O USO DOS PRODUTOS DE SENSORIAMENTO REMOTO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A TOMADA DE DECISÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ACRE (1)
Eduardo Cunha Duarte (2)
Meri Cristina do Amaral Gonçalves (2)
Patrícia de Amorim Rego (2)
(1) Originalmente publicado nos Anais do XIII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, realizado em Florianópolis-SC, entre os dias 21 e 26 abril de 2007.
(2) Ministério Público do Estado do Acre, Rua Marechal Deodoro, 472 – 69900-210 – Rio Branco – AC, Brasil.
1. Introdução
As populações tradicionais da Amazônia fazem uso do fogo, como pratica cultural para limpeza da terra que antecede o cultivo de uma lavoura de subsistência ou de uma pequena pastagem, a madeira é aproveitada em benfeitorias dentro da propriedade, em resumo, é criado um pequeno sistema produtivo que se retro alimenta.
Entretanto, com a expansão da fronteira agrícola, esse pequeno sistema tradicional entra em colapso e passa para uma condição onde os recursos naturais são explorados de forma superior a resiliência do sistema. Toma forma então o ciclo da exploração amazônica que segue os passos da exploração madeireira, grandes áreas de pastagens e em alguns estados a monocultura da soja, e mesmo com toda modernização da agroindústria, da indústria madeireira, a maior parte das áreas abertas são para o cultivo de pastagem, feita de forma tradicional: com o emprego do fogo devido ao baixo custo operacional.
Essa exploração abusiva dos recursos naturais combinado com a legislação ambiental que veio a regulamentar o artigo 225 da Constituição Federal, gerou um grande passivo ambiental, incrementado pela Medida Provisória n.º 2.166-67/01 que alterou o Código Florestal, aumentando o percentual da área de reserva legal na Amazônia de 50% para 80%.
Outro passivo presente em toda Amazônia é passivo o social gerado pela falência da economia extrativista da borracha, que deixou na floresta famílias que trabalhavam na extração do látex e assumiram a condição de posseiros.
O Ministério Público do Estado do Acre, enquanto órgão defensor dos interesses difusos, coletivos e sociais, vem aperfeiçoando a sua atuação junto à sociedade, tentando fazer frente à crescente demanda social do Estado. Entre as estratégias que vem sendo priorizadas para o aprimoramento institucional, destaca-se o planejamento interno, voltado para gestão da informação, e por constituir-se numa ferramenta indispensável para o processo de gestão pública.
A atuação do Ministério Público, na área ambiental, necessita fundamentalmente de informações geradas pelos órgãos executores da política ambiental acerca de suas ações não somente do licenciamento e da fiscalização, mas também emerge a necessidade de acompanhamento do monitoramento ambiental, instrumentalizando a tomada de decisão dos órgãos ministeriais envolvidos na área ambiental.
O objetivo desse trabalho é mostrar como o Ministério Público do Estado do Acre vem se apropriando de informações georreferenciadas e usando imagens de satélites para empoderar o seu processo de tomada de decisões em matéria ambiental, demonstrando como foram utilizadas em 2005 para subsidiar a instauração de procedimentos administrativos, e inquéritos civis para prevenir danos ambientais e para apuração da responsabilidade dos agentes causadores de alterações do uso no solo, em especial no tocante à suspensão do licenciamento ambiental para tais alterações havia sido suspenso por força de uma portaria interinstitucional dos órgãos ambientais no Estado, por recomendação do Ministério Público.
2. O uso de informações georreferenciadas para o processo de tomada de decisões
Para exercer sua função constitucional, o Ministério Público, com atuação na área ambiental, vem se apropriando do conhecimento cientifica para aplicá-lo na tomada de decisões. A modernização de técnicas de observação da terra e monitoramento da alteração do uso do solo são ferramentas atualmente indispensáveis à tomada de decisões das Promotorias de Defesa Ambiental.
A mudança na cobertura do solo na Amazônia é monitorada desde 1988 pelo satélite LANDSAT e tornou-se uma ferramenta fundamental para estimar com relativa precisão à área total desflorestada por ano Ferreira et al. (2005). Os dados analisados pelo INPE são disponibilizados anualmente pelo PRODES INPE (2006) e vêm sendo utilizado como parâmetro para elaboração de políticas públicas que visam desacelerar o aumento das áreas desflorestadas.
Outro sensor que vem sendo utilizado para estudos ambientais é o satélite NOAAAVHRR que fornece diariamente informações sobre focos de calor na região, espacializando os mesmo de uma forma prática.
