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07 novembro 2016

VIVEREMOS UMA NOVA ‘IDADE NEGRA’ DO CONHECIMENTO SOBRE O PLANETA? (I)

Evandro Ferreira* e Foster Brown**

William B. Gail, fundador da empresa Global Weather Corporation e ex-presidente da Sociedade Americana de Meteorologia, publicou em 19 de abril do jornal The New York Times o artigo ‘A New Dark Age Looms’ (Uma nova idade das trevas se aproxima). Com potencial de se tornar um clássico, uma referência sobre o futuro da humanidade, o artigo discute a crescente possibilidade de que o aquecimento global promovido pelo homem o levará de volta, a despeito de todos os seus avanços científicos e tecnológicos, à um período de ‘idade das trevas’ no que concerne ao conhecimento que ele detém sobre o planeta que habita.

Com o auxílio do Dr. Foster Brown, apresentamos uma tradução desse artigo (com pequenas e necessárias adições de texto para facilitar a compreensão) para que os leitores de A Gazeta possam se inteirar de um tópico que vem ganhando cada vez mais corpo no meio científico mundial. A parte inicial do artigo de William B. Gail é apresentada a seguir.

“Uma nova idade das trevas se aproxima” [primeira parte]

Imaginem um futuro no qual o conhecimento humano acumulado sobre o nosso planeta se torne cada vez mais obsoleto. Imaginem o nosso avançado conhecimento sobre as tendências meteorológicas do planeta, sobre os padrões de migração e de desova dos peixes, sobre a polinização das plantas e muito outros, acumulados ao longo de centenas de anos de coletas e análises de informações, passando a ter um valor marginal com o passar do tempo e, progressivamente, sendo cada vez menos efetivos como guia para o nosso futuro? Quando isso se concretizar, a civilização entrará em uma idade das trevas no que concerne ao conhecimento prático que tem sobre o planeta que ela habita.

Para compreender como isso poderia acontecer, imagine-se vivendo no período em que seu neto, já adulto, irá viver daqui a 100 anos. Nessa ocasião o aquecimento global previsto pelos cientistas realmente aconteceu de forma significativa e os padrões repetitivos e de longa data observados na natureza, usados durante milênios pela humanidade para planejar de tudo, da infraestrutura à agricultura, não são mais tão previsíveis. Ciclos que tinham sido consistentemente imutáveis ao longo da história humana moderna foram interrompidos por mudanças substanciais na temperatura e precipitação por todo o planeta.

Nesse futuro, na medida em que o aquecimento do planeta se estabilizar, novos padrões começarão a aparecer. Inicialmente eles serão confusos e difíceis de identificar. Os cientistas observarão similaridades com padrões observados quando o planeta emergiu da última idade do gelo, ocorrida há 11 mil anos atrás. Esses novos padrões demandarão muitos anos – talvez décadas ou mais – para se revelarem completamente, mesmo sendo monitorados com sofisticados sistemas de observação.

Até que esses padrões sejam completamente compreendidos, os agricultores sofrerão para ‘adivinhar’ de forma confiável as estações climáticas adequadas para a realização de seus plantios e, por conta disso, observarão com muito mais frequência fracassos em seus cultivos. Sinais iniciais de secas severas passarão despercebidos, assim como sinais de excesso de chuvas não serão detectados em certas regiões, fazendo com que investimentos em irrigação sejam feitos nos lugares errados. Distúrbios sociais de grande impacto serão generalizados.

Uma idade das trevas como essa é algo possível de se concretizar. Um recente relatório da Academia Nacional de Ciências, Engenharia e Medicina (dos Estados Unidos) concluiu que o aquecimento global causado pelo homem já estava alterando os padrões de alguns eventos climáticos extremos. Entretanto, o relatório não abordou a implicação mais ampla – a de que a alteração dos padrões naturais poderá atingir bem mais que eventos climáticos extremos, e apresentar impactos muito mais abrangentes em outras áreas.

O fundamento do nosso conhecimento sobre o planeta deve-se, em grande parte, às observações históricas da dinâmica dos padrões dos ambientes naturais em terra, no mar e no ar, e do comportamento dos animais que os ocupam e são usados como recursos pelo homem. E esse conhecimento tem sido fundamental para todos os avanços socioeconômicos alcançados até aqui pela raça humana.

Desde os primórdios, o homem tem monitorado os padrões e a dinâmica da natureza e passa conhecimentos aperfeiçoados sobre a caça e a agricultura para as novas gerações. A ciência acelerou esse processo de conhecimento por meio do emprego de métodos de observações avançados e técnicas de descoberta de padrões. Graças a isso, na atualidade tem sido possível antecipar o futuro com uma consistência inimaginável para os nossos ancestrais.

Mas na medida em que o nosso planeta se aquece, o nosso entendimento histórico sobre os padrões naturais vigentes se tornará obsoleto e entrará em desuso muito mais rapidamente do que novos conhecimentos que vierem a ser desenvolvidos para substitui-lo. Alguns padrões mudarão de forma significativa. Outros permanecerão, em grande parte, inalterados, embora vá ser difícil dizer o que mudará, em que intensidade e quando.

A lista das desordens naturais que poderão acontecer é longa e alarmante. Poderemos ver mudanças na prevalência de doenças em humanos e em cultivos agrícolas, como as pragas de gafanhotos desencadeadas por ocasião de secas, frequentes incêndios florestais, alterações na dinâmica predador-presa na cadeia alimentar na natureza, dificuldades para identificar, de forma confiável, terras potencialmente cultiváveis e sua possível produtividade, assim como prever a produção resultante das atividades agrícolas.

[artigo continua]

*Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo, pesquisador do INPA/Parque Zoobotânico da UFAC e Docente do Curso de Mestrado em Ciências Florestais da UFAC.

** Foster Brown, pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) da Universidade Federal do Acre (UFAC). Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA).