VIVEREMOS UMA NOVA ‘IDADE NEGRA’ DO CONHECIMENTO SOBRE O PLANETA? (I)
Evandro
Ferreira* e Foster Brown**

Com
o auxílio do Dr. Foster Brown, apresentamos uma tradução desse artigo (com
pequenas e necessárias adições de texto para facilitar a compreensão) para que
os leitores de A Gazeta possam se inteirar de um tópico que vem ganhando cada
vez mais corpo no meio científico mundial. A parte inicial do artigo de William
B. Gail é apresentada a seguir.
“Uma nova idade das
trevas se aproxima” [primeira parte]
Imaginem
um futuro no qual o conhecimento humano acumulado sobre o nosso planeta se
torne cada vez mais obsoleto. Imaginem o nosso avançado conhecimento sobre as
tendências meteorológicas do planeta, sobre os padrões de migração e de desova
dos peixes, sobre a polinização das plantas e muito outros, acumulados ao longo
de centenas de anos de coletas e análises de informações, passando a ter um
valor marginal com o passar do tempo e, progressivamente, sendo cada vez menos
efetivos como guia para o nosso futuro? Quando isso se concretizar, a
civilização entrará em uma idade das trevas no que concerne ao conhecimento
prático que tem sobre o planeta que ela habita.
Para
compreender como isso poderia acontecer, imagine-se vivendo no período em que
seu neto, já adulto, irá viver daqui a 100 anos. Nessa ocasião o aquecimento
global previsto pelos cientistas realmente aconteceu de forma significativa e
os padrões repetitivos e de longa data observados na natureza, usados durante
milênios pela humanidade para planejar de tudo, da infraestrutura à
agricultura, não são mais tão previsíveis. Ciclos que tinham sido
consistentemente imutáveis ao longo da história humana moderna foram
interrompidos por mudanças substanciais na temperatura e precipitação por todo
o planeta.
Nesse
futuro, na medida em que o aquecimento do planeta se estabilizar, novos padrões
começarão a aparecer. Inicialmente eles serão confusos e difíceis de
identificar. Os cientistas observarão similaridades com padrões observados
quando o planeta emergiu da última idade do gelo, ocorrida há 11 mil anos
atrás. Esses novos padrões demandarão muitos anos – talvez décadas ou mais –
para se revelarem completamente, mesmo sendo monitorados com sofisticados
sistemas de observação.

Uma
idade das trevas como essa é algo possível de se concretizar. Um recente
relatório da Academia Nacional de Ciências, Engenharia e Medicina (dos Estados
Unidos) concluiu que o aquecimento global causado pelo homem já estava
alterando os padrões de alguns eventos climáticos extremos. Entretanto, o
relatório não abordou a implicação mais ampla – a de que a alteração dos
padrões naturais poderá atingir bem mais que eventos climáticos extremos, e
apresentar impactos muito mais abrangentes em outras áreas.
O
fundamento do nosso conhecimento sobre o planeta deve-se, em grande parte, às
observações históricas da dinâmica dos padrões dos ambientes naturais em terra,
no mar e no ar, e do comportamento dos animais que os ocupam e são usados como
recursos pelo homem. E esse conhecimento tem sido fundamental para todos os
avanços socioeconômicos alcançados até aqui pela raça humana.
Desde
os primórdios, o homem tem monitorado os padrões e a dinâmica da natureza e
passa conhecimentos aperfeiçoados sobre a caça e a agricultura para as novas
gerações. A ciência acelerou esse processo de conhecimento por meio do emprego
de métodos de observações avançados e técnicas de descoberta de padrões. Graças
a isso, na atualidade tem sido possível antecipar o futuro com uma consistência
inimaginável para os nossos ancestrais.
Mas
na medida em que o nosso planeta se aquece, o nosso entendimento histórico
sobre os padrões naturais vigentes se tornará obsoleto e entrará em desuso
muito mais rapidamente do que novos conhecimentos que vierem a ser
desenvolvidos para substitui-lo. Alguns padrões mudarão de forma significativa.
Outros permanecerão, em grande parte, inalterados, embora vá ser difícil dizer
o que mudará, em que intensidade e quando.
A
lista das desordens naturais que poderão acontecer é longa e alarmante.
Poderemos ver mudanças na prevalência de doenças em humanos e em cultivos
agrícolas, como as pragas de gafanhotos desencadeadas por ocasião de secas,
frequentes incêndios florestais, alterações na dinâmica predador-presa na cadeia
alimentar na natureza, dificuldades para identificar, de forma confiável,
terras potencialmente cultiváveis e sua possível produtividade, assim como
prever a produção resultante das atividades agrícolas.
[artigo
continua]
*Evandro
Ferreira é engenheiro agrônomo, pesquisador do INPA/Parque Zoobotânico da UFAC
e Docente do Curso de Mestrado em Ciências Florestais da UFAC.
**
Foster Brown, pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso
de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) da Universidade
Federal do Acre (UFAC). Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera
Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Riscos de
Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios
e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA).
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