Embora os dados do LANDSAT tenham uma boa resolução espacial e sejam eficientes para quantificar mudanças na cobertura do solo, é disponibilizado somente uma vez no ano, impedindo assim a ação imediata que vise coibir os processos ilegais de desmatamento (Ferreira et al., 2005).
O uso de imagens de satélite e informações georreferenciadas vêm se consolidando aos poucos nas instituições que operam o direito, entretanto, ainda há muito a se avançar no domínio da ferramenta, razão pela qual se tem procurado investir na capacitação de operadores de direito quanto a esta temática.
3. O caso das queimadas no ano de 2005
A tradição do fogo para limpeza de áreas pré-cultivo, limpeza de pastagem vem aumentando proporcionalmente o numero de focos de calor no Estado do Acre, com uma forte tendência para o leste acreano. No ano de 2005, combinados com os crescentes focos de calor e condições climáticas, o Acre viveu uma de suas piores crises ambientais da história. O acumulo de fumaça no ar elevou aos picos máximos. Diante desse fato o Ministério Público Estadual em conjunto com o Ministério Público Federal recomendou em 16 de agosto de 2005 aos órgãos de meio ambiente (IMAC e IBAMA) que suspendessem as licenças ambientais para desmate e queima já emitidas e também a emissão de novas licenças para essa atividade.
Todas as informações foram contidas nos autos da Investigação Preliminar nº 18/2005, instaurada no âmbito da Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público do Estado do Acre que em decorrência da situação de extrema gravidade pela qual passou o Estado do Acre no ano de 2005, resultado das condições climáticas adversas, favorecendo a disseminação do fogo em áreas onde ocorreu a prática de queimadas e, por conseguinte, o descontrole total do fogo, provocando danos ambientais objetivos patrimoniais e extrapatrimoniais para a sociedade, afetando a saúde e a segurança públicas e a economia do Estado.
Devido a gravidade da situação, o Governo do Estado declarou, através do Decreto nº 12.849, de 21.09.2005, em situação de emergência as áreas dos municípios acreanos de Acrelândia, Bujari, Capixaba, Plácido de Castro, Porto Acre, Rio Branco, Senador Guiomard, Assis Brasil, Brasiléia, Epitaciolândia, Xapuri e Sena Madureira, situados no leste do Estado, afetadas por incêndios florestais e poluição decorrente das queimadas.
Um dos impactos ecológicos mais importantes dos fogos na floresta talvez seja o aumento da probabilidade do fogo tornar-se uma característica permanente, a estrutura da floresta é modificada, havendo um aumento da população de espécies tolerantes ao fogo (Ferreira et al., 2005).
Diante deste quadro e considerando o papel constitucional do Ministério Público de fiscalizar o cumprimento da Lei e de defender os interesses da sociedade e, tendo em vista ainda a possibilidade de agravamento da situação no ano de 2006, o Ministério Público do Estado do Acre tomou a iniciativa de criar o Grupo de Trabalho de Prevenção e Combate às Queimadas e Incêndios Florestais, composto pelas cinco Promotorias de Meio Ambiente por Bacia Hidrográfica – Alto Acre, Baixo Acre, Purus, Tarauacá-Envira e Juruá – responsável pelo planejamento e a execução das ações institucionais para o combate e prevenção de queimadas em todo o Estado, devendo, para tanto, apurar a responsabilidade civil e criminal pelos danos materializados em 2005, visando a sua devida reparação, bem como adotar as medidas judiciais e extrajudiciais necessárias à prevenção de futuros e novos danos à saúde humana e ao meio ambiente, decorrentes da prática das queimadas.
Duas outras Recomendações foram expedidas em junho e julho pelo Ministério Público, que recomendou também aos municípios do Baixo e Alto Acre e Sena Madureira a criação e instalação de suas Coordenadorias Municipais de Defesa Civil, com o apoio do IMAC, IBAMA e Corpo de Bombeiros, dotadas de capacidade técnica e operacional para agir, caso seja necessário, nos meses em que se praticam as queimadas no Estado. Criadas as Coordenadorias Municipais, as Prefeituras deveriam elaborar um Plano Municipal de Combate a Incêndios, adequando-os à realidade de cada município, com medidas urgentes a serem adotadas em caso de incêndios. Outra medida recomendada é que fosse realizada uma ampla campanha publicitária contendo orientações à população rural e urbana, sobre os riscos e perigos decorrentes da realização de queimadas.
