COBRAS VENENOSAS: GRAVIDADE DE SEUS ATAQUES NO ACRE
POPULAÇÕES TRADICIONAIS (ÍNDIOS E SERINGUEIROS) DEPENDEM DA SORTE PARA SOBREVIVER A ESTE TIPO DE ACIDENTE.
ATENDIMENTO EM ÁREAS URBANAS ESTÁ ADEQUADO E ÓBITOS SÃO RAROS.
Sempre fui curioso para saber o grau de gravidade dos ataques de cobras peçonhentas entre a população do interior do Estado. Descobri que existem pelo menos dois estudos publicados sobre esse assunto. Um deles abordando a frequência entre seringueiros e índios do vale do Juruá e o outro abordando os casos de picadas de cobras na região de Rio Branco.
Estudo realizado no vale do rio Juruá:
"ALTO ÍNDICE DE MORDIDAS E PICADAS POR COBRAS E OUTROS ANIMAIS ENTRE SERINGUEIROS E ÍNDIOS DO VALE DO JURUÁ, ESTADO DO ACRE, BRASIL".
Foi publicado em 1996 na revista científica Toxicon (Vol. 34, No. 2, Fev. 1996, Pág. 225-236). Entre os autores, está incluido A. de Paulo, (provavelmente) um seringueiro da Associação dos Seringueiros e Agricultores da Reserva Extrativista do Alto Juruá. O autor principal é S. V. Pierinia, do Theakstona Centre for Tropical Medicine, University of Oxford, Oxford, U.K. Os outros autores são D. A. Warrell e D. G. Theakstona, todos ingleses.
O artigo indica que pelo menos 13% das pessoas entrevistadas durante a pesquisa já tinham sido picadas por cobras ou outros animais, incluindo arraias. Entre os indígenas, 17% dos Katukinas e 8% dos Ashaninkas, respectivamente, já tinham sido picados. A maioria dos acidentes (56%) aconteceram dentro da floresta ou em trilhas abertas na mesma. No momento do acidente 41% das vítimas estavam trabalhando e 26% caminhando. A maioria das picadas ou mordidas ocorreram no pé (54%). A maioria das vítimas (96%) recebeu alguma forma de tratamento, prevalecendo o conhecimento tradicional com remédios caseiros em 93% dos casos. A maioria dos acidentados (80%) se recuperou totalmente. A mortalidade foi estimada em 400 mortes por cada 100.000 habitantes durante a sua vida. A pesquisa constatou que mordidas e picadas por outros animais venenosos da floresta e dos rios, especialmente as arraias (Potamotrygon sp.), são extremamente comuns e pelo menos uma morte foi atribuída a uma mordida (picada) de formiga. O estudo conclui que as picadas de cobras são uma das principais causas de mortalidade entre a população daquela região.
Resumindo: distância, isolamento, desconhecimento, falta de estrutura e de assistência emergencial deixam as pessoas que vivem longe dos centros urbanos à mercê da sorte e da eficácia dos tratamentos caseiros. É uma situação difícil de ser resolvida. Melhor rezar para não acontecer e se acontecer, torcer para que o caso não seja grave. De outra forma o resultado é o óbito do acidentado.
Estudo realizado na região de Rio Branco:
"CARACTERÍSTICAS CLINIOEPIDEMIOLÓGICAS DOS ACIDENTES OFÍDICOS EM RIO BRANCO, ACRE".
Foi publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (Vol. 38, No. 1, Jan./Fev. 2005) pela pesquisadora do Departamento de Ciências da Saúde da UFAC, Edna Moreno.
O trabalho, realizado entre janeiro e dezembro de 2002, estudou 144 casos de acidentes ofídicos. Desses, 113 (78,5%) foram classificados como vítimas de acidente com envenenamento. Os gêneros Bothrops, Lachesis e Micrurus foram responsáveis por, respectivamente, 75,7%, 2,1% e 0,7% dos casos. Os acidentes predominaram em pessoas do sexo masculino (78,5%), trabalhadores rurais (51,4%) e com idades entre 10 e 29 anos (43,8%). Nos acidentes botrópicos (ou causados por picadas das cobras conhecidas como jararaca), os envenenamentos considerados moderados (48,6%) prevaleceram sobre os leves (31,2%) e graves (20,2%). Dois casos envolvendo o gênero Bothrops não receberam terapia antipeçonha. Entretanto, soro heterólogo foi administrado em 23 vítimas de acidente sem envenenamento.
