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22 abril 2006

AS CAPITAIS DO ACRE: A CIDADE E OS PODERES

PARTE 3

Maria Lucia Pires Menezes
Universidade Federal de Juiz de Fora

Nelson da Nobrega Fernandes
Universidade Federal Fluminense

A crise da borracha, a centralização da administração territorial e a mudança da capital para Rio Branco

A queda do preço da borracha veio acompanhando as crises políticas no Acre. Em 1920 uma nova organização territorial centraliza a administração: são extintos os departamentos e a administração territorial fica sob um único governo, quando Rio Branco passa a capital, sendo mantidos os 5 municípios: Rio Branco, Sena Madureira, Xapuri, Tarauacá e Cruzeiro do Sul.

As origens de Rio Branco, atualmente, a mais populosa cidade do Acre (com mais da metade da população do Estado), estão ligadas à fundação do seringal denominado Empresa, em 28 de dezembro de 1882, pelo seringalista cearense Neutel de Maia. A localidade cresceu às margens direita do rio. Em 1904, elevou-se à categoria de vila, ao tornar-se sede do departamento do Alto Acre. Em 1909, o governador Gabino Besouro, coronel da arma de Engenharia, toma medidas com o intuito de reordenação do uso do solo e expansão da área urbanizada. Pelas resoluções 9 e 10 de 13 de junho de 1909, foram estabelecidas as normas para a construção e urbanização do margem esquerda do rio e a permissão de loteamento e aforamento na parte antiga da aglomeração, que era considerada pelo governador como sede provisória da cidade (Cf. Guerra, 1955). Besouro se apossou das terras do seringal Empresa na margem esquerda, o que motivou uma demanda contra a União com ganho de causa para os demandantes, Com isto iniciou-se a urbanização da área e “inaugurou-se” a nova sede com o nome de Penápolis, em homenagem ao então presidente Afonso Pena. Em 1912 recebeu definitivamente a denominação de Rio Branco em homenagem ao chanceler brasileiro Barão do Rio Branco, tornando-se município no ano de 1913 e, em 1920, capital do governo do Acre. Em 1962, é elevada à posição de capital do estado. Cortada pelo rio Acre, que divide a cidade em duas partes – 1° e 2° distritos – Rio Branco é hoje o centro administrativo, econômico e cultural da região.

A cidade cresceu entre duas curvas do rio Acre, denominadas, na parte de cima, Volta da Empresa, e na de baixo, Igarapé da Judia.. Empresa foi o lugar onde as tropas de Plácido de Castro enfrentaram os bolivianos, estando seu nome ligado ao núcleo inicial constituído em área do seringal Empresa. Conforme citado, Penápolis surge por decisão oficial de transladar a sede para a outra margem do rio, a partir de novos loteamentos e implantação de obras e infra-estrutura, tornando-se pouco a pouco a cidade moderna e oficial da nova capital do Acre. Na antiga sede localizavam-se os correios, o comércio, as casa de diversão, os hotéis e as pequenas fábricas e sua população à época era maior do que a de Penápolis. Atualmente 1° e 2° distritos do município, Rio Branco e Empresa têm em comum uma histórica rivalidade, tendo atingido um dos momentos de auge nas revoltas autonomistas acreanas, quando Penápolis encabeçou um movimento sem contar com a solidariedade de Empresa.

A afirmação de Rio Branco como capital do Acre rendeu-lhe investimentos e promoções urbanas. (Cf. Costa, 1940). Já no final dos anos 20 contava a cidade com um quartel de polícia, mercado municipal e o palácio de governo, além da criação da agência do Banco do Brasil, o estádio do Rio Branco Football Club, a Inspetoria Agrícola Federal, o Instituto Histórico e Geográfico do Acre, O Tribunal de Apelação (transferido de Cruzeiro do Sul e Sena Madureira) , o Juízo Federal, a Santa Casa de Misericórdia, o Hospital dos Tuberculosos, a Estação Climatológica, o Aprendizado Agrícola, a Mesa das Rendas Federais, a Capitania dos Portos, grupos escolares e escolas isoladas. O governo de Hugo Ribeiro Carneiro (1927-30) foi marcado pelo esforço de fazer de Rio Branco uma vitrine que deveria figurar no contexto nacional. Segundo Bezerra (2005), Rio Branco na sua época foi a cidade espetáculo que procurava exprimir à população o "esplendor da civilidade". Civismo e desporto como espetáculos de dominação e controle ideológico se constituíram os seus mecanismos de invenção da cidade no Acre. No seu imaginário, a terra heróica merecia um povo enobrecido pelas virtudes cívicas e o vigor físico. (Idem)

