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26 maio 2007

JARINA: O MARFIM DAS BIOJÓIAS DA AMAZÔNIA (1)

Marcondes Lima da Costa, Suyanne Flávia Santos Rodrigues e Helmut Hohn (2)

Jarina é o nome da semente da palmeira de igual nome, a Phytelephas macrocarpa (Phyto = planta e elephas = elefante), encontrada no sudoeste e oeste da região amazônica, estendendo-se além das fronteiras brasileiras. Essa semente, em especial a sua amêndoa, que há muito tempo chama atenção por suas propriedades físicas similares às do marfim, é conhecida há mais de um século como marfim vegetal, sendo, hoje, considerada como substituto à altura do marfim animal. Sobre a produção na Amazônia ainda no início do século XX assim reporta Andrade (1937): "O Juruá já attingiu a exportação de 100.000 kgs, annualmente. Se o transporte fosse fácil, a exportação poderia subir a mais de 1.000.000 kgs. O rio Envira, sobretudo, é privilegiado em matéria de jarina". A jarina, era na época, empregada no fabrico de botões, tendo sido substituída pelo plástico logo após seu surgimento. No Brasil a última fábrica fechou nos anos 70.

A jarina em países vizinhos, como Peru, Colômbia e Equador, é empregada na produção de artefatos diversos e bijuterias, geralmente, bem aceitas no mercado internacional, por conta do fino acabamento. A jarina sempre foi apreciada pelos povos dos barrancos de rios, devido a sua palha resistente utilizada em coberturas, seus frutos como alimento e, quando secos, para o fabrico de carvão, sendo aplicado nos interiores de panelas de barro para lubrificá-los, um precursor do teflon. A palmeira também fornece palmito.

Nos anos 80, a jarina começou a ressurgir através de trabalhos de artistas isolados, no Acre, Amazonas e Rondônia, a bom exemplo o ourives César Farias, em Rio Branco, Acre, que começa a procurar nas sementes e madeiras a combinação ideal com os metais nobres, principalmente com a prata. Nos anos 90, o primeiro autor do presente artigo, participou do programa de implantação do Pólo Joalheiro do Pará e, após ter organizado cursos de especialização em gemologia na UFPa, onde as sementes em bijuterias, incluindo a jarina, foram temas de monografias, apresentou e ressaltou o seu potencial gemológico e apelo ecológico. Contudo a jarina precisou de apenas 8 anos para sair de sua aparente dormência de pouca importância (a semente apresenta elevada dormência natural) e retomar o seu lugar, agora um produto mais nobre, como uma gema orgânica. 2. A palmeira A palmeira jarina apresenta a seguinte taxonomia: Família: Palmae; Subfamília: Phytelephantoidae; Gênero: Phytelephas; Espécie: P. macrocarpa Ruiz & Pavon (Henderson et al., 1995). Ressalta-se que, tanto o gênero, quanto à espécie, têm os seguintes sinônimos: Elephantusia macrocarpa Ruiz & Pavon, Willd, Phytelephas microcarpa Ruiz & Pavon, Yarina microcarpa Ruiz & Pavon, O. F. Cook (Ferreira, 2006).

A Phytelephas macrocarpa tem, nas terras do Estado do Acre, as seguintes características botânicas e ecológicas (Ferreira, 2006): "Estipe: solitário ou raramente cespitoso; subterrâneo ou aéreo com até 1,5 m de comprimento levemente inclinado, com cicatrizes foliares salientes, coberto com bainhas de folhas persistentes no ápice, às vezes, envolvidas por fibras finas. Folhas: 14 a 17; pecíolo e bainha com 1,4 m de comprimento, a bainha fibrosa; raque 4,19 a 4,2 de comprimento; 57 ou 58 pinas lineares em cada lado da folha, mais ou menos arranjadas e dispostas em um mesmo plano. Inflorescência: fortemente dimorfa; inflorescência estaminada e pistilada intrafoliar. Flores estaminadas sésseis, densamente arranjadas na raque; sépalas e pétalas reduzidas em obscuras bractéolas. Frutos: com até 9 cm de comprimento, formando uma massa mais ou menos globosa no ápice da raque; 4 a 6 vezes angulosos- obdeltóide, com a superfície apical lenhosa. Sementes: várias por fruto."