No decorrer desses dois anos a instituição vem se deparado com uma nova tecnologia que vem aos poucos sendo internalizada para adoção de medidas judiciais e extrajudiciais. Entretanto essas medidas são de grande impacto para a sociedade e carecem ser bem fundamentadas, e, alguns problemas podem ser listados no manuseio dos produtos de sensoriamento remoto como ferramenta para subsidiar as tomadas de decisões, destacadamente referente aos procedimentos dos eventos de 2005.
As informações que chegaram do IMAC foram de maneira fragmentada no tocante a identificação dos proprietários, muito se deve ainda a não interligação das bases entre os demais órgãos do Estado que lidam com a questão fundiária, para contornar esse problema foi necessária uma verificação na base de dados do Instituto de Terra do Estado do Acre. Outro problema foi quanto a precisão das informações, uma vez que o próprio IMAC, responsável pelas informações, atestou a necessidade de uma verificação de campo, mas do que necessária para certificação das informações prestadas.
A equipe técnica do Ministério Público que trabalhou as informações também sofreu com a carência de capacitação técnica, equipamentos e uma base de dados atualizadas para que pudesse acompanhar e discutir as informações que os demais órgãos que lidam diretamento
com esse tipo de tecnologia e forneceram as informações.
Por fim, viu-se a necessidade clara de capacitar a equipe da instituição para que doravante os trabalhos fossem acompanhados sem que surgissem duvidas técnicas, com isso demanda-se a capacitação técnica já em andamento.
4. Os produtos de Sensoriamento Remoto e o monitoramento de queimadas
O Ministério Público do Estado do Acre, faz uso das informações do INPE, de monitoramento de queimadas INPE (2006) no intuito de localizar as regiões que demandam maior atenção das ações fiscalizadoras na intenção de otimizar os esforços. Apoiado em outras informações de Instituições locais, como o Instituto de Meio Ambiente do Estado do Acre –IMAC é possível melhor espacializar as informações e localizar os infratores, seja através de sobrevôos nas áreas anteriormente observadas pelo PRODES, seja por meio de trabalho de campo ou até mesmo por sobreposição dos focos de calor e áreas alteradas nas propriedades já cadastradas pelo Sistema de Licenciamento Ambiental de Propriedades Rurais do Estado do Acre.
O gráfico 1 ao lado nos mostra que apesar dos eventos de queimas descontroladas ocorridos em 2005, as Promotorias de Meio Ambiente das Bacias Hidrográficas do Tarauacá/Envira e Juruá tem que estarem mais alerta, pois a tendência de aumento de queimadas é para essas regiões, apesar de que, em números relativos, a maior parte dos focos de calor concentram-se no leste acreano, onde as ações já desenvolvidas começam a surtir efeitos, conforme demonstram os índices.
A composição de séries temporais de imagens de satélite também é utilizada para subsidiar procedimentos administrativos e determinar as alterações históricas de uso do solo e assim verificar o passivo ambiental das propriedades rurais quanto à composição da área de reserva legal, áreas de preservação permanente, a fim de que a propriedade cumpra sua função social exigida pela Constituição Federal.
Contudo, alguns procedimentos exigem produtos mais elaborados que não demandam tão somente uma busca nas informações disponíveis na internet ou trabalho de campo, mas análises com classificação de imagens de satélites e sobreposição das imagens em bases de dados como o Zoneamento Econômico Ecológico do Estado do Acre e o Sistema de Licenciamento Ambiental de Propriedades de Rurais do Estado do Acre. Quando tais produtos são necessários há uma soma de esforços entre os Institutos de Terras e de Meio Ambiente do Estado do Acre - ITERACRE e IMAC e da Fundação de Tecnologia do Estado do Acre, FUNTAC.
Nos anos de 2005 e 2006, tais informações subsidiaram a Investigação Preliminar 018/2005 da Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente, Conflitos Agrários, Urbanismo e do Patrimônio Histórico e Cultural, que trata da problemática das queimadas no Estado do Acre, bem como os Inquéritos Civis e os procedimentos criminais levados a efeitos pelas Promotorias de Justiça de Meio Ambiente, que no Estado do Acre, são em número de 05, compreendendo as bacias hidrográficas do Estado, visando apurar a responsabilidade civil e criminal dos eventos ocorridos relativos às queimas e desmatamento ilegais, foram instaraudos cerca de 105 inquéritos civis pelas Promotorias de Justiça de Meio Ambiente e criminais pela Delegacia Especializada de Meio Ambiente.
Os autos quando encaminhados ao Ministério Público, são analisados pela equipe jurídica da Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente e posteriormente enviados aos Promotores e Promotoras de Justiça de Meio Ambiente para que esses façam os encaminhados cabíveis, a maior parte deles são judicializados nos Juizados Especiais Criminais por serem de pequeno potencial ofensivo, determinado pelo valor da pena prevista em lei inferior a dois anos de reclusão.
Na parte civil, referente a recomposição do dano ambiental é firmado um ajustamento de conduta entre o Ministério Público do Estado do Acre, através das Promotorias de justiça de Meio Ambiente de cada Bacia Hidrográfica e infrator onde esse se compromete a reparar o dano causado. Ao todo foram encaminhados 521 Autos de Infração Ambientais (Tab. 1).
Foram ainda, tais informações que subsidiaram o Ministério Público do Estado do Acre a recomendar aos órgãos de meio ambiente a proibição de queimadas no Estado em 2006 para quaisquer atividades econômicas, excetuada a queima controlada para agricultura de subsistência em áreas não superior a 1 hectare que embora tolerada, foi suspenso o licenciamento até outubro de 2006. Com efeito, tal decisão foi tomada a partir da analise temporal de focos de calor, analises das condições climáticas disponíveis no IMET INPE (2006) e da classificação e quantificação feita pela FUNTAC em parceria com o UFAC/PZ/SETEM das áreas de atingidas pelo fogo em 2005.
Com efeito, as recomendações expedidas em junho e julho pelo Ministério Público Estadual aos órgãos ambientais (IMAC e IBAMA) para suspensão das atividades de licenciamento de desmate e queima até outubro de 2006, visando resguardar a qualidade ambiental, em face dos eventos transcorridos durante os meses de julho a outubro de 2005 quando as queimadas ocorridas no leste acreano fugiram ao controle dos produtores e autoridades causando prejuízos econômicos e ambientais, foram subsidiadas por um misto de informações de satélites, de observação de quantidade de focos de calor, meteorológicas de quantidade e distribuição de chuvas, classificação de imagens LANDSAT modelando as áreas de florestas afetadas pelo fogo, qualidade do ar, quantidade de partículas poluentes em suspensão.
Figura 1 – Produtos fornecedidos ao Ministério Público do Estado do Acre das áreas de Floresta com Copa Afetada e Áreas abertas em 2005.
As áreas em questão são aquelas que foram afetadas pelo fogo em 2005, essas áreas demandam atenção especial porque tiveram sua estrutura modificada e são caracterizadas doravante como áreas de risco de incêndio. Os questionamentos que surgem a partir dessa constatação é: até quando essas áreas vão estar fragilizadas?; quando não poderam ser mais considerado o risco iminente de fogo? Essas infirmações são indispensáveis para formulação de políticas públicas futuras e a instituição aguarda um posicionamento da comunidade acadêmica para subsidiar essa decisão.
5. Conclusões
• Os produtos de sensoriamento remoto são importantes ferramentas que vêm subsidiando o processo de tomada de decisões no Ministério Público do Estado do Acre;
• Os produtos que foram listados foram e serão fundamentais para quantificar e localizar os eventos ocorridos no ano de 2005 e 2006;
• A margem de erro das informações fornecidas é potencialmente questionável em juízo;
• A falta de unificação das bases de dados prejudicou a apuração dos responsáveis pelos danos;
• Capacitar os tomadores de decisão para o manuseio dos produtos de Sensoriamento Remoto é fundamental para eficácia da ferramenta;
• O empoderamento da instituição Ministério Público tornou mais célere a punição dos responsáveis por danos ambientais causados por uso indevido do fogo.
6. Referências
Ferreira, D. A. C.; Trancoso R.; Noguera, S. P.; Filho, A. C.. O uso dos focos de calor imageados pelo satélite NOAA-AVHRR para identificação das áreas em processo de desflorestamento. In: Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto (SBSR), 12., 2005, Goiânia. Anais... São José dos Campos: INPE, 2005. Artigos, p. 2145-2152. CD-ROM, On-line. ISBN 85-17-00018-8. Disponível em:. Acesso em: 06 out. 2006.
Dias, N. W.. Constribuições do sensoriamento remoto para a compreensão da complexidade ambiental. In: Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto (SBSR), 12., 2005, Goiânia. Anais... São José dos Campos: INPE, 2005. Artigos, p. 2949-2956. CD-ROM, On-line. ISBN 85-17-00018-8. Disponível em: . Acesso em: 06 out. 2006.
