EM PLENO SÉCULO 21, EUA CONVIVEM COM A PESTE QUE MATOU MILHÕES NA IDADE MÉDIA
Os Estados Unidos levaram o homem à Lua há quase 50 anos, mas americanos ainda morrem de uma doença que arrasou a Europa na Idade Média. Por que isso ocorre?
Da BBC Brasil
A chamada
peste negra causou cerca de 50 milhões de mortes na África, Ásia e Europa no
século 14. A epidemia dizimou metade da população europeia. O último surto em
Londres foi a Grande Praga de 1665, que matou um quinto dos moradores da
cidade. Depois houve uma pandemia na China e na Índia no século 19, que ceifou
mais de 12 milhões de vidas.
A doença,
contudo, não ficou relegada ao porão da história. Ainda é endêmica (mantida sem
necessidade de contaminação do exterior) em Madagascar, na República Democrática
do Congo e no Peru. E o mais surpreendente é que ela ainda mata pessoas nos
EUA.
Até o
momento há registros de 15 casos no país em 2015, com quatro mortes - ante uma
média de sete casos por ano neste século, segundo o Centro para Controle e
Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) do governo americano. A bactéria
responsável pela doença - Yersinia pestis - entrou nos EUA em 1900, por meio de
barcos a vapor infestados de ratos, de acordo com Daniel Epstein, da
Organização Mundial da Saúde (OMS).
"A
praga era bastante presente (nos EUA), com epidemias em cidades portuárias da
costa oeste. Mas o último surto urbano da praga foi em Los Angeles em 1925. Daí
se espalhou por meio de ratos do campo, e assim se entrincheirou em partes do
país", afirma Epstein. Se não for tratada, a doença - tipicamente
transmitida a humanos por pulgas - tem um índice de mortalidade de 30% a 60%.
Antibióticos, contudo, são efetivos se há diagnóstico precoce.
A praga
Mais de
80% dos casos nos EUA são de peste bubônica, a forma mais comum da doença, que
afeta os nódulos linfáticos e causa gangrena. Há outros dois tipos, a séptica,
que causa infecção no sangue, e a pneumônica, que afeta os pulmões. A doença
pode ser difícil de identificar em seus estágios iniciais, porque os sintomas,
que normalmente se desenvolvem após sete dias, parecem com o de uma gripe comum
- um teste de laboratório pode confirmar o diagnóstico.
A maioria
dos casos ocorre no verão, quando as pessoas passam mais tempo em áreas
externas. Essas áreas nos EUA são os Estados do Novo México, Arizona,
Califórnia e Colorado, segundo o CDC. "O conselho é se precaver contra
mordidas de pulgas e não manusear carcaças de animais em áreas endêmicas da
praga", diz Epstein. Todos os
casos de 2015 no país foram registrados nesses Estados, ou outros Estados a
oeste do meridiano 100, que divide o país no meio - Amesh Adalja, um
especialista em doenças infecciosas da Universidade de Pittsburgh, refere-se a
esse meridiano como a "linha da praga".
"O
cão-da-pradaria (mamífero roedor) é o principal meio de transmissão da praga, e
ele se concentra a oeste do meridiano 100", diz Adalja. A geografia e o
clima do oeste dos EUA favorecem a presença desses roedores, e como eles são
"animais sociais", acabam contribuindo na proliferação de pulgas
infectadas. O
furão-do-pé-preto e o lince-do-Canadá são outras espécies suscetíveis, afirma
Danielle Buttke, epidemiologista do Serviço Nacional de Parques dos EUA. A
existência desses "reservatórios animais" explica a dificuldade em
erradicar a praga, afirmam especialistas.
A única
doença humana erradicada até o momento, a varíola, não existe em animais. O
mesmo ocorre com a poliomielite, que a OMS trabalha para erradicar, mas ainda é
endêmica em três países - Nigéria, Afeganistão e Paquistão (e também na Síria
desde a atual guerra civil). "A não ser que exterminemos os roedores, (a
praga) sempre vai estar por aí", afirma Epstein.
Por outro
lado, cientistas no Centro Nacional de Saúde da Vida Selvagem dos EUA vêm
trabalhando com parques no desenvolvimento de vacinas orais para proteger
furões-do-pé-preto e cães-da-pradaria - esses últimos parecem preferir iscas
com sabor de manteiga de amendoim. Uma vacina injetável para os furões também
foi criada. Isso abre a possibilidade de eliminar a doença nesses animais, ao
menos nos parques nacionais mais visitados dos EUA.
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