A pesquisadora observou que a maioria dos acidentados (ou seus responsáveis) adotou condutas terapêuticas antes da chegada dos acidentados ao serviço de saúde. Desses, 65,3% (94 casos) assumiram atitudes inadequadas capazes de agravar o quadro clínico. Dentre as condutas inadequadas, estão incluídas a ingestão de chá caseiro (23,6% ou 34/144), do extrato vegetal denominado "Específico Pessoa" (17,4% ou 25/144) e o torniquete (9% ou 13/144), enquanto a limpeza do local (22,2% ou 32/144) foi a atitude adequada mais freqüente.
Vale ressaltar que, considerando as atitudes adotadas (adequadas x inadequadas) e a gravidade do caso (leve mais moderado e grave), nos 113 acidentes com envenenamento houve associação significativa entre gravidade do caso e conduta inadequada.
As manifestações mais freqüentes na região da picada foram dor (75,7%), sangramento (75,7%) e edema (73,6%). Dentre as manifestações sistêmicas, as mais referidas foram náuseas (22,9%), vômitos (16%) e gengivorragia (15,3%). Outras, embora menos freqüentes, merecem destaque: dezessete (11,8%) pacientes referiram parestesia no local da picada; oito (5,6%) desenvolveram oligúria, sendo que quatro (2,8%) evoluíram para insuficiência renal. Quanto às alterações laboratoriais, a incoagulabilidade sangüínea foi detectada em 62 (43,1%) dos 129 pacientes em que o tempo de coagulação (TC) foi avaliado.
Dentre os 132 pacientes para os quais foi prescrita soroterapia, 115 (88,5%) receberam pré-medicação (anti-histamínico e corticosteróide), sendo que 34 (26,2%) apresentaram reações adversas com comprometimento cutâneo (rubor facial e urticária), gastrintestinal (dor abdominal e náuseas), cardiovascular (hipotensão), neurológico (tremores) e respiratório (dispnéia e tosse). Dos 34 pacientes, cinco (21,7%) não apresentavam sinais e/ou sintomas de envenenamento.
A média do tempo decorrido entre o acidente e a admissão na unidade foi de 6,0 (± 9,6), 22,4 (±45,4) e 32,9 (±45,7) horas para os casos leves, moderados e graves, respectivamente, enquanto a média do tempo decorrido entre a admissão e a soroterapia foi de 72,9 (±83,3) minutos para casos leves; 71,7 (±84,8) para os moderados e 162,6 (±207,5) para os graves. O período de permanência dos acidentados por serpentes peçonhentas na unidade de referência variou de 1 a 140 horas (26,0±25,7 horas), e o tempo médio de permanência foi de 16,6(±13,6), 32,5 (±28,3) e 44,7 (±30,4) horas para os casos leves, moderados e graves, respectivamente.
Com relação à evolução dos casos, dos 113 pacientes acidentados por serpentes peçonhentas, 72 (63,7%) receberam alta médica, 35 (31%) foram transferidos para unidades de internação da instituição e seis (5,3%), para outras instituições de saúde. Vale ressaltar que, no total dos casos (n=144), 83 (57,6%) receberam alta médica nas primeiras 24 horas, e o tempo médio de permanência dos acidentados que não apresentaram sinais e/ou sintomas foi de 9,55 horas (±5,53).
Segundo a mesma pesquisadora, em acidentes por animais peçonhentos, merece destaque a administração precoce do soro heterólogo. A especificidade do antiveneno a ser administrado, assim como a quantidade e via adequadas, são fatores determinantes na evolução dos envenenamentos. Em seu estudo, 132 pacientes receberam tratamento específico com soro antipeçonha. Entretanto, foi constatado o não emprego da soroterapia em casos confirmados de acidente ofídico. Por outro lado, em 17,4% dos casos em que o paciente não apresentava sintomatologia e/ou anormalidades laboratoriais que indicassem presença de envenenamento, a soroterapia foi administrada. Estes fatos demonstram o despreparo da equipe responsável pelo atendimento.