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais INPE, Monitoramento de Queimadas. Disponível em : . Acesso em: 06 out. 2006.
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais INPE Projeto Prodes de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite. Disponível em: . Acesso em: 06 out. 2006.
Eduardo Cunha Duarte (2)
Meri Cristina do Amaral Gonçalves (2)
Patrícia de Amorim Rego (2)
(1) Originalmente publicado nos Anais do XIII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, realizado em Florianópolis-SC, entre os dias 21 e 26 abril de 2007.
(2) Ministério Público do Estado do Acre, Rua Marechal Deodoro, 472 – 69900-210 – Rio Branco – AC, Brasil.
1. Introdução
As populações tradicionais da Amazônia fazem uso do fogo, como pratica cultural para limpeza da terra que antecede o cultivo de uma lavoura de subsistência ou de uma pequena pastagem, a madeira é aproveitada em benfeitorias dentro da propriedade, em resumo, é criado um pequeno sistema produtivo que se retro alimenta.
Entretanto, com a expansão da fronteira agrícola, esse pequeno sistema tradicional entra em colapso e passa para uma condição onde os recursos naturais são explorados de forma superior a resiliência do sistema. Toma forma então o ciclo da exploração amazônica que segue os passos da exploração madeireira, grandes áreas de pastagens e em alguns estados a monocultura da soja, e mesmo com toda modernização da agroindústria, da indústria madeireira, a maior parte das áreas abertas são para o cultivo de pastagem, feita de forma tradicional: com o emprego do fogo devido ao baixo custo operacional.
Essa exploração abusiva dos recursos naturais combinado com a legislação ambiental que veio a regulamentar o artigo 225 da Constituição Federal, gerou um grande passivo ambiental, incrementado pela Medida Provisória n.º 2.166-67/01 que alterou o Código Florestal, aumentando o percentual da área de reserva legal na Amazônia de 50% para 80%.
Outro passivo presente em toda Amazônia é passivo o social gerado pela falência da economia extrativista da borracha, que deixou na floresta famílias que trabalhavam na extração do látex e assumiram a condição de posseiros.
O Ministério Público do Estado do Acre, enquanto órgão defensor dos interesses difusos, coletivos e sociais, vem aperfeiçoando a sua atuação junto à sociedade, tentando fazer frente à crescente demanda social do Estado. Entre as estratégias que vem sendo priorizadas para o aprimoramento institucional, destaca-se o planejamento interno, voltado para gestão da informação, e por constituir-se numa ferramenta indispensável para o processo de gestão pública.
A atuação do Ministério Público, na área ambiental, necessita fundamentalmente de informações geradas pelos órgãos executores da política ambiental acerca de suas ações não somente do licenciamento e da fiscalização, mas também emerge a necessidade de acompanhamento do monitoramento ambiental, instrumentalizando a tomada de decisão dos órgãos ministeriais envolvidos na área ambiental.
O objetivo desse trabalho é mostrar como o Ministério Público do Estado do Acre vem se apropriando de informações georreferenciadas e usando imagens de satélites para empoderar o seu processo de tomada de decisões em matéria ambiental, demonstrando como foram utilizadas em 2005 para subsidiar a instauração de procedimentos administrativos, e inquéritos civis para prevenir danos ambientais e para apuração da responsabilidade dos agentes causadores de alterações do uso no solo, em especial no tocante à suspensão do licenciamento ambiental para tais alterações havia sido suspenso por força de uma portaria interinstitucional dos órgãos ambientais no Estado, por recomendação do Ministério Público.
2. O uso de informações georreferenciadas para o processo de tomada de decisões
Para exercer sua função constitucional, o Ministério Público, com atuação na área ambiental, vem se apropriando do conhecimento cientifica para aplicá-lo na tomada de decisões. A modernização de técnicas de observação da terra e monitoramento da alteração do uso do solo são ferramentas atualmente indispensáveis à tomada de decisões das Promotorias de Defesa Ambiental.
A mudança na cobertura do solo na Amazônia é monitorada desde 1988 pelo satélite LANDSAT e tornou-se uma ferramenta fundamental para estimar com relativa precisão à área total desflorestada por ano Ferreira et al. (2005). Os dados analisados pelo INPE são disponibilizados anualmente pelo PRODES INPE (2006) e vêm sendo utilizado como parâmetro para elaboração de políticas públicas que visam desacelerar o aumento das áreas desflorestadas.
Outro sensor que vem sendo utilizado para estudos ambientais é o satélite NOAAAVHRR que fornece diariamente informações sobre focos de calor na região, espacializando os mesmo de uma forma prática.
Embora os dados do LANDSAT tenham uma boa resolução espacial e sejam eficientes para quantificar mudanças na cobertura do solo, é disponibilizado somente uma vez no ano, impedindo assim a ação imediata que vise coibir os processos ilegais de desmatamento (Ferreira et al., 2005).
O uso de imagens de satélite e informações georreferenciadas vêm se consolidando aos poucos nas instituições que operam o direito, entretanto, ainda há muito a se avançar no domínio da ferramenta, razão pela qual se tem procurado investir na capacitação de operadores de direito quanto a esta temática.
3. O caso das queimadas no ano de 2005
A tradição do fogo para limpeza de áreas pré-cultivo, limpeza de pastagem vem aumentando proporcionalmente o numero de focos de calor no Estado do Acre, com uma forte tendência para o leste acreano. No ano de 2005, combinados com os crescentes focos de calor e condições climáticas, o Acre viveu uma de suas piores crises ambientais da história. O acumulo de fumaça no ar elevou aos picos máximos. Diante desse fato o Ministério Público Estadual em conjunto com o Ministério Público Federal recomendou em 16 de agosto de 2005 aos órgãos de meio ambiente (IMAC e IBAMA) que suspendessem as licenças ambientais para desmate e queima já emitidas e também a emissão de novas licenças para essa atividade.
Todas as informações foram contidas nos autos da Investigação Preliminar nº 18/2005, instaurada no âmbito da Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público do Estado do Acre que em decorrência da situação de extrema gravidade pela qual passou o Estado do Acre no ano de 2005, resultado das condições climáticas adversas, favorecendo a disseminação do fogo em áreas onde ocorreu a prática de queimadas e, por conseguinte, o descontrole total do fogo, provocando danos ambientais objetivos patrimoniais e extrapatrimoniais para a sociedade, afetando a saúde e a segurança públicas e a economia do Estado.
Devido a gravidade da situação, o Governo do Estado declarou, através do Decreto nº 12.849, de 21.09.2005, em situação de emergência as áreas dos municípios acreanos de Acrelândia, Bujari, Capixaba, Plácido de Castro, Porto Acre, Rio Branco, Senador Guiomard, Assis Brasil, Brasiléia, Epitaciolândia, Xapuri e Sena Madureira, situados no leste do Estado, afetadas por incêndios florestais e poluição decorrente das queimadas.
Um dos impactos ecológicos mais importantes dos fogos na floresta talvez seja o aumento da probabilidade do fogo tornar-se uma característica permanente, a estrutura da floresta é modificada, havendo um aumento da população de espécies tolerantes ao fogo (Ferreira et al., 2005).
Diante deste quadro e considerando o papel constitucional do Ministério Público de fiscalizar o cumprimento da Lei e de defender os interesses da sociedade e, tendo em vista ainda a possibilidade de agravamento da situação no ano de 2006, o Ministério Público do Estado do Acre tomou a iniciativa de criar o Grupo de Trabalho de Prevenção e Combate às Queimadas e Incêndios Florestais, composto pelas cinco Promotorias de Meio Ambiente por Bacia Hidrográfica – Alto Acre, Baixo Acre, Purus, Tarauacá-Envira e Juruá – responsável pelo planejamento e a execução das ações institucionais para o combate e prevenção de queimadas em todo o Estado, devendo, para tanto, apurar a responsabilidade civil e criminal pelos danos materializados em 2005, visando a sua devida reparação, bem como adotar as medidas judiciais e extrajudiciais necessárias à prevenção de futuros e novos danos à saúde humana e ao meio ambiente, decorrentes da prática das queimadas.
Duas outras Recomendações foram expedidas em junho e julho pelo Ministério Público, que recomendou também aos municípios do Baixo e Alto Acre e Sena Madureira a criação e instalação de suas Coordenadorias Municipais de Defesa Civil, com o apoio do IMAC, IBAMA e Corpo de Bombeiros, dotadas de capacidade técnica e operacional para agir, caso seja necessário, nos meses em que se praticam as queimadas no Estado. Criadas as Coordenadorias Municipais, as Prefeituras deveriam elaborar um Plano Municipal de Combate a Incêndios, adequando-os à realidade de cada município, com medidas urgentes a serem adotadas em caso de incêndios. Outra medida recomendada é que fosse realizada uma ampla campanha publicitária contendo orientações à população rural e urbana, sobre os riscos e perigos decorrentes da realização de queimadas.
