Google
Na Web No BLOG AMBIENTE ACREANO

14 abril 2008

MUDANÇA DO FUSO HORÁRIO DO ACRE

Ainda a mudança do horário

Ainda mantenho meu ponto de vista de que esta mudança em nada atende aos interesses do conjunto da sociedade. Não deveriam ser efetuadas mudanças no fuso horário.

Mário José de Lima
Economista

A discussão de determinados temas podem ser profundamente prejudicada se atravessada por interesses que vão além do que poderia ser o mero, simples e objetivo esclarecimento do que se discute. Este é o caso dessa discussão – não pretendida nem pedida por quem sugeriu a mudança – sobre a buscada mudança no “fuso horário”.

Olhássemos todos as opiniões já geradas – até livros foram escritos – e chegaríamos as mais interessantes e, até mesmo, hilariantes opiniões sobre o assunto. Para completar o quadro da questão do fuso horário, há um viés complicando o melhor encaminhamento da discussão: a tentativa de fazer a discussão representar um embate entre partidários e não-partidários do senador Tião Viana. A meu juízo, essa tendência constitui um desserviço à sociedade e cria mais confusão do que esclarece o assunto. Desde já, declaro que votei no senador, em sua primeira eleição – hoje, sou eleitor em São Paulo – então, nada de oposição.

Hoje, fui informado pelo professor Alceu Ranzi da existência de um artigo do professor Feres, defendendo a mudança, o qual encontrei no site do professor Evandro Ferreira.

O texto do professor Roberto Feres, da Universidade Federal do Acre, é ilustrado por um interessante gráfico onde são mostrados os horários do sol a pino, nascer e por do sol. Fiquei impressionado: também no artigo do professor Feres, em que pese sua intenção de demonstrar uma fundamentação técnica para seus argumentos – esse o papel do gráfico citado -, o que se observa é que o fundamento da determinação das horas no mundo é totalmente esquecido. O que determina o que? No argumento do professor Feres, a hora (o relógio) marca (determina?) o nascer do sol e não o contrário como deveria ser, quando se pretende desenvolver uma discussão tecnicamente sustentada. Em que pese, hoje, podermos afirmar que o sol nasce às 5:45, foi o nascer do sol, a posição longitudinal de Rio Branco, nas proximidades do quinto meridiano de longitude igual a 75° que é o determinante na marcação dessa hora. Somente invertendo essa relação é que se poderia entender porque o professor Feres termina por resvalar para o senso comum e dizer que “o dia começa muito cedo e na maior parte do ano o Sol nasce antes da 5:30” ou, até mesmo, dizer-se intrigado com a hora em Rio Branco.

Afinal, para que foi assumido o meridiano de longitude igual a 0°, passando sobre o Royal Observatory, na localidade de Greenwich? A partir dessa marcação – o meridiano é uma abstração – pode-se determinar um horário mundial fundado num ciclo natural: uma volta da terra em torno do seu eixo. Mas, vamos adiante. Ao assumir esse ciclo, que seus formuladores dividiram em 24 partes, que foram denominadas como horas, tinha uma referência biológica fundamental: a divisão do ciclo entre noite e dia – período sem a luz e período de luminosidade. Essa divisão tem profunda e ampla influência sobre o metabolismo dos seres vivos. Sem maiores detalhes, apenas afirmando que essa influência envolve aspectos importantes da reprodução da vida, podemos nos ater a um desses aspectos que pode ser afetado quando empurramos os limites do dia: a saúde mental que é dependente das condições de repouso e do sono. Estes são aspectos associados ao ciclo diário.

Outros pontos do argumento do professor Roberto Feres merecem, também, consideração. Quando recorre ao fato da Bolívia adotar uma hora única para o país como um todo, não considera as características geográficas daquele país relativamente ao Brasil. A Bolívia é um país que está entre sobre uma faixa que é uma fração da faixa ocupada pelo Brasil: o Brasil vai de uma posição entre o meridiano de longitude igual 30° e o de longitude igual 45°, até bem próximo o meridiano de longitude igual a 75°, enquanto a Bolívia fica entre os meridianos de longitude igual a 60° e o de longitude igual a 75° sem preencher completamente a distância. Mesmo assim, a própria Bolívia poderia adotar horário menos deslocado da base natural.