Considerando o número de ampolas prescritas e a gravidade do caso, no tratamento dos acidentes botrópicos, verificou-se que a média observada para os casos moderados estava de acordo com o preconizado pelo Ministério da Saúde. Contudo, para os casos leves e graves a média foi superior e inferior ao recomendado, respectivamente, mostrando o desconhecimento dos parâmetros para a definição da gravidade do caso e, conseqüentemente, para o emprego da soroterapia adequada.
Resumindo: se você for picado por cobra venenosa na região de Rio Branco, dificilmente correrá risco de vida, assim como dificilmente será submetido a tratamento que cause reações adversas (alergia, por exemplo). Entretanto, é quase certo que você irá receber dose de soro anti-ofídico específico para picadas de cobras do grupo das jararacas - mesmo que tenha sido picado por cobra venenosa pertencente a outro grupo. E vai receber doses maiores ou menores do que o necessário, mas vai receber o soro.
ATENDIMENTO EM ÁREAS URBANAS ESTÁ ADEQUADO E ÓBITOS SÃO RAROS.
Sempre fui curioso para saber o grau de gravidade dos ataques de cobras peçonhentas entre a população do interior do Estado. Descobri que existem pelo menos dois estudos publicados sobre esse assunto. Um deles abordando a frequência entre seringueiros e índios do vale do Juruá e o outro abordando os casos de picadas de cobras na região de Rio Branco.
Estudo realizado no vale do rio Juruá:
"ALTO ÍNDICE DE MORDIDAS E PICADAS POR COBRAS E OUTROS ANIMAIS ENTRE SERINGUEIROS E ÍNDIOS DO VALE DO JURUÁ, ESTADO DO ACRE, BRASIL".
Foi publicado em 1996 na revista científica Toxicon (Vol. 34, No. 2, Fev. 1996, Pág. 225-236). Entre os autores, está incluido A. de Paulo, (provavelmente) um seringueiro da Associação dos Seringueiros e Agricultores da Reserva Extrativista do Alto Juruá. O autor principal é S. V. Pierinia, do Theakstona Centre for Tropical Medicine, University of Oxford, Oxford, U.K. Os outros autores são D. A. Warrell e D. G. Theakstona, todos ingleses.
O artigo indica que pelo menos 13% das pessoas entrevistadas durante a pesquisa já tinham sido picadas por cobras ou outros animais, incluindo arraias. Entre os indígenas, 17% dos Katukinas e 8% dos Ashaninkas, respectivamente, já tinham sido picados. A maioria dos acidentes (56%) aconteceram dentro da floresta ou em trilhas abertas na mesma. No momento do acidente 41% das vítimas estavam trabalhando e 26% caminhando. A maioria das picadas ou mordidas ocorreram no pé (54%). A maioria das vítimas (96%) recebeu alguma forma de tratamento, prevalecendo o conhecimento tradicional com remédios caseiros em 93% dos casos. A maioria dos acidentados (80%) se recuperou totalmente. A mortalidade foi estimada em 400 mortes por cada 100.000 habitantes durante a sua vida. A pesquisa constatou que mordidas e picadas por outros animais venenosos da floresta e dos rios, especialmente as arraias (Potamotrygon sp.), são extremamente comuns e pelo menos uma morte foi atribuída a uma mordida (picada) de formiga. O estudo conclui que as picadas de cobras são uma das principais causas de mortalidade entre a população daquela região.
Resumindo: distância, isolamento, desconhecimento, falta de estrutura e de assistência emergencial deixam as pessoas que vivem longe dos centros urbanos à mercê da sorte e da eficácia dos tratamentos caseiros. É uma situação difícil de ser resolvida. Melhor rezar para não acontecer e se acontecer, torcer para que o caso não seja grave. De outra forma o resultado é o óbito do acidentado.
Estudo realizado na região de Rio Branco:
"CARACTERÍSTICAS CLINIOEPIDEMIOLÓGICAS DOS ACIDENTES OFÍDICOS EM RIO BRANCO, ACRE".
Foi publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (Vol. 38, No. 1, Jan./Fev. 2005) pela pesquisadora do Departamento de Ciências da Saúde da UFAC, Edna Moreno.
