Empreza, agora então Villa Rio Branco, já possuía a
configuração de um primeiro ordenamento espacial urbano, refletido na
organização social com bairros diferenciados: o bairro do Comércio, formado
pelo primeiro arruamento onde se estabeleceram hotéis, restaurantes e casas
comerciais, construídos com madeiras que era abundante na região; outra pequena
área residencial de trabalhadores que ocupavam terras da volta do rio Acre,
denominado Canudos; um pequeno bairro de trabalhadores na extensão da única rua
da cidade em direção ao igarapé da Judia, formado por precárias casas de palha,
denominado bairro África, por abrigar os negros habitantes da cidade; e por
ultimo, o bairro 15, nascido a partir do acampamento do 15º Batalhão de
Infantaria do Exercito, que atraiu pequenos comerciantes constituindo um novo
arruamento também a margem do rio. Assim, neste primeiro período de formação do
núcleo urbano da cidade de Rio Branco pode-se perceber a consolidação de um
espaço diferenciado em relação aos seringais da região.
O
período posterior do processo de expansão urbana de Rio Branco se dá a partir de
1909. Neste período da historia da cidade possui alguns marcos fundamentais de
diferentes naturezas, seja no que diz respeito aos seus aspectos econômicos
devido ao fim do ciclo da borracha a partir de 1913, seja em relação ao seu
papel político, no qual Rio Branco se tornou capital do Território a partir de
1920 e seja no que se refere a ampliação de sua malha urbana pela incorporação
de uma grande área de terra da margem esquerda do rio Acre, a partir de 1909.
*Ary
Pinheiro Leite, filho do falecido jornalista José Chalub Leite, apresentou sua
dissertação de mestrado “A evolução urbana de Rio Branco (AC): de seringal a
capital” na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC como requisito para
obtenção de título de Mestre em Geografia.
Aos
interessados, a íntegra da dissertação pode ser acessada aqui.
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