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27 novembro 2016

A OCUPAÇÃO DO VALE RIO DO ACRE E A GÊNESE DE RIO BRANCO, CAPITAL DO ACRE

Excerpt da Dissertação de Mestrado “A evolução urbana de Rio Branco (AC)”, de autoria de Ary Pinheiro Leite*

A história da origem e expansão da cidade de Rio Branco está intrinsecamente ligada aos ciclos econômico da extração da borracha nos séculos XIX e XX que contribuíram com o forte processo de ocupação desta cidade amazônica, consequência da migração nordestina à procura da borracha.

Com a descoberta da vulcanização da borracha, com a invenção do pneumático e a fabricação de automóveis em série a partir de 1890, houve um aumento significativo do uso da industrialização da borracha e consequentemente um aumento considerável da sua cotação no mercado internacional. Com isso o aproveitamento industrial nos Estados Unidos e na Europa fez com que na Amazônia todo o interesse se voltasse à extração da borracha, consagrando-se assim o seringal - baseado nas figuras do seringalista (senhor dos seringais) e do seringueiro - como unidade produtiva fundamental à economia amazonense.

Nesse contexto, pelos fins de 1882, penetraram o rio Acre os migrantes cearenses irmãos Leite, Manuel Damasceno Girão e Neutel Maia. Os irmãos Leite resolveram se instalar no local, onde fundam a sede do Seringal Bagaço. Manuel Damasceno prossegue rio acima e na foz do rio Xapuri funda o seringal com o mesmo nome. Por sua vez, entre o seringal Bagaço e o seringal Xapury, Neutel Maia, em 28 de dezembro de 1882, funda o seringal “Empreza” na margem esquerda do rio Acre - onde atualmente se localiza a cidade de Rio Branco – que se transforma em um importante porto e entreposto comercial e, com o fim da Revolução Acreana, se torna sede provisória da Prefeitura Departamental do Alto Acre.

Neste primeiro período que compreende desde a fundação até 1908, a história urbana de Rio Branco foi marcada por três principais características apontadas pelo historiador e presidente da Fundação Municipal de Cultura Garibaldi Brasil (Neves, 2007). A primeira diz respeito à transformação do seringal Volta da “Empreza” no povoado denominado “Villa” Rio Branco. A segunda é que foi exatamente nesta época que Rio Branco alcançou a condição de liderança política e econômica do Acre, o que lhe valeria posteriormente a condição de capital. Finalmente, a terceira característica fundamental da cidade nascente é que neste período o povoado da Volta da “Empreza” – “Villa” Rio Branco – esteve restrito a uma estreita faixa de terra na margem direita do rio Acre.

A gênese da cidade de Rio Branco e o seringal “Empreza”.

O potencial econômico da região acreana, voltada à extração da borracha, promoveu um intenso fluxo migratório nordestino impulsionado pela ilusão de enriquecimento fácil e alimentado por incentivos governamentais para ocupação desta região. Com isso a região foi gradativamente ocupada:

a) por nordestinos, que através do apossamento de terras, de grandes dimensões visavam investir em seringais e explorar a riqueza extrativista da região – os seringalistas;

b) pelos nordestinos seringueiros que extraíam para os seringalistas a borracha, ou seja, a riqueza.

Neste contexto surge a figura do cearense Neutel Maia que em fins de 1882 funda o seringal “Empreza” e ali desenvolve um processo, no que diz respeito à formação socioeconômica da época, concretizando a transformação gradativa do seringal em povoado, ou seja, em porto livre para gentes e mercadorias que circulavam num dos mais ricos rios acreanos durante o primeiro ciclo da borracha (1870-1912).

