VIVEREMOS UMA NOVA ‘IDADE NEGRA’ DO CONHECIMENTO SOBRE O PLANETA? (I)
Evandro
Ferreira* e Foster Brown**
William
B. Gail, fundador da empresa Global Weather Corporation e ex-presidente da
Sociedade Americana de Meteorologia, publicou em 19 de abril do jornal The New
York Times o artigo ‘A New Dark Age Looms’ (Uma nova idade das trevas se
aproxima). Com potencial de se tornar um clássico, uma referência sobre o
futuro da humanidade, o artigo discute a crescente possibilidade de que o
aquecimento global promovido pelo homem o levará de volta, a despeito de todos
os seus avanços científicos e tecnológicos, à um período de ‘idade das trevas’
no que concerne ao conhecimento que ele detém sobre o planeta que habita.
Com
o auxílio do Dr. Foster Brown, apresentamos uma tradução desse artigo (com
pequenas e necessárias adições de texto para facilitar a compreensão) para que
os leitores de A Gazeta possam se inteirar de um tópico que vem ganhando cada
vez mais corpo no meio científico mundial. A parte inicial do artigo de William
B. Gail é apresentada a seguir.
“Uma nova idade das
trevas se aproxima” [primeira parte]
Imaginem
um futuro no qual o conhecimento humano acumulado sobre o nosso planeta se
torne cada vez mais obsoleto. Imaginem o nosso avançado conhecimento sobre as
tendências meteorológicas do planeta, sobre os padrões de migração e de desova
dos peixes, sobre a polinização das plantas e muito outros, acumulados ao longo
de centenas de anos de coletas e análises de informações, passando a ter um
valor marginal com o passar do tempo e, progressivamente, sendo cada vez menos
efetivos como guia para o nosso futuro? Quando isso se concretizar, a
civilização entrará em uma idade das trevas no que concerne ao conhecimento
prático que tem sobre o planeta que ela habita.
Para
compreender como isso poderia acontecer, imagine-se vivendo no período em que
seu neto, já adulto, irá viver daqui a 100 anos. Nessa ocasião o aquecimento
global previsto pelos cientistas realmente aconteceu de forma significativa e
os padrões repetitivos e de longa data observados na natureza, usados durante
milênios pela humanidade para planejar de tudo, da infraestrutura à
agricultura, não são mais tão previsíveis. Ciclos que tinham sido
consistentemente imutáveis ao longo da história humana moderna foram
interrompidos por mudanças substanciais na temperatura e precipitação por todo
o planeta.
Nesse
futuro, na medida em que o aquecimento do planeta se estabilizar, novos padrões
começarão a aparecer. Inicialmente eles serão confusos e difíceis de
identificar. Os cientistas observarão similaridades com padrões observados
quando o planeta emergiu da última idade do gelo, ocorrida há 11 mil anos
atrás. Esses novos padrões demandarão muitos anos – talvez décadas ou mais –
para se revelarem completamente, mesmo sendo monitorados com sofisticados
sistemas de observação.
Até
que esses padrões sejam completamente compreendidos, os agricultores sofrerão
para ‘adivinhar’ de forma confiável as estações climáticas adequadas para a
realização de seus plantios e, por conta disso, observarão com muito mais
frequência fracassos em seus cultivos. Sinais iniciais de secas severas
passarão despercebidos, assim como sinais de excesso de chuvas não serão detectados
em certas regiões, fazendo com que investimentos em irrigação sejam feitos nos
lugares errados. Distúrbios sociais de grande impacto serão generalizados.
Uma
idade das trevas como essa é algo possível de se concretizar. Um recente
relatório da Academia Nacional de Ciências, Engenharia e Medicina (dos Estados
Unidos) concluiu que o aquecimento global causado pelo homem já estava
alterando os padrões de alguns eventos climáticos extremos. Entretanto, o
relatório não abordou a implicação mais ampla – a de que a alteração dos
padrões naturais poderá atingir bem mais que eventos climáticos extremos, e
apresentar impactos muito mais abrangentes em outras áreas.
O
fundamento do nosso conhecimento sobre o planeta deve-se, em grande parte, às
observações históricas da dinâmica dos padrões dos ambientes naturais em terra,
no mar e no ar, e do comportamento dos animais que os ocupam e são usados como
recursos pelo homem. E esse conhecimento tem sido fundamental para todos os
avanços socioeconômicos alcançados até aqui pela raça humana.
Desde
os primórdios, o homem tem monitorado os padrões e a dinâmica da natureza e
passa conhecimentos aperfeiçoados sobre a caça e a agricultura para as novas
gerações. A ciência acelerou esse processo de conhecimento por meio do emprego
de métodos de observações avançados e técnicas de descoberta de padrões. Graças
a isso, na atualidade tem sido possível antecipar o futuro com uma consistência
inimaginável para os nossos ancestrais.
Mas
na medida em que o nosso planeta se aquece, o nosso entendimento histórico
sobre os padrões naturais vigentes se tornará obsoleto e entrará em desuso
muito mais rapidamente do que novos conhecimentos que vierem a ser
desenvolvidos para substitui-lo. Alguns padrões mudarão de forma significativa.
Outros permanecerão, em grande parte, inalterados, embora vá ser difícil dizer
o que mudará, em que intensidade e quando.
A
lista das desordens naturais que poderão acontecer é longa e alarmante.
Poderemos ver mudanças na prevalência de doenças em humanos e em cultivos
agrícolas, como as pragas de gafanhotos desencadeadas por ocasião de secas,
frequentes incêndios florestais, alterações na dinâmica predador-presa na cadeia
alimentar na natureza, dificuldades para identificar, de forma confiável,
terras potencialmente cultiváveis e sua possível produtividade, assim como
prever a produção resultante das atividades agrícolas.
[artigo
continua]
*Evandro
Ferreira é engenheiro agrônomo, pesquisador do INPA/Parque Zoobotânico da UFAC
e Docente do Curso de Mestrado em Ciências Florestais da UFAC.
**
Foster Brown, pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso
de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) da Universidade
Federal do Acre (UFAC). Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera
Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Riscos de
Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios
e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA).
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