No decorrer desses dois anos a instituição vem se deparado com uma nova tecnologia que vem aos poucos sendo internalizada para adoção de medidas judiciais e extrajudiciais. Entretanto essas medidas são de grande impacto para a sociedade e carecem ser bem fundamentadas, e, alguns problemas podem ser listados no manuseio dos produtos de sensoriamento remoto como ferramenta para subsidiar as tomadas de decisões, destacadamente referente aos procedimentos dos eventos de 2005.
As informações que chegaram do IMAC foram de maneira fragmentada no tocante a identificação dos proprietários, muito se deve ainda a não interligação das bases entre os demais órgãos do Estado que lidam com a questão fundiária, para contornar esse problema foi necessária uma verificação na base de dados do Instituto de Terra do Estado do Acre. Outro problema foi quanto a precisão das informações, uma vez que o próprio IMAC, responsável pelas informações, atestou a necessidade de uma verificação de campo, mas do que necessária para certificação das informações prestadas.
A equipe técnica do Ministério Público que trabalhou as informações também sofreu com a carência de capacitação técnica, equipamentos e uma base de dados atualizadas para que pudesse acompanhar e discutir as informações que os demais órgãos que lidam diretamento
com esse tipo de tecnologia e forneceram as informações.
Por fim, viu-se a necessidade clara de capacitar a equipe da instituição para que doravante os trabalhos fossem acompanhados sem que surgissem duvidas técnicas, com isso demanda-se a capacitação técnica já em andamento.
4. Os produtos de Sensoriamento Remoto e o monitoramento de queimadas
O Ministério Público do Estado do Acre, faz uso das informações do INPE, de monitoramento de queimadas INPE (2006) no intuito de localizar as regiões que demandam maior atenção das ações fiscalizadoras na intenção de otimizar os esforços. Apoiado em outras informações de Instituições locais, como o Instituto de Meio Ambiente do Estado do Acre –IMAC é possível melhor espacializar as informações e localizar os infratores, seja através de sobrevôos nas áreas anteriormente observadas pelo PRODES, seja por meio de trabalho de campo ou até mesmo por sobreposição dos focos de calor e áreas alteradas nas propriedades já cadastradas pelo Sistema de Licenciamento Ambiental de Propriedades Rurais do Estado do Acre.
O gráfico 1 ao lado nos mostra que apesar dos eventos de queimas descontroladas ocorridos em 2005, as Promotorias de Meio Ambiente das Bacias Hidrográficas do Tarauacá/Envira e Juruá tem que estarem mais alerta, pois a tendência de aumento de queimadas é para essas regiões, apesar de que, em números relativos, a maior parte dos focos de calor concentram-se no leste acreano, onde as ações já desenvolvidas começam a surtir efeitos, conforme demonstram os índices.
A composição de séries temporais de imagens de satélite também é utilizada para subsidiar procedimentos administrativos e determinar as alterações históricas de uso do solo e assim verificar o passivo ambiental das propriedades rurais quanto à composição da área de reserva legal, áreas de preservação permanente, a fim de que a propriedade cumpra sua função social exigida pela Constituição Federal.
Contudo, alguns procedimentos exigem produtos mais elaborados que não demandam tão somente uma busca nas informações disponíveis na internet ou trabalho de campo, mas análises com classificação de imagens de satélites e sobreposição das imagens em bases de dados como o Zoneamento Econômico Ecológico do Estado do Acre e o Sistema de Licenciamento Ambiental de Propriedades de Rurais do Estado do Acre. Quando tais produtos são necessários há uma soma de esforços entre os Institutos de Terras e de Meio Ambiente do Estado do Acre - ITERACRE e IMAC e da Fundação de Tecnologia do Estado do Acre, FUNTAC.
Nos anos de 2005 e 2006, tais informações subsidiaram a Investigação Preliminar 018/2005 da Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente, Conflitos Agrários, Urbanismo e do Patrimônio Histórico e Cultural, que trata da problemática das queimadas no Estado do Acre, bem como os Inquéritos Civis e os procedimentos criminais levados a efeitos pelas Promotorias de Justiça de Meio Ambiente, que no Estado do Acre, são em número de 05, compreendendo as bacias hidrográficas do Estado, visando apurar a responsabilidade civil e criminal dos eventos ocorridos relativos às queimas e desmatamento ilegais, foram instaraudos cerca de 105 inquéritos civis pelas Promotorias de Justiça de Meio Ambiente e criminais pela Delegacia Especializada de Meio Ambiente.
