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31 agosto 2020

PODERIAM SER BILHÕES, MAS AGORA SERÃO APENAS ALGUNS MILHÕES PARA PROTEGER E CONSERVAR A AMAZÔNIA*

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

 

Diante do agravamento da crise ambiental na Amazônia, das críticas e dos protestos que se espalharam mundo afora contra a negligência do governo quanto ao controle do desmatamento e queimadas na região, e antevendo pressões que emanariam do encontro dos sete países mais ricos do mundo (G7) realizado no fim de semana na França, o presidente da república resolveu se pronunciar em rede nacional de TV sobre o tema na sexta-feira (23/08/19).

Contrariando declarações suas feitas anteriormente – durante a campanha e depois que assumiu presidência –, assim como ações de membros do seu governo, o presidente defendeu tolerância zero com os crimes ambientais e pintou um cenário ambiental da região que não corresponde à realidade atual, onde as derrubadas e as queimadas são feitas sem qualquer controle ou repressão.

Parece surreal, mas a partir de informações do Ministério Público do Pará, a Polícia Federal deverá investigar um grupo de 70 pessoas, entre sindicalistas, produtores rurais, comerciantes e grileiros, que, por meio de um grupo de WhatsApp, combinou atear fogo em florestas entre os municípios de Altamira e Novo Progresso, no sudoeste do Pará, no último dia 10 de agosto. A data era tratada entre os integrantes do grupo como o “dia do fogo”.

Apesar de o presidente ter finalizado seu pronunciamento informando que estava determinando a mobilização de seus ministros e dos militares para controlar a situação, algo que em teoria representaria uma mudança de posição do governo em relação à política de fiscalização e controle dos ilícitos ambientais que se multiplicaram na Amazônia desde janeiro, a realidade é que pouca coisa deverá acontecer efetivamente.

E por uma razão muito simples: faltam recursos financeiros. Na véspera de seu pronunciamento, o presidente já tinha indagado: “a Amazônia é maior do que a Europa, como se combate incêndios criminosos numa área destas?” E reconheceu: “Nós não temos recursos para isso”. O Ministério da Defesa aguarda a liberação de R$ 20 milhões que estavam contingenciados no orçamento deste ano para dar início às ações.

Vale recordar que em maio o governo contingenciou R$ 244 milhões do Ministério do Meio Ambiente, que representavam cerca de 30% dos R$ 821 milhões originalmente alocados para gastos com investimentos e serviços em programas e ações ambientais por todo o país. A esse valor foi acrescido um bloqueio adicional de R$ 10,1 milhões no final de julho.

E foi nesse contexto de grave limitação orçamentária – do qual tinham ciência tanto o presidente quanto o seu ministro do meio ambiente – e de uma agressividade retórica absolutamente incabível do governo brasileiro que no início de agosto (10/08019) o governo alemão congelou o repasse de R$ 155 milhões para ações de proteção das florestas na Amazônia citando como justificativa o aumento do desmatamento.  Cinco dias depois (15/08/19), por razões e justificativas similares, a Noruega suspendeu o envio de R$ 133 milhões. Estas doações não repassadas representam R$ 288 milhões, um valor superior ao que foi contingenciado do orçamento do Ministério do Meio Ambiente.

Ontem os integrantes do G7 ofereceram ajuda emergencial de US$ 20 milhões (cerca de R$ 83 milhões) para combater incêndios florestais na Amazônia. A maior parte será gasta com o aluguel de aviões especializados no combate a incêndios. Os integrantes do G7 também concordaram em financiar ações de reflorestamento da Amazônia, proposta que deverá ser apresentado durante a Assembleia Geral da ONU em setembro. Para receber essa ajuda, entretanto, o governo brasileiro terá que concordar em trabalhar com ONGs e populações locais.

Resta saber se o governo brasileiro aceitará estas ajudas. Como se viu – agindo contra a lógica da dificuldade orçamentária e o bom senso – logo depois dos bloqueios anunciados pela Alemanha e a Noruega, o próprio presidente desdenhou das ajudas dizendo que elas não eram necessárias.

Uma rápida pesquisa sobre fontes potenciais que o governo brasileiro poderia utilizar para financiar ações na Amazônia mostra que a inabilidade, incompetência e soberba (ou seria má vontade?) do ministro do meio ambiente poderão impedir a canalização de bilhões de reais para a região.

O “programa de conversão de multas” implementado pelo então ministro do meio ambiente Zeca Sarney (2016-2018) previa a adesão voluntária dos multados a um programa de desconto, com parte do arrecadado canalizado para ações ambientais. Já em 2019 ser previa investir mais de R$ 1 bilhão nas bacias do São Francisco e do rio Paraíba. A estimativa era arrecadar em todo o país cerca de R$ 4 bilhões/ano em poucos anos. O que fez o atual ministro do meio ambiente? Disse que era dinheiro para ONGs, paralisou tudo, promoveu o desmonte do Ibama e criou um núcleo de conciliação de multas no qual ele daria aval a cada uma das mais de 14 mil multas anuais aplicadas pelo Ibama.

O “Fundo Verde do Clima”, criado no âmbito do acordo de Paris, deve trazer U$ 100 bilhões/ano nos próximos anos. O Brasil poderia captar milhões de reais anualmente, mas o atual governo ameaça sair do acordo. Para piorar a situação, o governo, antes mesmo de assumir, pediu pra não sediar a Conferência Mundial do clima (COP) e extinguiu o braço do Itamaraty que conduzia as negociações climáticas e se preparava para captar recurso nesse fundo, o GCF. O país perdeu a chance de “pautar o assunto”, liderar e protagonizar acordos, ser o maior beneficiário e alavancar bilhões para aplicar em ações ambientais argumentando que a maior parte da Amazônia está aqui.

O acordo de Paris prevê vários mecanismos de pagamento por serviços ambientais (PSA). O Brasil, um reconhecido preservador de florestas, com cerca de 60% de seu território coberto por floresta nativa ou plantada, poderia se aproveitar de várias formas para captar recursos financeiros: acordo de mitigação da aviação civil, mercado de crédito de carbono, REDD e outros. Mas para isso, o país precisa ser respeitado internacionalmente, mostrar que quer aplicar corretamente a legislação ambiental, atuar efetivamente na conservação das florestas e de outros recursos naturais. Algo que o país possuía até o final do ano passado. Hoje, sendo considerado um pária ambiental, as chances de sucesso nas investidas de captação financeira nestas áreas são mínimas.

Assim, se a política ambiental do país não der uma guinada para o rumo certo, correremos o risco de ficarmos com migalhas, uns poucos milhões para conservar e proteger a Amazônia. E mesmo assim, o pouco que vier será destinado a ações específicas impostas pelos doadores – que certamente estarão “desconfiados” das reais intenções de nossas autoridades ambientais. Uma pena.

Ambientalmente o Brasil caminhava para assumir o papel de protagonista mundial, buscava um poder e autoridade ambiental nunca antes visto. Mas agora, tudo indica que encontraremos a servidão e a humilhação de pedintes. Sem dúvida um retrocesso.

*Artigo originalmente publicado no jornal A Gazeta, em Rio Branco, Acre, em 27/08/2019.