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28 agosto 2006

A FLORESTA AMAZÔNICA E O FUTURO DO BRASIL

Charles R. Clement & Niro Higuchi (INPA)
Cienc. Cult. v.58 n.3 São Paulo jul./set. 2006

A floresta amazônica está sendo derrubada de forma acelerada porque tem pouco valor na percepção da sociedade brasileira atual, apesar de uma parte dos formadores de opinião afirmarem o contrário. Esta contradição entre o discurso e a realidade sócio-político-econômica é comum no mundo e ajuda a entender muito a respeito dos problemas de degradação ambiental que estão minando a sustentabilidade do empreendimento humano.

Na realidade, o único "valor" aceito pela sociedade atual é o valor econômico-financeiro presente, ou seja, aquele contabilizado pelo Produto Interno Bruto (PIB) do ano em curso ou do próximo, pois é esse valor que pode reduzir a pobreza de uma parcela da população, dar ao país o "status" de desenvolvido e, logicamente, enriquecer os responsáveis pelo desmatamento. Os demais valores da floresta beneficiam poucos (e.g., o valor estético – que beneficia principalmente os moradores e os eco-turistas), levarão mais tempo para serem realizados (e.g., o uso da biodiversidade que exige investimentos em pesquisa e desenvolvimento) ou simplesmente não são contabilizados no PIB (e.g., os serviços ecológicos – conservação de água e solo, filtragem de poluentes, polinização, etc. – e o valor ético – os direitos à vida dos outros seres vivos da floresta). É evidente que essa visão míope do valor da floresta não reflete seu valor real, nem em curto prazo e muito menos a longo prazo, especialmente se o país pretende ser um membro do primeiro mundo.

Recentemente, Jared Diamond (1) publicou Colapso – como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso, sobre o que podemos aprender dos fracassos e sucessos de 14 sociedades grandes e pequenas ao longo dos últimos 3000 anos para reverter as tendências de colapso sócio-ecológico global. As florestas sempre foram e são recursos naturais essenciais para todas as sociedades discutidas, e seu manejo ou desmatamento tem sido vital para o sucesso ou fracasso de cada sociedade (embora raramente tenha sido o principal motivo). Em grandes sociedades, como a do Brasil, o governo precisa tomar a iniciativa para organizar o manejo e a conservação das florestas, como aconteceu na Alemanha medieval (1500s), no Japão da era Tokugawa (1635-1853) e na China moderna. Uma diferença entre estes três exemplos e o nosso país é que o Brasil é uma democracia, e o governo e os formadores de opinião precisam convencer a população que as medidas tomadas são para o benefício de todos. Outra diferença é que nos dois exemplos históricos ainda não havia os benefícios do comércio livre da era de globalização e a sociedade teve que aprender a replantar e manejar ao mesmo tempo em que continuava a usar a floresta, enquanto que a China simplesmente proibiu o desmatamento e começou a comprar madeira, especialmente tropical, no mercado global. Embora a China atualmente tenha um programa nacional de reflorestamento, compra sua madeira nos países tropicais, que ficam com a degradação ambiental resultante do desmatamento, o que é uma das grandes vantagens da globalização para os compradores.

Observe que dois dos três exemplos são de países desenvolvidos, e a China recentemente passou à frente do Brasil na corrida desenvolvimentista. O Japão e a Alemanha possuem uma maior cobertura florestal em relação ao que tinham quando se tornaram conscientes da importância de suas florestas e são democracias cujos cidadãos estão convencidos da importância das florestas e do ambiente. A China está diminuindo sua taxa de desmatamento rapidamente com base na tomada de consciência da importância da floresta para seu desenvolvimento futuro.

E o Brasil? A Mata Atlântica quase desapareceu ao longo do século XX e o Cerrado é o bioma brasileiro mais ameaçado de todos. Ainda que o regime militar (1964-85) tenha editado uma Lei Florestal que exigia uma parcela de conservação em cada propriedade e um plano de manejo florestal para a comercialização de produtos da floresta, a Floresta Amazônica começou a ser desmatada aceleradamente durante esse regime. Desde então, os governos federais adotaram discursos conservacionistas conforme aumentavam as pressões por governos e ONGs do Primeiro Mundo, mas não revisaram a maioria dos incentivos ao desmatamento. O atual governo decretou uma quase moratória ao desmatamento no chamado "arco de desmatamento", ao sul da bacia amazônica, e investiu na diminuição da taxa de desmatamento em 2005. No entanto, a maioria dos incentivos continua a existir na Amazônia Legal (2), especialmente para a construção de rodovias federais e outros tipos de infra-estrutura, necessários para o "desenvolvimento".