Os autos quando encaminhados ao Ministério Público, são analisados pela equipe jurídica da Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente e posteriormente enviados aos Promotores e Promotoras de Justiça de Meio Ambiente para que esses façam os encaminhados cabíveis, a maior parte deles são judicializados nos Juizados Especiais Criminais por serem de pequeno potencial ofensivo, determinado pelo valor da pena prevista em lei inferior a dois anos de reclusão.
Na parte civil, referente a recomposição do dano ambiental é firmado um ajustamento de conduta entre o Ministério Público do Estado do Acre, através das Promotorias de justiça de Meio Ambiente de cada Bacia Hidrográfica e infrator onde esse se compromete a reparar o dano causado. Ao todo foram encaminhados 521 Autos de Infração Ambientais (Tab. 1).
Foram ainda, tais informações que subsidiaram o Ministério Público do Estado do Acre a recomendar aos órgãos de meio ambiente a proibição de queimadas no Estado em 2006 para quaisquer atividades econômicas, excetuada a queima controlada para agricultura de subsistência em áreas não superior a 1 hectare que embora tolerada, foi suspenso o licenciamento até outubro de 2006. Com efeito, tal decisão foi tomada a partir da analise temporal de focos de calor, analises das condições climáticas disponíveis no IMET INPE (2006) e da classificação e quantificação feita pela FUNTAC em parceria com o UFAC/PZ/SETEM das áreas de atingidas pelo fogo em 2005.
Com efeito, as recomendações expedidas em junho e julho pelo Ministério Público Estadual aos órgãos ambientais (IMAC e IBAMA) para suspensão das atividades de licenciamento de desmate e queima até outubro de 2006, visando resguardar a qualidade ambiental, em face dos eventos transcorridos durante os meses de julho a outubro de 2005 quando as queimadas ocorridas no leste acreano fugiram ao controle dos produtores e autoridades causando prejuízos econômicos e ambientais, foram subsidiadas por um misto de informações de satélites, de observação de quantidade de focos de calor, meteorológicas de quantidade e distribuição de chuvas, classificação de imagens LANDSAT modelando as áreas de florestas afetadas pelo fogo, qualidade do ar, quantidade de partículas poluentes em suspensão.
Figura 1 – Produtos fornecedidos ao Ministério Público do Estado do Acre das áreas de Floresta com Copa Afetada e Áreas abertas em 2005.
As áreas em questão são aquelas que foram afetadas pelo fogo em 2005, essas áreas demandam atenção especial porque tiveram sua estrutura modificada e são caracterizadas doravante como áreas de risco de incêndio. Os questionamentos que surgem a partir dessa constatação é: até quando essas áreas vão estar fragilizadas?; quando não poderam ser mais considerado o risco iminente de fogo? Essas infirmações são indispensáveis para formulação de políticas públicas futuras e a instituição aguarda um posicionamento da comunidade acadêmica para subsidiar essa decisão.
5. Conclusões
• Os produtos de sensoriamento remoto são importantes ferramentas que vêm subsidiando o processo de tomada de decisões no Ministério Público do Estado do Acre;
• Os produtos que foram listados foram e serão fundamentais para quantificar e localizar os eventos ocorridos no ano de 2005 e 2006;
• A margem de erro das informações fornecidas é potencialmente questionável em juízo;
• A falta de unificação das bases de dados prejudicou a apuração dos responsáveis pelos danos;
• Capacitar os tomadores de decisão para o manuseio dos produtos de Sensoriamento Remoto é fundamental para eficácia da ferramenta;
• O empoderamento da instituição Ministério Público tornou mais célere a punição dos responsáveis por danos ambientais causados por uso indevido do fogo.
6. Referências
Ferreira, D. A. C.; Trancoso R.; Noguera, S. P.; Filho, A. C.. O uso dos focos de calor imageados pelo satélite NOAA-AVHRR para identificação das áreas em processo de desflorestamento. In: Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto (SBSR), 12., 2005, Goiânia. Anais... São José dos Campos: INPE, 2005. Artigos, p. 2145-2152. CD-ROM, On-line. ISBN 85-17-00018-8. Disponível em:
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