O momento é imediato à instalação da queda nas exportações de borracha. A crise da borracha redesenha os fluxos econômicos na região, incentivando o intercâmbio comercial inter-regional face à falência das grandes casas aviadoras de Belém e Manaus, agora na mão de comerciantes sírio-libaneses. O contexto de crise econômica, o despovoamento dos vales e a nova centralidade administrativa, já que a verba de todos os municípios foram alocadas na capital, reforçaram a posição de Rio Branco como centro urbano mais importante do vale do rio Purus e de todo o Acre. Do ponto de vista da dinâmica da vida econômica, social e regional, a centralização administrativa em Rio Branco não solucionou a problemática do isolamento entre a capital e o seus municípios e tampouco torná-la o centro do mercado gomífero. As operações comerciais, os depósitos bancários, as ordens de pagamento do funcionalismo público, a educação secundária, os melhores recursos médicos-hospitalares ainda eram sediados em Manaus e Belém. Por outro lado, a crise econômica estabelece uma relação mais direta entre a cidade e sua área de influência imediata, representada pela organização dos seringais, o que veio a reforçar o mercado atacadista da cidade. A criação de toda a infra-estrutura necessária para o funcionamento do governo somente foi completada no Governo de Guiomard Santos (1946-1950). Em 1957, em projeto apresentado pelo então deputado José Guiomard dos Santos, o Território seria elevado à categoria de Estado, o que resultou na Lei n.º. 4.070, de 15 de junho de 1962, sancionada pelo então Presidente da República, João Goulart.

Rio Branco, quando alçada a condição de capital do governo acreano, e assim ser mantida, conforme resume e ilustra a combinação dos principais elementos de ordenação espacial presentes na história das cidades no Acre: o sítio, o seringal, o porto, a posição na rede hidrográfica e urbana e, fundamentalmente, a organização centralizadora do Estado nacional

Considerações Finais

As frentes de trabalho que se direcionaram para os altos vales dos rios Acre, Purus e Juruá em função da extração da borracha e do alto preço alcançado pelo látex no mercado exterior, ocuparam terras ainda não demarcadas e delimitadas entre Brasil, Bolívia e Peru. Inicialmente, a organização do trabalho redundou em formas espaciais necessárias a realização do extrativismo vegetal, ocupando as várzeas e se interiorizando pela terra firme. Os lugares que deram origem aos primeiros núcleos de povoamento estavam, portanto, ligados à combinação de elementos na divisão de trabalho da exploração gomífera. A maioria dos trabalhadores viviam no centro da mata recolhendo o látex, mas havia pontos de reunião do trabalhador e do patrão normalmente conhecido como “barracão” e instalações ligadas ao armazenamento de víveres, ferramentas, mercadorias e látex. A disputa entre bolivianos e brasileiros trouxe como conseqüência a necessidade de instalação do aparato coercitivo, através da administração civil, militar e fiscal. Porto Acre, Xapuri e Porto Valter exemplificam a importância do núcleo de povoamento e produção neste momento. Quando negociado o Tratado de Limites foi necessário ao Estado brasileiro legislar sobre a gestão do território e apetrechar as recentes vilas e povoados para o exercício da administração e fiscalização federal na região. A partir de presença do Estado federal passa a existir uma superposição de poderes e funções sobre tais lugares e, consequentemente, na medida em que a valorização da borracha impulsionasse a produção, fez-se necessário a oficialização de cidades no Acre. A sucessão de domínios, ora brasileiro, ora boliviano, ora peruano, incrementou sobremaneira o mercado de terras, porque a cada sucessão de domínio sucediam-se redivisões nas propriedades e posses dos seringais. Esses processos estão presentes na história das localidades acreanas, sobretudo, em Sena Madureira, Rio Branco, Xapuri e Cruzeiro do Sul.
A organização econômica, política e fiscal atreladas à geografia local vão desenhar uma rede de localidades nos vales e confluências de rios. As condições geomorfológicas nos interflúvios responsabilizou-se pelo isolamento entre os vales dos rios Purus e Juruá e a postura centralizadora do Estado geraram situações de enfrentamento entre o poder central e o poder regional-local, quando novamente as cidades serão os lugares onde se darão as disputas, agora não mais internacionais, mas regionalistas-autonomistas em prol da captura da renda e dos lucros da exportação da borracha.

A constituição de fato de uma rede urbana acreana, por sua vez, desafia ainda hoje a gestão do território. As novas formas de uso da terra re-articulam o espaço interno e aportam novas funções para a rede urbana. Politicamente, entende-se que a combinação da malha viária rodoviária e hidroviária atende à nova dinâmica econômica e a necessidade de neutralizar as tensões regionalistas nas duas principais bacias hidrográficas que ocupam a maior parte do território acreano.

Notas

1- O termo capital será aqui empregado como lugar elegido pelo poder para sediar a administração do território, podendo, portanto, remeter à sede provincial, departamental, municipal e/ou da unidade da federação (capital do território). No caso específico do Acre, a localidade sede ou capital, assume uma função geoestratégica para afirmação da soberania do Estado sobre a área.

2- Segundo Reis (2001) o governo boliviano transferiu plenos poderes ao Bolivian Syndicate , que operava como uma espécie de “chartered company” – companhias licenciadas de capital aberto, nos moldes das empresas colonialistas na África. A empresa possuía bandeira própria, força armada, frota mercante e de guerra. Economicamente seu objetivo era tributar, explorar e valorizar a produção de borracha.