Ia terminando o ano de 1882. O vapor Apihy subia o rio com esforço para suas máquinas e seus homens. Não havia paradeiro certo. O grupo de pioneiros estava entrando em território ainda indomado. Região de índios que há milênios percorriam praias e barrancos na difícil lida de sobreviver em meio à selva imensa. Tudo era novidade então, apesar da paisagem parecer sempre a mesma. Matas que se debruçavam sobre as margens do rio como que querendo invadir até mesmo o canal caudaloso de águas barrentas. Um combate colossal onde o rio reagia todos os anos, no tempo das águas abundantes do inverno amazônico e cheio invadia as matas de suas margens, alargando seus domínios, destruindo barrancos e removendo enormes porções de terra que um dia seriam lançadas ao Oceano, muitas milhas dali distante. Os lideres da expedição tentavam vencer a monotonia das voltas do rio para permanecer atentos e identificar sinais favoráveis à exploração. Procuravam, principalmente, sinais das árvores mais cobiçadas da Amazônia: as seringueiras que generosamente ofertavam seu leite branco para enriquecer a multidão de nordestinos que começava a perseguir um futuro melhor e mais farto.

Identificar terras ricas em seringueiras era, portanto, o principal objetivo de todos ali embarcados. Havia apenas três dias que o vapor Apihy tinha ancorado nas margens daquele rio desconhecido para passar o dia de natal. Nesse mesmo local uma parte do grupo, chefiada pelos irmãos Leite, decidiu se estabelecer e abrir um Seringal chamado Apihy, em referência ao vapor que os havia trazido até ali, mas que depois se tornou conhecido como Bagaço. A bem da verdade, quase todas as terras cortadas pelo rio Acre eram muito ricas em seringueiras. Fazia tão pouca diferença estar aqui ou ali que os sinais para a escolha de um lugar para se estabelecer podiam ser completamente lógicos ou mesmo bastante subjetivos. Como saber, então, o que atraiu a atenção de Neutel Maia e seus companheiros para aquela volta pronunciada do rio, apenas seis horas acima do Bagaço? Talvez tenha sido a presença de um bom porto para atracar os vapores. Talvez tenha sido o estirão que revelava terras baixas em sua margem direita e terras altas à sua esquerda numa excelente composição para o desenvolvimento de diferentes atividades econômicas. Ou talvez tenha sido mesmo a presença de uma grossa e ereta arvore bem a cavaleiro da curva do rio, perfeita para amarrar com segurança os cabos das embarcações e inexplicavelmente bela. Como saber? Pois foi ali, no dia 28 de dezembro (parece) de 1882, exatamente aos pés da imponente Gameleira que Neutel Maia resolveu fundar sua Empreza. Enquanto isso, o restante dos pioneiros embarcados no vapor Apihy e comandados por Raimundo Girão seguiu subindo o rio até a confluência do rio Xapuri onde acabaram por se estabelecer. Acompanhado de familiares - como Silvestre, seu irmão, Juvêncio, Anísio, Teófilo, Henrique - e outros companheiros, como o português Guilhermino Bastos, Neutel Maia construiu a sede do Seringal Empreza dando início a sua exploração (Neves, 2007).

Ao chegar à região desejada, o aventureiro Neutel Maia apossou-se de terras localizadas à margem esquerda do rio Acre e ali ergueu um barracão, que seria a futura sede de seu seringal -“Empreza” - porém, logo em seguida, a sede foi transferida para a margem direita do rio, pois esta nova localização facilitava o transporte de gado boliviano para o seringal, agora denominado Volta da “Empreza”. A partir daí, um aglomerado espontâneo foi formado, seguindo o curso natural do rio, isto devido à facilidade do escoamento de toda a produção gomífera da região, do que se o povoado estivesse disposto, de forma perpendicular ao curso do rio. O Seringal “Empreza” dispunha-se na margem esquerda do rio Acre, enquanto o Volta da “Empreza”, na sua margem oposta. O nome deste último está intimamente ligado a hidrografia do Rio que neste ponto, reflete-se sobre si mesmo, formando um grande meandro cujos extremos ficam a curta distancia entre si (Silva, 1986).

As relações comerciais que Neutel Maia detinha com pecuaristas bolivianos, num período em que a economia da borracha gerava bastante lucro para os seringalistas da região, eram bem vindas visto que a carne bovina boliviana, mais especificamente da região que atualmente compreende a região do Beni, era bastante valorizada na época. Além do mais, ir caçar na mata roubava dos seringueiros um precioso tempo para a extração da goma nas estradas de seringa e também os seringueiros eram obrigados a se contentar com o charque que vinha do sul do Brasil, ou da Argentina, portanto, era necessário garantir um regular abastecimento de carne fresca para os seringais. Exatamente o que Neutel Maia conseguiu ao negociar com bolivianos que traziam por varadouros o gado desde os campos ao sul do rio Beni até o seringal Volta da “Empreza”, onde, em clarões abertos na mata, eram soltos para a engorda para que depois fossem abastecer os seringais acreanos.