Num país ainda subdesenvolvido, como o Brasil, a contradição entre discurso e realidade exige que os formadores de opinião demonstrem claramente a existência de outros valores de importância para a própria sociedade para que a floresta passe a ter valor na percepção da grande maioria, pois não bastam leis e decretos que proíbam se a população não está de acordo. Isto é especialmente importante e ainda mais difícil num país agrícola como o Brasil, pois, por definição, a agricultura é o cultivo dos campos. Em nível mundial, toda sociedade bem sucedida é agrícola (1), embora as florestas sejam recursos essenciais para o sucesso da sociedade. Além da orientação agrícola da sociedade brasileira, um outro fator dificulta a valorização da floresta: sua diversidade. Esta diversidade é a razão pela qual o Brasil está incluído entre os países mega-diversos, mas o corolário dessa diversidade é a baixa densidade econômica, o que significa que existem poucos recursos naturais com valor econômico-financeiro imediato num hectare qualquer de floresta.

A nosso ver, a questão essencial é: como aumentar a densidade econômica da floresta para que seu valor seja percebido pela população brasileira? Queremos discutir duas opções para alcançar esse objetivo e sugerir sua utilização simultânea. A primeira é a importância dos serviços ecológicos da floresta, especialmente o ciclo da água. A segunda é a transformação da própria floresta para aumentar sua densidade econômica no PIB brasileiro num futuro imediato. Mostraremos que uma janela de oportunidades está prestes a se abrir para o Brasil, que precisa estar preparado para aproveitá-la. Sugerimos que o Brasil tome a mesma decisão da Alemanha medieval e do Japão da era Tokugawa, e mostraremos algumas das principais ações necessárias para a implementação de políticas públicas federais e estaduais.

O PRINCIPAL SERVIÇO ECOLÓGICO DA AMAZÔNIA PARA O SUDESTE: ÁGUA

A manutenção do ciclo hidrológico da Amazônia é considerada crítica pela comunidade científica mundial e nacional, pois a Amazônia tem uma enorme importância no clima mundial, especialmente conforme avançam as mudanças climáticas causadas pela ação humana. A estiagem amazônica, que ocorreu em 2005 e secou os rios da Amazônia Central em níveis raramente vistos, chamou a atenção da população brasileira. Alguns cientistas acreditam que esse tipo de estiagem tornar-se-á mais comum conforme avançam as mudanças climáticas durante o século XXI. Além das estiagens, as previsões sobre o desmatamento da Amazônia sugerem que o futuro da floresta será "cinzento", especialmente se não houver mudanças nas políticas públicas (2). Caso essa previsão se concretize, a população da maior cidade brasileira vai sentir sede. A razão é que entre 25 e 50% das chuvas que caem no Sudeste do Brasil são oriundas da Amazônia (3), o que é sempre visível nos mapas climáticos usados nos telejornais durante o verão.

Imagine se a cidade de São Paulo tivesse que enfrentar um racionamento de água, como quase aconteceu em 2004. Uma grande cidade que passou por isso no século XX foi Los Angeles, na Califórnia, EUA, e os governos resolveram o problema construindo um aqueduto desde o rio Colorado. Os gastos estimados para transpor uma parte da água do rio São Francisco para abastecer algumas partes do Nordeste nos permite imaginar o quanto mais seria necessário para abastecer São Paulo nas próximas décadas. As estimativas sobre os custos da transposição do São Francisco variam enormemente, parcialmente devido a decisões a serem tomadas no futuro, mas um total de R$ 20 bilhões em 4 ou 5 anos é o valor mais utilizado, embora muitos dos custos de distribuição local, manutenção do sistema, garantias de qualidade de água, entre outros, ainda não tenham sido adequadamente dimensionados (4). Um dos grandes pressupostos é que haverá água suficiente no rio São Francisco no futuro, o que não pode ser confirmado, pois as mesmas chuvas que abastecem a cidade de São Paulo abastecem o alto rio São Francisco. Outro pressuposto é que os estados de Minas Gerais e da Bahia estarão sempre dispostos a ceder essa água e isso ainda não está claro e, certamente, poderá mudar conforme a aceleração das mudanças climáticas resultantes do desmatamento na Amazônia, caso este continue no ritmo atual.

