SÃO OS INVESTIMENTOS E NÃO A RETÓRICA QUE AJUDAM NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS AMBIENTAIS*
Evandro
FerreiraBlog Ambiente
Acreano
No
início da semana passada (terça-feira, 06/08/19), dados divulgados pelo sistema
de alerta de desmatamento (Deter) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe) indicaram que os alertas de derrubadas de floresta na Amazônia
aumentaram 278% em julho de 2019, quando comparados com o mesmo mês do ano
passado. A área suspeita de ter sido devastada abrangeu 2.254,9 km², ante
apenas 596,6 km² no mesmo período do ano passado.
Não
foi coincidência, mas no final da semana (sábado, 10/08/19) a ministra alemã
para o meio ambiente, Svenja Schulze, anunciou o “congelamento” de R$ 155
milhões que o seu ministério planejava repassar ao governo brasileiro para
financiar projetos de proteção da floresta amazônica brasileira. Poderia ter
sido pior, pois dos recursos disponibilizados pelo governo alemão para o Brasil
utilizar no desenvolvimento sustentável e proteção da Amazônia, apenas aqueles
administrados pelo Ministério do Meio Ambiente alemão foram congelados.
Vejam
que esses recursos não são empréstimos. São doações. Entram no caixa do governo
federal e são canalizados para um grande número de ações obrigatoriamente
relacionadas com a proteção da floresta amazônica. Em troca, o que os alemães
pedem ao governo brasileiro é o controle do desmatamento da região.
Para
facilitar esse trabalho, parte do dinheiro doado é usado para estruturar os
órgãos ambientais federais e estaduais de fiscalização e controle. Barcos,
veículos, computadores e outros equipamentos são adquiridos com estas doações.
Sob o ponto de vista orçamentário, é um alívio e tanto para o governo federal e
as administrações estaduais contempladas.
O
correto, diante da notícia da suspensão das doações, seria um reconhecimento de
possíveis falhas e a negociação junto aos doadores para fazer com que elas voltassem
a irrigar os orçamentos públicos profundamente afetados pelo atual aperto
financeiro.
Mas
não foi isso que aconteceu. Muito pelo contrário. No domingo (11/08/19), um dia
depois do anúncio da suspensão dos recursos por parte do governo alemão, o
presidente Bolsonaro afirmou textualmente que “a Alemanha vai deixar de comprar
à prestação a Amazônia” e que “Pode fazer bom uso dessa grana, no Brasil não
precisa disso”.
A
realidade financeira enfrentada pelo país, entretanto, não parece sustentar as
afirmações presidenciais.
Ontem
(12/08/19) o Banco Central divulgou o Índice de Atividade Econômica (IBC-Br),
uma espécie de “prévia” do Produto Interno Bruto (PIB), sobre o desempenho da
economia no 2° trimestre (abril a junho) e detectou retração de 0,13% em relação
ao 1° trimestre (janeiro a março). O mesmo índice tinha recuado 0,2% na
comparação entre o 1° trimestre de 2019 e o último trimestre de 2018. Com dois
trimestres seguidos de tombo do PIB, o país entrou em “recessão técnica”.
Diante
disso, está claro que a perspectiva de melhoria na arrecadação dos impostos que
abastecem o orçamento do governo federal não é das melhores para este 2°
semestre. Muito pelo contrário. Tudo indica que, em caso de aprofundamento da
recessão, os cortes no orçamento do governo federal deverão se acentuar ainda
mais.
No
final deste mês de julho o governo já havia anunciado contingenciamentos
adicionais de despesas da ordem de R$ 1,442 bilhão que atingiram vários
ministérios, incluindo o do Meio Ambiente (MMA), que viu suspensos a execução
de R$ 10,1 milhões.
Esse
corte se soma ao que tinha sido feito em maio passado, quando o bloqueio de
recursos do MMA tinha atingido R$ 244 milhões, equivalente a 29,7% dos R$ 821
milhões do orçamento anual alocados para o ministério gastar com investimentos
e serviços em programas e ações ambientais no ano de 2019.
Sei
que meu texto hoje está recheado de números e valores, mas eles servem para
mostrar que a situação do país não é nada confortável no que concerne a
investimentos em ações para a conservação, desenvolvimento e combate aos
desmatamentos na região amazônica.
Assim,
os tais R$ 155 milhões congelados pela Alemanha que o nosso presidente disse
que o Brasil “não precisa” representam aproximadamente 61% do valor que foi
contingenciado do orçamento do Ministério do Meio Ambiente nesse ano de 2019.
Não dá para negar que é uma soma respeitável. Assim como não dá para afirmar
que, na situação orçamentária atual, esses R$ 155 milhões são “dispensáveis”.
E
se as ações do Ministério do Meio Ambiente estão seriamente comprometidas em
função dos contingenciamentos orçamentários anunciados, o que dizer de outros
ministérios cujas ações também focam a Amazônia? Não tenho condições de estimar
numericamente o prejuízo, mas o impacto social, econômico e ambiental da
ausência desses investimentos seguramente será muito elevado.
E
a situação poderá ficar ainda pior se a previsão sobre o possível fim do Fundo
Amazônia se concretizar. Este fundo, administrado pelo BNDES, tem por
finalidade captar doações para investimentos não reembolsáveis em ações de
prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção da
conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal brasileira.
Criado
em 2008 e ativo desde 2009, até o presente momento o Fundo captou e investiu na
Amazônia cerca de R$ 3,4 bilhões, sendo que desde 2010 quase 60% dos recursos
foram investidos em instituições ligadas aos governos Federal, Estaduais e
Municipais da região.
Os
doadores – Noruega e Alemanha – estão satisfeitos com a forma de funcionamento
do Fundo. Mas o governo federal tem outras ideias. Quer recursos, por exemplo,
para indenizar invasores de unidades de conservação. Cedo ou tarde, como tudo
indica, os doadores irão suspender os recursos e o Fundo certamente deixará de
existir.
Isso
é uma certeza. Ou alguém sabe de onde o governo federal vai tirar dinheiro para
as atividades do Fundo se ele não tem sequer para garantir ao MMA pleno
funcionamento neste ano de 2019?
*Artigo
originalmente publicado no jornal A Gazeta, em Rio Branco, Acre, em 13/08/2019.
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