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31 janeiro 2007

CORRIDA RUMO AOS BIOCOMBUSTÍVEIS: GÊNESE PARA UMA DESTRUIÇÃO "ENERGÉTICA" DA AMAZÔNIA?

Já deu para notar. Está nos jornais, rádios e televisão. A corrida mundial para a produção comercial de biocombustíveis está engrenando a segunda marcha. Daqui a pouco vamos para a terceira e depois, quarta, quinta. Enquanto o resto do mundo ainda discute a viabilidade do ethanol (o nosso álcool combustível) e admira estupefado o fato do Brasil estar décadas na frente de todos graças ao álcool derivado da cana-de-açucar, pouco se comenta sobre os efeitos dessa corrida desenfreada no que resta das florestas tropicais, especialmente a amazônia.

Está mais do que claro que as condições climáticas, a conjuntura sócio-econômica e aspectos históricos estão a favor da consolidação do complexo produtor de álcool no sudeste, notadamente São Paulo, e no nordeste do país. A replicação deste modelo em outras regiões do país e do mundo tem poucas chances de dar certo. Mas, como sabemos, o homem é um ser "teimoso" e o brasileiro em especial, como diz aquela propaganda do Lula, "não desiste nunca".

Neste contexto, nós que vivemos na amazônia, devemos ter em mente uma pergunta: será que a cana virá para cá como as pastagens vieram no passado?

Floresta por pastagens para o gado
Todos estamos cientes dos danos que a substuição da floresta por pastagem causou em nossa floresta e nossa sociedade. Todos sofremos, principalmente quem reside nas grandes concentrações urbanas do Estado: desemprego, violência, fome, miséria. O leste do Acre, com mais de 25% de desmatamento, se encaixa bem no que se vê em Rondônia. Existe, porém, uma grande diferença: o percentual de áreas desflorestadas que foram abandonadas e estão degradadas é muito maior nesta região do Acre do que em qualquer outra região de Rondônia.

Muitos podem argumentar que talvez a hipótese da vinda da cana não se concretize e um exemplo concreto existe aqui próximo a Rio Branco, o falido empreendimento da Alcoobrás. Não deu certo e o Banco do Brasil, ou seja, nós, os contribuintes, entramos pelo cano. Para justificar o chavão de que a gente "não desiste nunca", o Governo que saiu ressucitou o morto, assumindo parcialmente o risco do empreendimento. Vamos esperar para ver. Pelo menos agora a conjuntura é outra, o preço do álcool é outro, enfim, o produto vale ouro e tem mercado mais que garantido com a explosão nas vendas dos veículos flexíveis.

Se a cana fracassar, vai entrar em cena o dendê
Caso a cana não dê certo novamente, ainda resta a ameaça do dendê (Elaeis guineensis), uma palmeira oleaginosa nativa da África, cultivada nas regiões tropicais do mundo, inclusive o Brasil. Em alguns países asiáticos como Malásia e Indonésia o cultivo desta espécie representa para eles o que a soja representa para o Brasil. É um negócio multibilionário, voltado quase que exclusivamente para o mercado internacional.

A corrida por biocombustíveis "descobriu" o óleo de dendê e hoje já existem motores que queimam o óleo desta planta para gerar energia. Além do uso puro, o óleo do dendê pode ser usado para a síntese de biodiesel, que pode ser usado sem maiores problemas em todos os veículos movidos a diesel derivado do petróleo. A tecnologia dos motores pode ser diferente, mas o uso final do óleo de dendê é um só: gerar energia e substituir combustíveis fósseis.

Soja como biocombustível: fênome passageiro
O governo brasileiro também colocou o país na vanguarda quando se fala em uso de biodiesel. Uma lei aprovada em 2005 (11.097/2005) determinava que apartir de 2008 todo diesel mineral vendido no país deveria ter um mínimo de 2% de biodiesel. Mesmo sem garantias de existências de matéria-prima para a produção em larga escala de biodiesel (a produção de dendê é irrelevante no Brasil), o governo federal decidiu antecipar para 2007 esta exigência. Qual a razão?

Talvez a voz dos produtores de soja tenha falado mais alto já que em 2005 e 2006 a crise no setor foi desastrosa. A extração e venda de biodiesel extraído de óleo de soja para um mercado cativo (as distribuidoras de combustível) parece ser um excelente negócio para os sojeiros. Pelo menos até o momento em que os preços internacionais do produto fiquem mais interessantes. Aí eles desistem do biodiesel e vão exportar farelo de soja para engoradar porco na europa e na China. É como no caso das usinas de açucar e álcool. Quando é mais negócio produzir açucar os consumidores de álcool que se danem. Ainda bem que agora os carros são todos do tipo flex.

A ameaça do dendê, portanto, é mais do que real considerando a incerteza do suprimento constante de biodiesel de soja. Além disso, o dendê é muito mais eficiente energeticamente do que qualquer outra oleaginosa cultivada comercialmente na atualidade.

Acre está embarcando na aventura do dendê
Dentro desta ótica, o governo do Acre já cuidou para que o Estado possa eventualmente vir a se "beneficiar" de um possível boom na procura por óelo de dendê. Experimentos na EMBRAPA local já foram inciados e plantios junto a produtores também. No longo prazo, a idéia do plano estadual de energia renovável é ver centenas de pequenos agricultores plantando 1-2 hectares de dendê para abastecer uma grande unidade produtora de biodiesel. Aliás, a Fundação Estadual de Tecnologia-FUNTAC, já instalou uma unidade industrial de produção de biodiesel, disfarçada de laboratório. São duas máquinas de grande capacidade. Um craqueador e um transesterificador. Lá vai ser possível fazer biodiesel derivado de óleo vegetal, sebo animal, pneus velhos, óleo de fritura usado.

Está claro que o petróleo nunca mais vai custar menos do que U$ 30/barril, talvez mesmo U$ 50. Assim, a produção de biocombustíveis é um grande negócio. Falta só resolver onde se vai achar tanto espaço para cultivar as espécies de plantas produtoras de óleo vegetal. Como a soja, em tempos normais, tem preços mais interessantes para ser usada como ração animal, o cerrado brasileiro vai, provavelmente ser ocupado inteiramente por esta cultura e outras como o algodão. Restam, para ser usadas, as grandes extensões de pastagens degradas e abandonadas no Brasil central e da amazônia. Acontece que cultivar dendê nestas áreas, tendo em vista que é uma cultura perene exigente nos tratos culturais e adubação, vai ser muito caro. Qual a outra opção? É isso mesmo. Derrubar ainda mais a floresta amazônica. Não se iludam. O custo da aquisição da terra e a derrubada da floresta podem ser compensados pela extração prévia de madeira e venda de lenha e carvão em algumas partes. Áreas de pastagens degradadas provavelmente vão ser mais caras e trabalhosas para servir como plantios de dendê e, provavelmente, vão continuar a ser o que são hoje: retratos da ganância humana.

Apenas para ilustrar. Na edição de hoje (31/01), o jornal The New York Times publica publica um interessante artigo, com um título ainda mais interessantes (Once a Dream Fuel, Palm Oil May Be an Eco-Nightmare) no qual afirma que uma ONG internacional (Amigos da Terra) estima que 87% do desmatamento na Malásia entre 1985 e 2000 foi causado por novos plantios de dendê. Na Indonésia, a quantidade de terra usada para novos cultivos da espécie aumentou 118% nos últimos oito anos.