A CRIATIVIDADE DO ‘POVÃO’ NA HORA DE DAR NOME AOS FILHOS
Nomes como Kléberson, Richarlyson
e outros “son” refletiria o desejo de prover o filho de uma personalidade forte
e única e, ao mesmo tempo, evitar que ele seja um ‘zé qualquer’ ou um ‘joão-ninguém’.
O artigo “Geração on"
escrito por Roberto Pompeu de Toledo e publicado na revista VEJA em 2009
continua atualíssimo. Vale a pena ler de novo. Desfrutem da leitura do mesmo,
reproduzida abaixo.
“Geração
on"
A
seleção da coluna entrará em campo para o próximo compromisso com a seguinte
formação: Glédson; Joílson, Halisson, Acleisson e Richarlyson; Vanderson,
Kléberson, Glaydson e Taison; Wallyson e Keirrison. No banco de reservas
ficarão Wanderson (goleiro), Jadilson, Maylson, Leanderson, Cleverson e
Roberson. A seleção adversária, armada no três-cinco-dois, se apresentará com:
Weverton; Adailton, Heverton e Welton; Arilton, Cleiton, Éverton, Uelliton e
Neilton; Washington e Elton. Os reservas serão Dalton (goleiro), Erivelton,
Hamilton, Wellington, Hélton e Jailton.
Primeiro
aviso ao leitor incauto: os nomes são todos verdadeiros, de jogadores em
atividade no futebol brasileiro. Segundo aviso: se os mais distraídos ainda não
perceberam, o embate acima se dá entre os nomes terminados em "son"
contra os terminados em "ton". Nomes em "son" e
"ton" hoje abundam, nos gramados, como estrelas no céu.
Tempos
atrás, mais característicos eram os apelidos de duas sílabas, Pelé, Didi, Dida,
Pepe, Telê, alegres e infantis. Os terminados em "son" e
"ton", ao contrário, são nomes severos, que evocam chefes guerreiros.
Tanto eles se multiplicam que para escalar as seleções não foi preciso ir além
de um restrito universo. Na grande maioria, são de jogadores dos times da
primeira divisão do Campeonato Brasileiro, com apenas alguns poucos reforços –
afinal, Weverton, goleiro do Vila Nova, de Goiás, não merecia ficar de fora,
nem Acleisson, volante do Mirassol, clube do interior paulista.
A
questão é: por que a pesada preferência pelos nomes em "son" e
"ton"?
O
futebol não é um universo fechado. Ele espelha a sociedade brasileira. Mais
exatamente, espelha as camadas mais populares da sociedade. O que leva a
concluir que estamos diante de um fenômeno de massa: o povo brasileiro,
maciçamente, anda preferindo dar nomes em "son" e "ton" aos
filhos homens. Complexas e misteriosas são as razões pelas quais um nome, ou
uma classe de nomes, entra ou sai de moda. É tarefa para antropólogos e
sociólogos.
Modestamente,
enquanto se espera por mais doutas explicações, o que se pode é especular.
É de
supor, em primeiro lugar, que quem pespega no filho os nomes de Wallyson ou
Leanderson espera do interlocutor reação que vá além da indiferença. Afastemos
desde logo, no caso do "son", ter sido ele importado dos costumes
nórdicos, em que a terminação "son" (ou "sohn" –
"filho", em inglês, alemão e línguas afins) identifica o filho de
alguém de nome igual ao contido nas sílabas precedentes. É improvável que
Leanderson signifique "filho de Leander" ou que Wallyson signifique
"filho de Wally".
Parece
ser mais o caso de criações livres, movidas pelo gosto da invenção. Keirrison,
artilheiro do Palmeiras, contou à revista Veja São Paulo que deve seu nome à
preferência do pai pela letra K, combinada à admiração pelo beatle George
Harrison. Keirrison tem um irmão chamado Kimarrison, de novo com K, e dessa vez
homenagem do pai, roqueiro incorrigível, a Jim Morrison. Como Harrison e
Morrison viraram Keirrison e Kimarrison, isso fica por conta da peculiar
alquimia que rege a produção de nomes no Brasil.
Ao
lado do gosto da invenção, a queda pelo estrangeirismo é outro traço que se
adivinha nos pais dos "son" e dos "ton". São nomes que soam
estrangeiros. Por coincidência (ou não?), as terminações em "on",
tanto no inglês quanto no francês e no espanhol, correspondem ao "ão"
português. Entre outros milhares de exemplos, action, em inglês e francês, e
acción, em espanhol, dão em "ação" em português. Ora, o
"ão" é o som mais típico da língua portuguesa, terror dos
estrangeiros que o tentam imitar. Fugir do "ão", como se faz, mesmo
inconscientemente, quando se opta pelo "on" é negar a língua
portuguesa como nem São Pedro negou Jesus Cristo antes que o galo cantasse.
O
gosto da invenção, somado à queda pelo estrangeirismo, colabora para a hipótese
seguinte: a escolha dos nomes Kléberson ou Richarlyson, Welton ou Arilton,
trairia o desejo de, com o fermento de toques originais e estrangeiros, prover
o filho de uma personalidade forte e única. Não, ele não haverá de ser um zé
qualquer, nem um joão-ninguém.
A
ironia desta história é que, em contraponto à tendência pelos "son" e
"ton" nos estratos populares, nas classes altas vigora a tendência
oposta. Lá reinam os Josés e os Joões, Antônios e Franciscos como faziam
décadas não se via. Tal qual em outros campos, um Brasil vai para um lado, o
outro para a direção inversa.
* Artigo
originalmente publicado na revista VEJA, Edição 2101, de 25 de fevereiro de
2009.
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home