Outra passagem onde o professor Feres resvala para o senso comum, o que em nada ajuda para esclarecer ou informar sobre a questão é ao afirmar que “Rio Branco passaria a ficar defasada de apenas uma hora de Brasília, durante a maior parte do ano e duas horas nos horários de verão.” Por que defasada? Existe ou não bases naturais para a formulação de horários diferentes entre localidades? Houvesse defasagem seria, então, em relação à hora fundada nas condições naturais.

No final do artigo, diz o professor Feres que “Arrisc[a]...a dizer que serviços como o dos transportes coletivos poderiam ter um ganho de produtividade entre 5 e 10%, com redução de horas extras e equilíbrio de demandas.” Como o deslocamento dos ponteiros de um relógio, de numero para outro, alterará a demanda por transporte coletivo? As horas trabalhadas dos empregados das empresas de transportes coletivos só serão reduzidas se aumentar a capacidade de transporte por unidade de transporte e isso, se as pessoas mudarem seus hábitos de uso dos transportes. A elevação da produtividade corresponde a uma situação onde a quantidade produzida (mesmo serviços) cresce, mantidos os insumos utilizados. O mais provável é que após o deslocamento dos ponteiros as pessoas continuem fazendo o que faziam sempre. Mesmo que com mais sono, mais estressadas e coisas assim.

O gráfico do professor mostra um certo movimento cíclico nos horários do nascer e por do sol, ou seja, alguns dias, ao longo do ano, podemos ter mais luminosidade um pouco “mais cedo” e noutros, mais escuro. Vamos nos ater ao nascer, por conta de sua repercussão sobre o metabolismo. Sem maiores considerações, sabe-se que o tempo de sono é dividido em padrões de sono diferentes que recebem classificações quanto sua capacidade de recuperação das forças dos indivíduos. Pode-se, até, aproveitar uma conclusão do professor Feres, para apoiar a posição contrária à mudança. Simples: se as manhãs costumam ser mais amenas, apresentando temperaturas mais baixas, logo, cedo da manhã – quando, hoje, costumamos estar na cama -, corresponderiam aos momentos mais adequados ao sono. A mudança, se adotada, portanto, retiraria uma hora – isto não é pouco – desse tempo de sono efetivamente restaurador. Pois é. E o professor Feres quer, como outros, aproveitar esse período para por as pessoas para fora da cama para enfrentar seus empregos mais descansadamente. Uma contradição. Outros querem aproveitar esse tempo para que os bancos abram as portas para que se façam operações com o sudeste.

O professor Feres, também, recorre a uma opinião que, até agora, não sei apoiada em quê, mas, repetida ad nauseam: “As vantagens econômicas disso são enormes...”. Como? Elevará a produtividade do trabalho? Elevará a produtividade do capital? Elevará a produtividade da terra? Ampliará a renda regional? Melhorará a distribuição funcional da renda? Melhorará a distribuição da renda individual? Elevará a receita das empresas? Elevará o nível de emprego regional? E completa: “e ajuda a resolver até alguns problemas com o expediente bancário e a programação de TV.” Pronto, chegou ao ponto!

Para finalizar, cabe considerar que não se trata de, pura e simplesmente, descartar as possibilidades de adoção de critérios de zonas para fixação dos horários, o que implica não atender rigidamente a relação da hora com o nascer e por do sol. Não se trata disso. Mas esses arranjos devem obedecer, também, aspectos ligados à posição relativamente aos paralelos. É o que se observa na determinação das zonas de horas. O Chile, um país ao qual, relativamente aos meridianos, o Acre está, mais ou menos, alinhado, assume a zona -4 horas. Mas, deve-se observar que o Chile encontra-se muito abaixo da linha do Equador, na ponta final do continente.

Ainda mantenho meu ponto de vista de que esta mudança em nada atende aos interesses do conjunto da sociedade. Não deveriam ser efetuadas mudanças no fuso horário.