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07 julho 2006

CRISE, FAZENDEIROS, PEIXES E ELEIÇÃO NO VALE DO JURUÁ

Comprador de Cruzeiro do Sul:
- Raniere, eu pago R$ 3,05 pelo kg do boi (em pé, pesado no portão da Fazenda em Tarauacá);

Raniere (Fazendeiro de Tarauacá):
- Pô meu irmão aí não vai dar, só posso vender por no mínimo R$ 3,30. Menos que isso vou ter um baita prejuízo;

Comprador de Cruzeiro do Sul:
- Pois é Raniere, é que agora tem muita gente aqui em Cruzeiro querendo vender e o preço tá desse jeito. Não dá para você vender por ai por Tarauacá?
Raniere (Fazendeiro de Tarauacá):
- Tudo bem, vamos ver o que a gente pode fazer, semana que vem te ligo.

O diálogo acima reflete o estado atual da crise da pecuária no vale do Juruá, mais precisamente na cidade de Tarauacá, local onde passei os melhores anos de minha vida. Localizada a 45 km da cidade de Feijó, cerca de 200 km da cidade de Cruzeiro do Sul e 450 km da capital, Rio Branco, a vida em Tarauacá não é e nunca foi fácil.

Lembro que em meados da década de 70 comprar carne em Tarauacá só se você fosse às 4 da manhã para o mercado. Ficava na fila e era quase certo conseguir a carne para o almoço. Mas tinha um detalhe: quando os açougueiros chegavam para começar vender a carne, as pessoas da fila tinham que "comprar" o que lhes era oferecido - era pegar ou largar. Um dia tinha que levar canela, outro dia, com sorte, chã de fora, e assim por diante.

Lá faltava de tudo um pouco, luz, leite de gado, até pão. Mas foi na criação de gado que os fazendeiros de Tarauacá viram o futuro da economia local. Isto porque plantar arroz, milho e feijão não tem e nuca teve produção que fosse suficiente para garantir a subsistência da população local.

Muitos amigos de infância hoje são grandes fazendeiros por lá. Durante muitos anos eles investiram para formar plantéis de alta qualidade genética, pastagens produtivas, boa infraestrutura nas fazendas. Tudo isso porque desde a década de 70 a cidade de Cruzeiro do Sul tinha grandes dificuldades de produzir carne em quantidade suficiente para saciar o apetite carnívoro de sua população.

Muitos fazendeiros em Tarauacá e Feijó "bamburraram", vendendo gado quase que exclusivamente para compradores de Cruzeiro do Sul, entre os quais se incluem o ex-governador Orleir Cameli, que devem parte de sua fortuna a esse papel de "marreteiro" da carne. Aliás, vender gado de Tarauacá para Cruzeiro do Sul é uma verdadeira epopéia. O comprador paga um preço fixo por kg de boi vivo na porteira da fazenda em Tarauacá. A partir daí ele tem que "correr" com o gado, superando, no inverno e no verão, os 200 km de estrada de terra que separam as duas cidades. A viagem com o gado dura cerca de uma semana e o gado perde peso. Mas parece que o negócio compensa. Chegando em Cruzeiro do Sul, o gado é colocado em pastos arrendados para recuperar o peso perdido, seguindo então, o mais breve possível para o abate.

Felizmente, nos dias atuais comprar carne não é mais problema nem em Tarauacá nem em Cruzeiro do Sul. Aliás, a produção de carne nesta última cidade tem aumentado de forma consistente. Foram anos e anos de FNO, empréstimos a juros baixos nos bancos oficiais e empreendedorismo dos fazendeiros cruzeirenses que reverteram a situação. Claro, tudo devidamente temperado com pitadas de ilegalidades, traduzidas pela derrubada ilegal da floresta para expandir os pastos. Tudo isso tem levado os fazendeiros de Tarauacá e Feijó à situação que a gente costuma dizer que é "sinuca de bico" (sem saída): se a venda para Cruzeiro do Sul minguar, para onde eles vão vender o gado? Não existe mercado.

O diálogo acima realmente aconteceu e foi testemunhado por meu irmão que mora em Tarauacá. Segundo ele, antigamente quem ditava o preço do boi eram os fazendeiros de Tarauacá. Hoje a coisa se inverteu. Meu amigo Raniere, grande fazendeiro de Tarauacá, estava tentando fechar a venda - no final de maio - de 700 cabeças de seu plantel para compradores de Cruzeiro do Sul. Não conseguiu.

Assim como ele, outros grandes fazendeiros de Taraucá e Feijó estão ameaçados de sofrer um grande prejuízo neste verão. O gado deles engordou no inverno e antes da chegada do verão, que vai ser muito intenso, eles precisam vender pois, de outra forma, o gado vai perder peso e mesmo morrer em função da seca e a consequente escassez de pastagens. Para piorar a situação, no verão o mercado de Cruzeiro é inundado por peixe barato, vindo do Amazonas, e frango congelado enviado de Rio Branco. Todos vendidos a preço bem abaixo da carne bovina.

E o que isto tudo tem a ver com a campanha política? É que fazendeiro no Acre sempre foi sinônimo de ricaço com sede de destruir a floresta, daí a antipatia deles contra políticos aliados ao PT e partidos do gênero. Criadores ou revendedores de peixes não são tão radicais, mas parecem se bandear para a corrente política mais forte de acordo com a conveniência. Talvez a água ajude. Vejam o caso do peixe em Cruzeiro. Lá, quem dá as cartas é o Orleir. Segundo se comenta, durante o período eleitoral ele vai vender peixe aos cruzeirenses a preço de banana. É que ele quer eleger os afilhados políticos e para isso vai saciar a fome dos cruzeirenses. É uma boa tática pois peixe é mais apreciado do que carne por aquelas bandas.

Assim, pelo menos no vale do Juruá, a campanha política também vai trazer à tona uma rivalidade até então inexistente: Boi x Peixe. Vai ser o time do Márcio Bittar tentando pastar no que sobrar de verde para sobreviver ao verão, contra a turma do Binho, os peixes, tentando ir para as "cabeças" dos rios, escapando, como der, dos pescadores, que estarão a postos para a piracema que acontece durante a seca dos rios...Não vai ser fácil para ninguem!