3- Planta nativa, a seringueira escondia-se no emaranhado de outras árvores, igualmente nativas, obrigando o homem que saía no encalço da borracha a construir um verdadeiro labirinto, com trilhas em ziguezague na selva. Do seringal surgiu a figura humana do seringueiro, associado à planta para explorá-la. Seringueiro-patrão, beneficiário do crédito da casa aviadora, e seringueiro-extrator, aviado, por sua vez, do patrão. Um morando no barracão, sempre localizado à beira do rio, com aparências de domínio patriarcal, outro, na barraca, de construção tosca, no meio da selva. (De 1920 em diante usa-se o neologismo seringalista para designar o patrão.) Em:
http://turismobrasil.vilabol.uol.com.br/Acre.htm. Acessado em 11 de janeiro de 2005.

4 – Por este tratado ficou previsto a construção de uma ferrovia da Bolívia ao rio Madeira para escoamento da prata e do látex bolivianos. Quando do Tratado de Petrópolis, em 1903, o Brasil se comprometeu a construir a ferrovia. O magnata americano Percival Farquhar obtém a concessão do governo brasileiro para construir a ferrovia. Sua construção é uma verdadeira epopéia para vencer as dificuldades geográficas, as intempéries e um contingente de trabalhadores das mais diversas nacionalidades foi arregimentado pela concessionária. É contratada a empreiteira americana May, Jekyll & Randolph para concluir a obra. Em 1 de agosto de 1912, já no início da crise da borracha, a Madeira­Mamoré foi inaugurada, com 366 quilômetros de extensão ligando Porto Velho a Guajará-Mirim.

5 – O governo andino não via com bons olhos aquela arribada crescente dos brasileiros. Para os bolivianos, a situação praticamente repetia o que ocorrera na década de 1870 com a penetração de trabalhadores chilenos na área do Atacama atrás do salitre, fato gerador da Guerra do Pacífico (1879-1883), cuja conseqüência: a Bolívia, derrotada, perdeu a sua saída para o oceano Pacífico e seu isolamento e dependência em relação aos portos marítimos.

6 – Galvez era ex-secretário da Legação da Espanha junto aos governos da Sérvia e da Itália. Ocupando na ocasião um cargo no consulado boliviano, demitiu-se do mesmo e procurou demonstrar ao Governador do Amazonas, Ramalho Júnior, as graves conseqüências que, do ponto de vista fiscal, a perda da região acreana representava. Com a ajuda militar e financeira obtida junto a Ramalho Júnior, fundou, no interior da selva, a 14 de julho de 1899, o Estado independente do Acre, de efêmera duração, já que ele acabou sendo preso pelos próprios companheiros e recambiado para Manaus.

7 - O governo boliviano reassumiu o controle do Acre ocupando militarmente diversas localidades. O governo do Amazonas, com o firme objetivo de anexar o Acre ao seu estado, financiou uma expedição armada. Porém, a Expedição Floriano Peixoto, como era oficialmente chamada, foi composta por boêmios e profissionais liberais de Manaus, sem nenhuma experiência militar. O combate entre a Expedição dos Poetas – nome mais popular da iniciativa – e o exército boliviano aconteceu em 29 de dezembro de 1900, em Puerto Alonso, com a derrota dos poetas. Os boêmios voltaram corridos para Manaus. Em
http://www.senado.gov.br/web/senador/tiaovian/acre/historia.htm acessado em 7 de março de 2005.

8 - Filho, neto e bisneto de militares, José Plácido de Castro quando cadete participa da Revolução Federalista, na qual combateu pelos maragatos - denominação dos participantes da Revolução Federalista de 1893 no Rio Grande do Sul - , tendo chegado ao posto de Major. Terminada a revolução, não aceitou a incorporação ao exército, preferindo tentar a fortuna, na Amazônia.

9 - Sena Madureira foi palco de um desses "movimentos autonomistas" quando, em 1912, depuseram o Prefeito nomeado, coronel Tristão de Araripe, incendiaram o prédio da Prefeitura e estabeleceram um "governo revolucionário" sob o poder de uma junta governativa, que proclamou o Departamento do Alto Purus como Estado independente, permanecendo nessa condição durante 31dias, de 7 de maio a 8 de junho de 1912. No mesmo período surge no sul do Brasil a Guerra do Contestado, que implicou na disputa de territórios em Santa Catarina e Paraná por força da exploração de madeira, gado e erva-mate. Área também cobiçada pelo Grupo Farquhar (Brazil Railway Company) que vai apropriando-se do maior número de terras possíveis. Farquhar cria também a Souther Brazil Lumber and Colonization Co., que tinha por objetivo extrair a madeira da região e depois comercializá-la no Brasil e no exterior. Além disso, a empresa ganha também o direito de revender os terrenos desapropriados às margens da estrada de ferro. Esses terrenos seriam vendidos preferencialmente aos imigrantes estrangeiros que formavam suas colônias no sul do Brasil.

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