Ao perceber que a atividade comercial constituía em uma atividade rentável, o seringalista fundou, em 1884, a primeira casa comercial do seringal Volta da “Empreza”, chamada de N. Maia & Cia para atender aos vapores, aos pequenos seringais e realizar intermediação do gado boliviano para o abastecimento da região. Com isso, espontaneamente, Volta da “Empreza” se diferenciou, assim como “Xapury”, de todos os outros seringais da região, se tornando um povoado a partir da atividade comercial do seu porto. Enquanto os demais se caracterizavam pelo monopólio comercial do barracão controlado pelo seringalista, Volta da Empresa, ao contrário, se tornou uma área livre para o estabelecimento de diversos comerciantes, um porto seguro para os regatões sírio-libaneses, um lugar de trabalho para uma grande variedade de profissionais - desde advogados, médicos, barbeiros, fotógrafos, jogadores, artistas, até prostitutas que eram importadas da Europa - que também almejava enriquecer com o “ouro negro” sem ter que se aventurar nas isoladas estradas de seringa.

Por isso, ao iniciar a última década do século XIX, o seringal Boca do Acre, Volta da “Empreza”, no médio rio, e o “Xapury”, no alto rio Acre, eram movimentados portos onde os vapores podiam se abastecer de lenha, borracha e mercadorias vindas das casas comercias dos seringais e seguir transportando as pélas de borracha para Belém e Manaus, de onde eram exportadas para a Europa e Estados Unidos. Nesse período, o povoado “Empreza” constituía urbanisticamente uma área restrita à margem direita do rio Acre no qual residências e estabelecimentos comerciais estavam dispostos paralelamente ao curso do rio.

Aproximando-se do fim da década de 1890 e inicio da década de 1900, o povoado “Empreza” foi palco de batalhas da Revolução Acreana liderada por Plácido de Castro. Por constituir uma região estratégica, localizada entre o povoado de “Xapury” e a cidade erguida pelas tropas bolivianas, Puerto Alonso, Empreza passou a ser alvo das tropas bolivianas, vista ao apoio político de Neutel Maia ao governo boliviano devido aos interesses comerciais entre eles.

15 de outubro de 1902. Fazia 11 dias desde que começaram as lutas na Volta da Empresa. Agora, não se tratava mais de simples emboscadas nos varadouros e barrancos do Acre. Dessa vez era guerra de verdade. Os militares bolivianos haviam derrotado, pouco menos de um mês antes, os mal armados e mal treinados seringueiros que, comandados por Plácido de Castro, se constituíam ainda num arremedo de exército. Com isso, a Volta da Empresa (Rio Branco) se tornou domínio boliviano e junto com Puerto Alonso (Porto Acre) passara a se constituir numa de suas praças fortes.

Era preciso reagir logo uma vez que a notícia da derrota havia se espalhado rapidamente pelos rios acreanos e poderia levar seringalistas e seringueiros a desmobilização, pondo fim à Revolução. Por isso, o comando revolucionário do exército acreano, reunindo cerca de trezentos homens, decidiu atacar o inimigo ainda no dia 05 de outubro. A inferioridade numérica dos bolivianos, que não passavam de 180, era compensada pela presença de extensas trincheiras e pelo alambrado que protegia o acampamento principal boliviano. Isso tornou a luta muito penosa. Os acreanos não podiam atacar diretamente as fortificações, sob pena de serem fragorosamente derrotados. A única forma de conquistaras trincheiras inimigas seria escavando trincheiras que em zigue-zague, lentamente se aproximavam das posições bolivianas.

