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28 novembro 2005

COMERCIALIZAÇÃO DAS FOLHAS DA PALMEIRA UBIM

VIABILIDADE DA EXPLORAÇÃO NA RESERVA EXTRATIVISTA CHICO MENDES, ACRE

Francisco C. B. do Santos - Engenheiro Agrônomo, Pesquisador Associado do Laboratório de Produtos Florestais da Universidade Federal do Acre-UFAC.
Evandro J. L. Ferreira - Doutor em Botânica, Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA e do Herbário da Universidade Federal do Acre-UFAC.

Introdução

O uso de folhas de palmeiras para a cobertura de habitações rurais é uma tradição indígena que foi repassada aos primeiros colonizadores do Acre, que chegaram ao Estado em meados do século XIX. Mais de 150 depois, e mesmo com as possibilidades de aquisição de materiais de construção mais "avançados", a tradição têm se mantido em razão da facilidade e do baixo custo que a obtenção e o uso das folhas de palmeiras nativas representam.

Entre as espécies nativas do Acre mais exploradas para a construção de coberturas, se destacam o “jaci” (Attalea butyracea), o “uricuri” (Attalea phalerata), a “jarina” (Phytelephas macrocarpa), a carnaubinha” (Chelyocarpus chuco), a “palha redonda” (Chelyocarpus ulei), o “caranaí” (Lepidocaryum tenue) e “ubim” (Geonoma deversa). Destas, as duas últimas são espécies de pequeno porte que formam touceiras e que, em muitos casos, dominam o sub-bosque da floresta porque colonizam o ambiente de forma mais eficiente através de rizomas.

Estas espécies de pequeno porte são as mais apreciadas pelos habitantes do interior para a elaboração de coberturas porque são fáceis de ser exploradas e cada touceira possui numerosos indivíduos. Com isso, a exploração das folhas de alguns deles geralmente não costuma causar maiores problemas para a touceira e, teoricamente, permitem a extração continuada de folhas (Zuidema &Werger, 2000).

Entretanto, a exploração das folhas nem sempre é feita de forma racional e muitas vezes as plantas podem ser afetadas negativamente no seu crescimento e desenvolvimento. Isto é particularmente verdadeiro quando, durante a extração das folhas, o meristema apical do estipe é danificado. Nestes casos, a probabilidade de morte do indivíduo é grande porque as palmeiras, assim como a maioria das outras monocotiledôneas, possuem apenas um meristema apical que não se regenera quando é destruído e é o responsável pela formação de toda a parte aérea destas plantas.

Com este objetivo em mente, Flores & Ashton (2000), realizaram um estudo comparativo de dois métodos de extração de folhas da palmeira ubim na Amazônia peruana. Eles verificaram o impacto da extração de folhas na sobrevivência das touceiras comparando dois métodos de extração usados pelas comunidades locais. O primeiro método testado consistia na retirada das folhas sem danificar o meristema apical. O segundo, mais praticado pelos moradores, consistia na retirada de todas as folhas de uma planta, causando a destruição de pelo menos um dos indivíduos da touceira.

A conclusão do estudo de Flores & Ashton indica que ambos os métodos produzem efeitos negativos graves na palmeira, mas o segundo causa mais problemas do que o primeiro. Eles indicam ainda que a coleta realizada a cada 3 anos minimiza os efeitos negativos e pode render aos extratores entre U$ 3 e 191/hectare/ano.

O caso da extração de folhas de ubim na Reserva Extrativista (RESEX) Chico Mendes, Acre

A pressão para a extração de folhas de palmeiras nas áreas extrativistas do Acre tem aumentado em razão da aparente estabilidade sócio-econômica das populações destas áreas, que, por esta razão, exploram continuamente este recurso pois novas construções são constantemente erguidas no local. Além da exploração para a cobertura de novas edificações, existe a exploração voltada para a substituição de coberturas antigas. Isto acontece porque as coberturas feitas com folhas de palmeiras precisam ser substituídas a cada 5 ou 10 anos, dependendo da espécie utilizada.

Mais recentemente tem se verificado uma tendência de uso de folhas de palmeiras nativas na cobertura de edificações em áreas urbanas. Isto tem sido feito com maior freqüência por empreendimentos comerciais que optam por um estilo arquitetônico mais rústico, típico do interior do Estado. O atendimento a essa nova demanda está provocando uma corrida à exploração de algumas espécies muito abundantes nas florestas nativas.

Uma das espécies mais procuradas nestes últimos tempos tem sido o ubim. A razão para esta preferência é, além da facilidade de extração e abundância natural da mesma em algumas áreas, a beleza que a mesma confere às coberturas elaboradas com suas folhas.

No Acre, as maiores populações naturais desta espécie ocorrem nos seringais Filipinas e Porongaba, localizados a pouco mais de 30 km da cidade de Brasiléia, integrantes da Reserva Extrativista Chico Mendes (Costa, 2000).

Diagnóstico da exploração das folhas do ubim na RESEX Chico Mendes

A exploração das folhas de ubim nesta reserva foi observada apenas nos seringais Filipinas e Porongaba. Em ambas localidades se verificou que a exploração é feita unicamente para uso doméstico, não existindo ainda a comercialização em larga escala das folhas. Nas outras localidades visitadas, onde a população natural da palmeira ubim é insignificante, predomina a exploração de outras espécies, tais como a jarina, o uricuri e o jaci (CNS, 1992).