Na necessidade de um aqueduto para a cidade de São Paulo, onde poder-se-ia captar água? A lógica sugere a Serra da Mantiqueira, nascente de muitos dos rios que fluem para o rio Paraná, bem como para o rio São Francisco. Essa escolha permitiria o uso da gravidade para o transporte da água sendo a própria Serra responsável pela captação das chuvas oriundas da Amazônia. A hidroelétrica de Marimbondo, no rio Grande, seria ideal, embora sua água já tenha donos em abundância. Para a cidade e o estado mais rico do país, certamente será possível negociar ou comprar direitos sobre a água, mesmo que as regiões mais propícias sejam bem desenvolvidas e povoadas, mas o custo pode ser bem maior que os custos do aqueduto.

Antes de chegar ao racionamento, no entanto, existe outra possibilidade: os governos do Sudeste, com ênfase no de São Paulo, com a colaboração imprescindível das empresas da região, poderiam investir na conservação da floresta amazônica, apoiando a expansão de unidades de conservação e a transformação do setor florestal da região que garantiriam a manutenção da floresta e seu principal serviço ecológico para o Sudeste. Ou seja, é de interesse do Sudeste, especialmente de São Paulo, atuar na minimização do desmatamento na Amazônia e proteger um recurso essencial para sua população, sua indústria e seus agronegócios: a água. O mais importante é que isso pode ser feito imediatamente e gerando desenvolvimento na Amazônia e riqueza para o Sudeste, senão vejamos.

TRANSFORMANDO A FLORESTA – A JANELA DE OPORTUNIDADES

A lei de procura e oferta determina o preço dos produtos básicos, como a madeira. Portanto, a valorização da madeira da Amazônia passa pelo entendimento de sua oferta e procura nos mercados locais, regionais, nacionais e internacionais. Estamos na eminência de uma importante mudança na oferta de madeira tropical e o Brasil é o único país em condições de aproveitar essa mudança. Vamos examinar esse mercado e traçar algumas tendências importantes para entendê-lo no momento atual e no futuro próximo.
As estatísticas sobre a produção de madeira tropical no mundo são razoavelmente confiáveis (5). A produção anual do mundo tropical, ao longo do período (1988-2004), tem se mantido estável, igual a 134,4 ± 2,4 milhões de m3 em toras. As produções anuais de serrado, compensado e laminado foram, respectivamente, 40 ± 1,35 milhões de m3, 14,7 ± 0,75 mi m3 e 2,2 ± 0,26 mi m3. A região Ásia/Pacífico, apesar de uma queda de produção de 7,5% de 1988 para 2004, é ainda a maior produtora de madeira dura tropical (67%). América Latina/Caribe (25%) e África (8%) mantiveram-se quase estáveis.
Os três maiores produtores no período foram a Indonésia (66,14 milhões m3/ano – 27% da produção mundial), a Malásia (52,17 mi m3/ano – 21%) e o Brasil (48,60 mi m3/ano – 20%). Ao nível mundial há uma clara tendência de queda em relação ao pico de produção da Indonésia (28%) e Malásia (35%), e um aumento (em relação ao mínimo – 1988) do Brasil (47%).

Em geral, os países tropicais exportam 50% de sua produção, principalmente na forma de serrados, compensados, laminados e, ocasionalmente, toras sem nenhum beneficiamento. Em contraste, o Brasil exporta apenas 6-9% de sua produção anual, por razões que vamos examinar em breve. Com base na exportação média anual do período 1988-2004, a região Ásia/Pacífico participou com 81% de toda a exportação do mundo tropical, enquanto que as regiões América Latina/Caribe e África participaram com 6% e 13%, respectivamente. Os dois maiores exportadores individuais foram Malásia com 23,88 ± 2,72 mi m3 e Indonésia com 16,77 ± 1,54 mi m3, contribuindo sozinhos com 70% do total exportado pelos países tropicais.

