A PRESENÇA DO BAMBU AFETA O POTENCIAL DE USO DE ESPÉCIES ‘NÃO MADEIREIRAS’ EXISTENTES NAS FLORESTAS ACREANAS?
Evandro Ferreira
Blog
Ambiente Acreano
No Acre
estima-se que 59% da cobertura vegetal apresentam o bambu (Guadua spp.) como o elemento principal ou
secundário do subosque das florestas nativas. No sudoeste da Amazônia, no
Brasil (Acre e Amazonas), Peru e Bolívia, florestas com bambu (dominante ou
não) ocupam 161.500 km².
A
longevidade do bambu nas florestas é estimada entre 27 e 28 anos e a extensão
média de cada bambuzal é de 330 km², mas alguns podem chegar a 2.750 km². A
floração e a frutificação do bambu acontecem uma única vez no seu ciclo de vida
e depois disso os bambuzais morrem.
As
principais espécies de bambu encontradas em nossas florestas são Guadua sarcocarpa e G.
weberbaueri. Ambas são rizomatosas, lenhosas e de hábito arborescente que
podem atingir 20 m de altura. Seus colmos, de início eretos, apoiam-se em
árvores escoras para chegar ao dossel florestal. Entretanto, o desenvolvimento
simultâneo de muitos colmos pode causar o tombamento das árvores escora e
resultar na abertura de clareiras sobre as quais os colmos maiores, agora sem
suporte, caem e formam uma massa que bloqueia a passagem da luz e suprime o
crescimento de outras árvores. A clareira aberta é então rapidamente ocupada
por colmos novos de bambu.
Esse ciclo
quase perpétuo de distúrbios no dossel florestal é uma das estratégias que os
bambus do sudoeste da Amazônia utilizam para ocupar de forma perene extensas
áreas florestais na região. Além disso, essa perenidade é favorecida pela
abertura de pequenas clareiras, decorrentes da queda natural de árvores e da
exploração madeireira, ou de áreas maiores, abertas por tempestades de ventos
intensas (até 140 km/h) que podem provocar a morte de até 500 milhões de
árvores.
Nas
florestas dominadas pelo bambu ocorre uma alteração na estrutura florestal,
especialmente nos estratos intermediários e no dossel. Além disso, essas
florestas apresentam menor densidade de árvores, com redução na área basal da
floresta entre 30 e 50%. Isso também provoca redução de 29 a 39% da biomassa
aérea da floresta, e de 30 e 50% do potencial de armazenamento de
carbono.
A presença
do bambu pode afetar o influxo de outras espécies arbóreas e enfraquecer a
habilidade competitiva daquelas com baixa capacidade de adaptação. A alteração
na composição florística pode reduzir em quase 40% o número de espécies e
reduzir a diversidade florística a ponto de as florestas com bambu serem
considerada uma das formações florestais menos diversas nos trópicos.
Apesar de as
florestas com bambu existentes no Acre apresentarem menores volumes exploráveis
de madeira e a sustentabilidade ambiental dessa exploração ser questionável, o
desenvolvimento de planos de exploração manejada nas mesmas não é raro.
Uma
avaliação da sustentabilidade da exploração madeireira manejada em floresta com
bambu no Acre verificou a ocorrência inicial de um rápido incremento da
biomassa aérea logo após a extração e um crescimento lento das espécies comerciais
exploradas. Os autores do estudo concluíram que a sustentabilidade da
exploração só seria possível combinando ciclos de corte mais curtos e em menor
intensidade, e rotação das espécies exploradas em cada ciclo.
A exploração
manejada de madeira em florestas com bambu no sudoeste da Amazônia enfrenta
dois grandes desafios: (i) a falta de regenerações mais desenvolvidas das
espécies a serem exploradas no futuro em razão da competição do bambu, e (ii) a
baixa densidade de árvores com diâmetro apropriado para a exploração atual.
Embora esses fatores limitem a exploração futura dessas florestas, o rápido
retorno financeiro resultante da venda da madeira parece ser determinante para
a exploração das florestas com bambu na região, especialmente entre proprietários
de pequenas áreas.
Diante
desses desafios, e considerando que a exploração visando unicamente a retirada
da madeira de florestas com bambu não parece ser sustentável se realizada
convencionalmente, é importante incentivar a realização de um manejo florestal
integrado de recursos madeireiros e não madeireiros.
Pesquisadores
observaram, em estudo realizado no Projeto de Assentamento Agroextrativista
Porto Dias, na região nordeste do estado do Acre, que florestas com bambu
apresentam grande diversidade de produtos florestais não madeireiros, muito dos
quais são utilizados pelos assentados que ali vivem, com destaque para a
Seringueira (Hevea brasiliensis), Castanha do Brasil (Bertholletia
excelsa), Cacau (Theobroma cacao) e açai (Euterpe precatoria).
O estudo
citado, entretanto, não avaliou de que forma a presença do bambu impacta a
ocorrência espontânea na floresta dessas e de outras espécies não madeireiras.
Essa informação é importante por que a exploração econômica dessas espécies
muitas vezes depende de sua ocorrência agrupada e em alta densidade na
floresta, da existência de técnicas e equipamentos adequados para a exploração
e processamento preliminar na floresta, e de formas viáveis de escoamento da
produção.
Portanto,
conhecer o impacto da presença do bambu sobre a ocorrência de espécies arbóreas
com potencial de uso não madeireiro é importante não apenas para determinar a
viabilidade da exploração econômica dessas espécies em conjunto com a retirada
da madeira, mas também para saber se a ocorrência de algumas delas é sendo
favorecida ou não pela presença do bambu.
Essa
descoberta pode conferir um potencial de exploração não madeireiro que na
atualidade parece não estar associado às florestas com bambu de nossa região. E
isso é muito importante para evitar a destruição dessas florestas depois que as
mesmas ficam desprovidas de seus recursos madeireiros. Especialmente as áreas
particulares que não fazem parte de APPs (Área de Proteção Permanente) ou de
Reservas Legais. Sem representar atrativo econômico para seus proprietários e
desprovidas de proteção legal, elas são candidatas de primeira hora para rápida
conversão em áreas para o desenvolvimento de atividades econômicas mais
rentáveis.
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