A extração das folhas do ubim na RESEX Chico Mendes é feita de forma aparentemente predatória. Ao contrário do Peru, onde se retiram apenas as folhas, no Acre os extrativistas cortam por completo um ou mais indivíduos das touceiras. Apesar disso, a estabilidade populacional da espécie parece estar assegurada porque as plantas produzem perfilhos com muita rapidez. Outro aspecto que torna difícil a compreensão do efeito negativo ou positivo do atual sistema de exploração é o grande tamanho da população natural da espécie. A impressão que se tem é que a quantidade de moradores na região onde ocorre a palmeira não e numerosa o suficiente para causar maiores danos à mesma enquanto prevalecer a exploração para consumo doméstico.

Extração das folhas e preparo dos “panos”

Diferentemente dos casos de elaboração de coberturas com folhas de palmeiras de grande porte, como são os casos do uricuri e do jaci, o uso das folhas do ubim requer o emprego de mão-de-obra especializada tanto na extração das folhas como no preparo dos “panos” a serem usados na cobertura.

A descrição resumida do processo é feita a seguir:

a) As folhas são selecionadas dando-se preferência àquelas que não estejam danificadas e que apresentam 3 pares de pinas. Para a coleta, corta-se o pecíolo logo acima da bainha de forma que o mesmo fique com um comprimento superior a 10 cm para facilitar a confecção do pano. Um homem consegue colher até 4 mil folhas em um dia;

b) O “pano” consiste em uma tala onde os pecíolos das folhas são trançados. Pode-se usar como tala tanto o estipe de “canarana” (Gramínea), como a raque da folha da palmeira “jarina”. Quando se usa canarana é ideal que a tala meça pelo menos 3 m de comprimento;

c) As folhas são trançados o mais próximo umas das outras ao longo da tala. Quando o pano é feito com tala dupla, estas são amarradas com envira a uma distância de 2 cm uma da outra. A envira é uma espécie de corda rústica tirada da casca de plantas nativas pertencentes à família botânica Annonaceae;

d) Os panos possuem um tamanho aproximado de 3 m de comprimento por 40 cm de largura e cada um requer entre 360 e 400 folhas de ubim. É importante ressaltar que cada estipe de ubim apresenta em média 13 folhas passíveis de serem usadas na confecção de panos. Assim, se estima que um pano requer a exploração de aproximadamente 30 estipes de ubim;

e) Em média, um bom “tecedor” consegue preparar até 6 panos por dia. Cada pano estava sendo vendido por cerca de R$ 3,00 no primeiro semestre de 2005;

f) Para a montagem dos "panos" na cobertura das edificações, utilizam-se pregos ou simplesmente amarrando-se os mesmos com "enviras". Quanto maior a quantidade de "panos" mais duráveis e impermeáveis serão as coberturas.

Potencial de produção, comercialização e viabilidade econômica da exploração

Um levantamento da densidade populacional da espécie no seringal Filipinas, local onde a mesma é mais concentrada, indicou que existem 1.375 touceiras por hectare. Cada touceira possui entre 4 e 10 perfilhos, dos quais 50% são passíveis de aproveitamento para a elaboração dos panos para a cobertura de edificações.

Desta forma, considerando-se que cada estipe possui em média 13 folhas, chega-se à conclusão que uma exploração inicial de todas os estipes “comerciais” de ubim da referida localidade renderia aproximadamente 62.500 folhas, que resultariam em 164 panos. Considerando o preço de venda de cada pano (r$ 3,00), a renda do extrativista na exploração daquela população natural de ubim seria de R$ 492,00.

É importante informar que para colher todas as folhas, ele levaria cerca de 15 dias de trabalho. Para preparar os 164 panos seriam necessários outros 13 dias e meio. Desta forma, a exploração das folhas do ubim iria render cerca de R$ 17,00 por dia ao extrativista. Este valor é cerca de 50% a mais do que ele ganharia trabalhando para terceiros na “diária”, que hoje equivale a cerca de R$ 12,00.

Embora a matemática acima indique que a extração das folhas é uma atividade potencialmente viável, na prática a comercialização das folhas não existe (embora exista mercado para tal). Por quê?

A equipe que fez o diagnóstico na RESEX Chico Mendes observou que poucos morades locais sabem preparar os "panos". Este é um dos principais fatores que têm limitado esta atividade extrativa no local.

Referências bibliográficas

CNS - Conselho Nacional dos Seringueiros. Relatório sócio-econômico e cadastro da Reserva Extrativista Chico Mendes, Rio Branco, 1992.

Costa, S.S.M. Caracterização ambiental da reserva extrativista Chico Mendes (Acre-Brasil): subsídios ao plano de manejo. Tese de Doutorado. São Carlos, 2000. .

Flores, C. F. and Ashton, P. M. S. Harvesting impact and economic value of Geonoma deversa, Arecaceae, an understory palm used for roof thatching in the Peruvian Amazon. Economic Botany 54:267-277. 2000.

Zuidemar, P. A. & Marinus, J.A.W. Impact of artificial defoliation on ramet and genet demography in a Neotropical understorey palm. Em: Zuidema, P. A.: Demography of exploited tree species in the Bolivian Amazon. Ph.D. Dissertation, Universidade de Utrecht, Holanda, 2000. 238p.