A jarina (Figura 1.a) é uma palmeira de porte pequeno, alcançando até 5 metros de altura, acaule ou de caule curto, tronco grosso com numerosas raízes adventícias e flores de forte perfume (Ferreira, 2004). Produz cachos (Figura 1.b) de frutos drupáceos (Figura 1.c), que contêm até 9 sementes (Figura 1.d). O crescimento da palmeira jarina é lento e uma árvore que apresente tronco de dois metros de altura tem pelo menos de 35 a 40 anos de idade. É comum encontrar indivíduos com mais de 100 anos de idade. É possível que os exemplares da Praça Plácido de Castro, em Rio Branco, no Estado do Acre, com tronco acima de 1 m tenham mais de 30 anos. Segundo Ferreira (2004), a germinação ocorre em 3 ou 4 anos, no entanto, em cultivo de quintal, na cidade de Rio Branco, Acre, observou-se que a semente germinou em um ano. A frutificação ocorre a partir do sétimo ano (Ferreira, 2004), porém, no experimento de quintal mencionado anteriormente, esta ocorreu a partir do quinto ano.

Distribuição geográfica e ambiente geológico

A palmeira jarina é endêmica do sudoeste e oeste da Amazônia. No Brasil é encontrada nos Estados de Rondônia, Acre e Amazonas e, também, na Bolívia, Peru, Colômbia e no Equador, chegando à América Central (Figura 2). Em terras brasileiras, a jarina desenvolve-se espontaneamente nas planícies de inundação, principalmente nas mais antigas, nos vales dos rios de água branca, destacando-se os rios Purus, Juruá e seus afluentes. Formam verdadeiro gregarismo, conhecido como jarinal. As planícies são formadas por sedimentos silto-argilosos, constituídos, além de quartzo, por minerais de argila 2:1 (esmectitas, illitas e micas brancas) e feldspatos. São sedimentos ricos em SiO2 e Al2O3, contendo, ainda, valores significativos de K2O, MgO e CaO. São pouco ácidos e relativamente férteis (Almeida, 2005). Também se desenvolvem ao longo de encostas de vales úmidos. São solos do tipo argissolos e cambissolos eutróficos. A jarina é uma palmeira umbrófila e, nessas planícies, está associada com o mulateiro, Calycolphylum spruceanum, típico desse ambiente, e bambus, entre outras espécies arbóreas e de palmae.

A semente e a amêndoa: o marfim vegetal

A palmeira frutifica uma vez ao ano, desenvolvendo de 6 a 8 cachos, que atingem o tamanho de uma cabeça humana adulta e chegam a pesar 10 kg. Os cachos de jarina tipo Acre são formados por até 9 frutos ou ouriços, os quais contêm em média 3 a 4 sementes. A semente tem um tegumento (casca) composto por três camadas, sendo a mais interior fortemente fixada à amêndoa e, em geral, preservada pelos artesãos, pois permite desenvolver belos trabalhos. A semente com casca tem forma triangulóide, com as três faces angulosas-obdeltóides, com superfície apical abaulada. A amêndoa guarda essa morfologia, embora tenda a apresentar um maior arredondamento. O núcleo normalmente é oco. O comprimento varia de 48,5 a 80 mm, a largura maior de 43 a 87,7 mm e a menor de 38,7 a 83 mm. A massa oscila entre 10 e 20 g, normalmente de 14 a 18 g, e a perda de massa por desidratação é de 1 a 4,5 %. Quando sem casca, as sementes pesam de 10 a 14 g. A perda de massa por desidratação não causa danos, como retração e fissuramento, na amêndoa.