Foram dias terríveis para ambos os lados em luta. Os mortos que tombavam nas trincheiras não podiam ser removidos por causa das balas que a todo o momento cortavam o ar pesado do campo de batalha. Logo a decomposição dos corpos tornou a permanência dentro das trincheiras, meio alagadas pela chuva, insuportável.

Porém, a cada dia a vitória acreana ficava mais evidente. O grande temor boliviano era de que o boato que circulava nas linhas de combate fosse verdadeiro. Dizia-se que os acreanos, cujas posições estavam a apenas seis metros da ultima linha de trincheiras bolivianas estavam prestes a executar o ataque final, onde não utilizariam armas de fogo, mas tão somente armas brancas. E não havia boliviano que não conhecesse a terrível fama dos punhais dos cearenses, que eram manejados com extrema destreza e, em tempos de guerra, crueldade.

Diante disso tudo, no dia 15 de outubro, o Coronel Rozendo Rojas, comandante das forças bolivianas finalmente se decidiu pela rendição. Assim, a velha Volta da Empresa, hoje Rio Branco, voltou a pertencer aos acreanos e a primeira grande vitória do exército revolucionário encheu de esperança o coração daqueles homens que somente queriam o direito de ser o que eram... brasileiros” (Neves, 2007).

Assim em 1903 se deu inicio a uma ocupação militar, através da necessidade da criação de um quartel pelo Gen. Olímpio da Silveira, localizado distante do centro do povoado, rio acima, onde acampou o 15º Batalhão de Infantaria do Exército.

Durante a ocupação militar brasileira, em 1903, Empreza foi escolhida para receber as tropas federais. Porém, o 15º Batalhão de Infantaria não podia ficar na Volta da Empreza, já que a proximidade com o povoado poderia trazer inúmeros problemas com a população. Por isso, o acampamento deste destacamento militar foi feito na área em que hoje está situado o Bairro 15.

Logo no inicio do ano de 1904 foi criado o Território Federal do Acre, dividido em três prefeituras departamentais: Alto Acre, Alto Purus e Alto Juruá. Para sede da Prefeitura Departamental do Alto Acre foi escolhido o povoado de Empreza, que poucos meses depois foi tornado oficialmente Villa Rio Branco (em homenagem ao Barão de Rio Branco) (Neves, 2007).

Logo após a criação do Território Federal do Acre em 1904 e a elevação à categoria de vila, o povoado Empreza, agora então Villa Rio Branco, já possuía a configuração de um primeiro ordenamento espacial urbano, refletido na organização social com bairros diferenciados: o bairro do Comércio, formado pelo primeiro arruamento onde se estabeleceram hotéis, restaurantes e casas comerciais, construídos com madeiras que era abundante na região; outra pequena área residencial de trabalhadores que ocupavam terras da volta do rio Acre, denominado Canudos; um pequeno bairro de trabalhadores na extensão da única rua da cidade em direção ao igarapé da Judia, formado por precárias casas de palha, denominado bairro África, por abrigar os negros habitantes da cidade; e por ultimo, o bairro 15, nascido a partir do acampamento do 15º Batalhão de Infantaria do Exercito, que atraiu pequenos comerciantes constituindo um novo arruamento também a margem do rio. Assim, neste primeiro período de formação do núcleo urbano da cidade de Rio Branco pode-se perceber a consolidação de um espaço diferenciado em relação aos seringais da região.

O período posterior do processo de expansão urbana de Rio Branco se dá a partir de 1909. Neste período da historia da cidade possui alguns marcos fundamentais de diferentes naturezas, seja no que diz respeito aos seus aspectos econômicos devido ao fim do ciclo da borracha a partir de 1913, seja em relação ao seu papel político, no qual Rio Branco se tornou capital do Território a partir de 1920 e seja no que se refere a ampliação de sua malha urbana pela incorporação de uma grande área de terra da margem esquerda do rio Acre, a partir de 1909.

*Ary Pinheiro Leite, filho do falecido jornalista José Chalub Leite, apresentou sua dissertação de mestrado “A evolução urbana de Rio Branco (AC): de seringal a capital” na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC como requisito para obtenção de título de Mestre em Geografia.

Aos interessados, a íntegra da dissertação pode ser acessada aqui.