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10 novembro 2016

A INJUSTIFICÁVEL OCUPAÇÃO DE ÁREAS DE RISCO EM RIO BRANCO

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

A ocupação irregular de áreas classificadas como ‘de risco’ ao longo das margens do rio Acre na zona urbana de Rio Branco é antiga e se transformou em um problema aparentemente ‘insolúvel’ para as autoridades responsáveis.

Existem dois riscos para as pessoas que insistem em continuar a viver nesses locais. O primeiro está relacionado com as enchentes recorrentes do rio Acre que colocam em desabrigo milhares de pessoas em diferentes pontos da cidade. O segundo envolve os riscos derivados dos deslizamentos das encostas do rio, especialmente para aquelas que construíram suas casas em encostas localizadas na zona central da cidade.

Ambas as situações são graves e, além dos riscos que representam para a vida das pessoas que são afetadas diretamente, causam sérios transtornos financeiros para as administrações municipal e estadual, que são obrigadas a agir de forma quase permanente para minorar os efeitos causados pelas enchentes e deslizamentos. Não é por falta de conhecimento detalhado da situação que as autoridades responsáveis tem deixado de atuar firmemente para resolver de uma vez por todas os problemas citados.

No que se refere aos deslizamentos de encostas do rio Acre, um artigo de pesquisadores da Universidade Federal do Acre publicado na revista Geonorte (v. 2, n° 4, 2012) mostrou que a situação é extremamente preocupante na zona central de nossa cidade, especialmente nos bairros Papoco, Dom Giocondo e Preventório.

No artigo os autores, depois de produzir mapas de localização e de setorização, curvas de nível e perfis topográficos, chegaram à conclusão que a parte que compreende o bairro Papoco a partir da Rua Pernambuco até a Avenida Brasil (ver figura que ilustra este texto), apresenta forma de encosta do tipo retilínea-convexo com grande susceptibilidade a deslizamentos devido a alta declividade. Para esta situação específica eles recomendam que o poder público tome duas medidas para evitar futuros desastres: uma de caráter preventivo, realocando os habitantes para locais seguros, e outra, de caráter geotécnico, erigindo estruturas de contenção do movimento de massa para evitar o desbarrancamento.

No que se refere às cheias do rio Acre, alguns meses atrás um pesquisador da Embrapa-Acre me mostrou um mapa digital das áreas sujeitas a alagamentos na zona urbana de Rio Branco. A precisão desse mapa é impressionante porque é de centímetros! Isso significa dizer que com ele será possível monitorar o avanço da água nas diferentes áreas da cidade a cada centímetro de elevação observado na régua de controle do nível do rio monitorada pela Defesa Civil. Fui informado que a Prefeitura já dispõe do mesmo, mas o sistema que utilizará a informação derivada do citado mapa ainda não está totalmente operacional.

A aquisição desse tipo de informação por parte da prefeitura indica que a administração de nossa cidade poderá saber com uma precisão nunca vista quais áreas serão inundadas sequencialmente na medida em que o nível da água subir. Com isso é possível, por exemplo, priorizar as áreas a serem atendidas e determinar a quantidade de pessoas que serão desabrigadas. Esses dados são indispensáveis para que o poder público utilize de forma eficiente os recursos emergenciais e as doações voluntárias dirigidas para o atendimento dos desabrigados. A economia é considerável porque serão preparados abrigos e utilizados alimentos, roupas e outros materiais na exata medida da necessidade.

Mas essa informação não serve apenas para isso. Ela pode, por exemplo, subsidiar ações visando a retirada imediata dos ocupantes dos locais mais críticos, mas para que isso tenha sucesso é indispensável uma parceria entre a prefeitura, governo do estado e o Ministério Público.

De um lado a prefeitura dispõe de informações detalhadas não apenas sobre os aspectos hidrográficos, geológicos e geomorfológicos relacionados com os eventos de cheias do rio Acre e desbarrancamento de suas margens, mas também dos aspectos sociais relacionados com os ocupantes dessas áreas. Em outras palavras: a prefeitura já sabe quais áreas são inapropriadas para a construção de habitações e quantas pessoas precisam ser removidas para resolver o problema. O governo do estado, por seu turno, está desenvolvendo um grandioso programa de construção de habitações populares e já deixou claro que a prioridade para a ocupação das mesmas será das pessoas oriundas das áreas de risco. Por fim, a intervenção do Ministério Público é importante para a judicialização da questão visando garantir que a decisão do poder público de desocupação dessas áreas seja efetivamente observada e a reocupação prevenida.

Infelizmente, por mais que o bom senso e a legalidade dessas ações caminhem de mãos dadas nessa questão aparentemente simples, a concretização do esvaziamento das áreas de risco de nossa cidade não parece ser algo tão simples e tem se arrastado por décadas. E quais as razões?

É fato que, desde sempre, os ocupantes de áreas de risco em nossa cidade justificam sua atitude utilizando como desculpa (clássica) condições socioeconômicas precárias que as impedem de adquirir casa própria. Os administradores públicos com obrigação de resolver a questão, por seu lado, parecem aceitar de forma velada essas ocupações.

No passado existia a alegação de que a retirada dos invasores poderia causar comoção social tendo em vista que o poder público não tinha condições econômicas de oferecer habitação para os deslocados. Entretanto, a construção em nossa cidade de milhares de habitações no âmbito do programa “Minha Casa, Minha Vida” põe por terra a alegação dos invasores e administradores de possível comoção social caso as áreas de risco sejam desocupadas de pronto. Existe outro aspecto que não pode ser ocultado e que diz respeito ao cuidado exagerado dos nossos administradores em não agir com o rigor necessário para garantir a desocupação esperada. Provavelmente isso deriva do fato de esses ocupantes representarem votos potenciais para os projetos políticos desses administradores.

O resultado da pouca efetividade da política de esvaziamento das áreas de risco em Rio Branco é que o problema está longe de ser resolvido e tudo indica que, a despeito das condições amplamente favoráveis para o sucesso da mesma durante os anos de boom econômico que vivemos recentemente, continuaremos a ‘enxugar gelo’ cada vez que ocorrer uma cheia ou desbarrancamento das margens do rio Acre. Em outras palavras, recursos públicos e uma multidão de voluntários continuarão a ser gastos e mobilizados anualmente para amenizar uma situação que, em sua grande parte, já era para estar resolvida faz muito tempo.

Para saber mais: Frank Oliveira Arcos, Waldemir Lima dos Santos e Kelma Dayan de J. Vieira Lima. Processos erosivos às margens do rio Acre: o caso área central domunicípio de Rio Branco, Acre, Brasil. Revista Geonorte, v.2, n.4, p.622-633, 2012.