Na jarina, o embrião ou amêndoa ocupa, praticamente, todo o interior da semente, que é um albúmen (endosperma) córneo, de constituição hemicelulose (polímero de pentoses), geralmente encontrada na terceira camada celular do endosperma. A cavidade central é irregular, ligeiramente trapezoedróide (Figura 3.a). Essa retração fica restrita a parte interior da amêndoa. A massa da semente madura (endosperma) é de cor branca com brilho característico muito semelhante ao marfim obtido de animais. A amêndoa é conhecida, internacionalmente, como ivory nut (inglês), tagua nut ou tagua (em áreas de influência norte-americanas), corozo (em áreas de influência britânicas), Steinnuss (alemão), binroji (japonês) e coquilla,nuez de tagua ou yarina (espanhol).

Características físicas e químicas da amêndoa

A amêndoa tem a cor branca marfínica, leitosa, o brilho sedoso do marfim, a dureza mediana (2,5 na escala de Mohs), igual índice de refração (1,54), densidade (1,43), no entanto mais baixa, quando comparada ao marfim de origem animal, não quebradiça, mas sensível ao calor e a certos fungos e insetos, principalmente a partir da cavidade central. Ao contrário do marfim animal deixa-se tingir facilmente. É formada de celulose (um carboidrato muito resistente, C6H10O5), segundo Leite (1993). É amorfa, enquanto o marfim animal é constituído por fosfatos e carbonatos de cálcio e magnésio, parcialmente cristalinos. Fluoresce levemente em tom azul-violáceo (Leite,1993).

A amêndoa é formada por finas camadas concêntricas (Figura 3.a) interrompidas apenas na região de influência do hilo. São camadas submilimétricas (Figura 3.b), alternando quase maciças com fibras, mais espessas. No todo, a amêndoa é fibro-radial e as fibras são perfeitamente delineáveis em imagens de MEV. Embora a amêndoa seja amorfa à difração de raios X, apresenta cristalitos de aluminossilicatos de Ca-K identificados por MEV/SED. A semente, no geral, tem SiO2 como o principal componente inorgânico, com vestígios de P (Tabela 1).

Beneficiamento e principais produtos

A coleta é feita na mata, no período de janeiro a junho, tanto do chão ou pela retirada dos cachos. O beneficiamento consiste de secagem da semente ao sol ou mesmo em estufa. Em seguida, faz-se o lixamento para remoção da casca interna, conforme o desejo do cliente, e, posteriormente, o polimento.

Da mesma forma, como muitos minerais-gemas e gemas orgânicas, a amêndoa de jarina, já incluída como gema orgânica, deixa-se modificar, principalmente, em sua coloração, através de tingimento com corantes sintéticos e naturais (Farias, 2005), de cozimento e/ou imersão em óleos e através da ação térmica, como pirógrafo e aquecimento, e, ainda, através de amadurecimento controlado e envelhecimento, graças a sua microporosidade. As tonalidades obtidas não mascaram a natureza marfínica da jarina e têm tido grande aceitação do público consumidor. Para o uso em biojóias, além dos melhoramentos citados anteriormente, normalmente as sementes são furadas e também são formatadas em fatias (slabs), cascalho e canutilhos ou tubinhos.

A amêndoa da jarina tem encontrado ampla aplicação em biojóias, miniesculturas e adereços em geral (Figura 4), sendo a mais expressiva, atualmente, as biojóias (colares, pulseiras, brincos e anéis). Ela é combinada com outras sementes como açaí, paxiúba e paxiubinha, madeiras e, mais recentemente, com prata e ouro (Farias, 2005). A combinação com minerais tem tido sucesso, mesmo sabendo da sobrevida mais curta da semente, variando entre 5 e 10 anos, em relação à sobrevida do mineral, que pode atingir milhões de anos. No Equador e em outros países vizinhos e da América Central, a jarina é empregada, principalmente, em miniesculturas, retratando animais da fauna regional. São trabalhos com grande aceitação no mercado internacional. No Brasil, as biojóias estão sendo produzidas, principalmente, nos Estados do Pará (Pólo Joalheiro), Amazonas (ofertada em shopping centers e no aeroporto internacional) e Acre, onde o mercado, nos últimos anos, vem se desenvolvendo rapidamente.