A importação anual média do período foi de 51,76 ± 1,42 milhões de m3 equivalentes em tora. Os principais importadores individuais foram: Japão (33,3%), União Européia (21,3%), China (17,5%), Coréia do Sul (9,2%), Taiwan (8,7%) e EUA (6,4%), que juntos representam mais de 90% das importações de madeira tropical. Essas médias escondem uma tendência importante: a China superou o Japão em 2001, passando a ser o maior importador individual de madeira tropical; a UE se mantém estável. Já explicamos porque a China entrou nesse mercado com tanto peso, e o crescimento da economia chinesa sugere que essa nova tendência deverá se manter.

Em 1995, os países tropicais faturaram US$ 12 bilhões com a exportação de madeira, o que equivale a aproximadamente US$ 376 / m3. Malásia e Indonésia faturaram US$ 3,96 bilhões (35%) e US$ 4,02 bilhões (35%), respectivamente. O Brasil faturou apenas US$ 710 milhões (6%). Em 2003, os países associados à organização ITTO (International Tropical Timber Organization) faturaram US$ 7,4 bilhões com a exportação, o que equivale a aproximadamente US$ 310 / m3. Nesse ano, Malásia e Indonésia diminuíram suas participações no mercado, de 35 para 24% e de 35 para 33%, respectivamente. A participação do Brasil subiu de seis para 9%.

Até agora a situação parece de um típico mercado de commodity tropical com demanda principalmente nos países desenvolvidos. O que transforma essa situação típica em uma janela de oportunidades para o Brasil são os estoques de madeira tropical na região Ásia/Pacífico e a continuação da instabilidade política na África. Contrariando a lei de oferta e procura, o volume de exportação diminuiu de 1995 para 2003, assim como o preço por unidade. A explicação pode estar na quantidade de madeira ilegal, junto com a legal, colocada no mercado. Na Amazônia, 80% da madeira produzida não tem origem definida (6).

A situação da Malásia é típica(7): Durante as últimas duas décadas de exploração das florestas da Malásia, o manejo florestal tem sido inexistente. A política florestal, por meio do Ato Florestal Nacional de 1984, falhou completamente por falta de aplicação da lei. As florestas primárias da Malásia Peninsular já foram completamente dizimadas e as secundárias cobrem apenas uma fração das antigas áreas de florestas tropicais úmidas. Nas partes da Malásia na Ilha de Borneo, Sabah e Sarawak, ainda há florestas primárias que devem desaparecer em 5–8 anos. Isso explica a queda na produção e, especialmente, nas exportações da Malásia.

A situação da Indonésia pode ser similar, pois em 1995 o país teve 63 milhões de hectares sob concessões florestais, com exploração autorizada de 700 mil ha por ano e pelo menos 500 mil ha por ano de exploração não-autorizada. No entanto, sua taxa de desmatamento anual foi 5,4 milhões de ha (7). Hoje, em 2006, é quase certo que as reservas florestais nativas da Indonésia estejam praticamente dizimadas, pois a matemática é simples e confirmada pela tendência discutida acima.

Todo o exposto até agora não é novidade no setor florestal. Em 1987, o cenário do setor de madeira dura tropical era conhecido (8) "...a produção do sudeste asiático alcançará o seu pico em meados dos anos 1990, sendo, a seguir, substituída pela América Latina, especialmente a Amazônia, para suprir os mercados da Europa, Japão e América do Norte...". É evidente que esse cenário da dinâmica de produção de madeira tropical pelos maiores produtores mundiais se concretizou em sua maior parte. Somente o papel do Brasil no mercado internacional não foi confirmado. Por que? Examinaremos esta pergunta em breve.

O cenário acima, com a informação estatística apresentada, permite algumas extrapolações, mesmo que o risco de extrapolar seja conhecido. Ajustando os dados de exportação dos três principais produtores atuais (Malásia, Indonésia e Brasil) e de importação (demanda do mercado internacional), durante o período 1988-2004, é possível examinar as tendências. Em termos de exportação de madeira, o Brasil poderá superar a Malásia em 2012 e a Indonésia em 2017. Em 2018, a Malásia poderá deixar de exportar e a Indonésia poderá estar fora do mercado em 2030. Esse cenário sugere que o mercado internacional começará a entrar em colapso a partir de 2010. Esta é a janela de oportunidades. Mas, a mesma figura sugere que o Brasil só conseguirá atender a demanda internacional em 2097. Por que a demora? Agora é hora de examinar o Brasil e a Amazônia.

Artigo continua...