Conclusões

A jarina deve ser vista como uma gema orgânica, genuinamente da região Amazônica, estendendo-se além das fronteiras brasileiras. Seria rara, como são as gemas inorgânicas e mesmo orgânicas, mas tão-somente por ser apenas típica de uma única região, o sudoeste da Amazônia, a sua única "jazida". No entanto, a jarina pode ser cultivada, correspondendo no mundo de gemas minerais como uma "gema sintetizada". Suas jóias são bonitas e com preços acessíveis, mas, infelizmente, não têm vida longa.

A natureza endêmica da jarina mostra sua forte relação com as planícies de inundação de rios de água branca do sudoeste da Amazônia (Estados do Acre e Amazonas), as quais são formadas por sedimentos fluviais imaturos e férteis.

A cadeia produtiva é grande e a agregação de valor é enorme, pois uma semente coletada sai no campo ao custo de R$ 0,02 e um pequeno chaveiro entalhado em uma única semente é comercializado, em Rio Branco, a R$ 17,00, ou seja, um fator de agregação de valor superior a 500 vezes.

A jarina é, provavelmente, a semente mais nobre da Amazônia para uso em biojóias. Sua exploração se enquadra na política de desenvolvimento sustentável, entra como um substituto adequado ao marfim animal, podendo vir a coibir o comércio desses materiais. No entanto a exploração em larga escala da semente da jarina, sem um acompanhamento de manejo e mesmo de cultivo, pode trazer danos incalculáveis à reprodução e continuidade dos jarinais, cujo ambiente geológico é muito efêmero, restrito e frágil. Uma política de incentivos para o desenvolvimento de novos produtos, de conservação (longevidade) da jarina, e de combinação desta com pedras e gemas, poderá criar uma cadeia produtiva de alta qualidade e grande diferencial humano e de design, criando e projetando uma verdadeira atividade nobre na Amazônia.

Agradecimentos

Ao Basa pelo primeiro apoio financeiro, a Florestar (Família Profetto), a Comuflor, a NaturArte de Socorro Freias e a César Farias.

Referências bibliográficas

ALMEIDA, H. D. F. Mineralogia, geoquímica, fertilidade e origem dos sedimentos de praia (Barra em Pontal) das bacias dos rios Purus e Juruá no estado do Acre. Belém: Centro de Geociências/ Universidade Federal do Pará, 2005.153p. (Dissertação de Mestrado).

ANDRADE, O. Amazônia, esboço histórico, geographia physica, geographia humana e ethnographia do rio Juruá. Maceió: Off. Graph. Da Casa Ramalho, 1937. 160p.

FARIAS, C. A Peleja do Zé Jarina e técnicas de produção de biojóias em sementes da Amazônia. Rio Branco: Fundação Elias Mansour, 2005. 43p.

FERREIRA, M. G. R. Jarina, o marfim vegetal. Internet: http : //www.cpafro.embrapa.br/ embrapa /Artigos/jarina.html, 2004. 1p.

FERREIRA, E. L. Manual das palmeiras do Acre, Brasil. Rio Branco: Instituto Nacional Pesquisas/ Universidade Federal do Acre, 2006. 212p.

HENDERSON. A., GALENO. G., BERNAL, R. Field guide to the palms of the Americas, 3° ed. New Jercey: Princeton University Press, 1995. 236 a 238p. 352p.

LEITE, W. M. Marfim vegetal (Jarina). São Paulo: IBGM, 1993 (Nota Técnica).

(1) Originalmente publicado na revista Escola de Minas 59(4), Ouro Preto Out-Dez 2006.
(2) Autores:
- Marcondes Lima da Costa, CG/UFPa e Pesquisador CNPq. E-mail: mlc@ufpa.br
- Suyanne Flávia Santos Rodrigues, CG/UFPa e EN/UFPa. E-mail: suyanneflavia@hotmail.com
- Helmut Hohn, Autônomo. E-mail: hhohn@zipmail.com.br