O trabalho, realizado entre janeiro e dezembro de 2002, estudou 144 casos de acidentes ofídicos. Desses, 113 (78,5%) foram classificados como vítimas de acidente com envenenamento. Os gêneros Bothrops, Lachesis e Micrurus foram responsáveis por, respectivamente, 75,7%, 2,1% e 0,7% dos casos. Os acidentes predominaram em pessoas do sexo masculino (78,5%), trabalhadores rurais (51,4%) e com idades entre 10 e 29 anos (43,8%). Nos acidentes botrópicos (ou causados por picadas das cobras conhecidas como jararaca), os envenenamentos considerados moderados (48,6%) prevaleceram sobre os leves (31,2%) e graves (20,2%). Dois casos envolvendo o gênero Bothrops não receberam terapia antipeçonha. Entretanto, soro heterólogo foi administrado em 23 vítimas de acidente sem envenenamento.
A pesquisadora observou que a maioria dos acidentados (ou seus responsáveis) adotou condutas terapêuticas antes da chegada dos acidentados ao serviço de saúde. Desses, 65,3% (94 casos) assumiram atitudes inadequadas capazes de agravar o quadro clínico. Dentre as condutas inadequadas, estão incluídas a ingestão de chá caseiro (23,6% ou 34/144), do extrato vegetal denominado "Específico Pessoa" (17,4% ou 25/144) e o torniquete (9% ou 13/144), enquanto a limpeza do local (22,2% ou 32/144) foi a atitude adequada mais freqüente.
Vale ressaltar que, considerando as atitudes adotadas (adequadas x inadequadas) e a gravidade do caso (leve mais moderado e grave), nos 113 acidentes com envenenamento houve associação significativa entre gravidade do caso e conduta inadequada.
As manifestações mais freqüentes na região da picada foram dor (75,7%), sangramento (75,7%) e edema (73,6%). Dentre as manifestações sistêmicas, as mais referidas foram náuseas (22,9%), vômitos (16%) e gengivorragia (15,3%). Outras, embora menos freqüentes, merecem destaque: dezessete (11,8%) pacientes referiram parestesia no local da picada; oito (5,6%) desenvolveram oligúria, sendo que quatro (2,8%) evoluíram para insuficiência renal. Quanto às alterações laboratoriais, a incoagulabilidade sangüínea foi detectada em 62 (43,1%) dos 129 pacientes em que o tempo de coagulação (TC) foi avaliado.
Dentre os 132 pacientes para os quais foi prescrita soroterapia, 115 (88,5%) receberam pré-medicação (anti-histamínico e corticosteróide), sendo que 34 (26,2%) apresentaram reações adversas com comprometimento cutâneo (rubor facial e urticária), gastrintestinal (dor abdominal e náuseas), cardiovascular (hipotensão), neurológico (tremores) e respiratório (dispnéia e tosse). Dos 34 pacientes, cinco (21,7%) não apresentavam sinais e/ou sintomas de envenenamento.
A média do tempo decorrido entre o acidente e a admissão na unidade foi de 6,0 (± 9,6), 22,4 (±45,4) e 32,9 (±45,7) horas para os casos leves, moderados e graves, respectivamente, enquanto a média do tempo decorrido entre a admissão e a soroterapia foi de 72,9 (±83,3) minutos para casos leves; 71,7 (±84,8) para os moderados e 162,6 (±207,5) para os graves. O período de permanência dos acidentados por serpentes peçonhentas na unidade de referência variou de 1 a 140 horas (26,0±25,7 horas), e o tempo médio de permanência foi de 16,6(±13,6), 32,5 (±28,3) e 44,7 (±30,4) horas para os casos leves, moderados e graves, respectivamente.
Com relação à evolução dos casos, dos 113 pacientes acidentados por serpentes peçonhentas, 72 (63,7%) receberam alta médica, 35 (31%) foram transferidos para unidades de internação da instituição e seis (5,3%), para outras instituições de saúde. Vale ressaltar que, no total dos casos (n=144), 83 (57,6%) receberam alta médica nas primeiras 24 horas, e o tempo médio de permanência dos acidentados que não apresentaram sinais e/ou sintomas foi de 9,55 horas (±5,53).
Segundo a mesma pesquisadora, em acidentes por animais peçonhentos, merece destaque a administração precoce do soro heterólogo. A especificidade do antiveneno a ser administrado, assim como a quantidade e via adequadas, são fatores determinantes na evolução dos envenenamentos. Em seu estudo, 132 pacientes receberam tratamento específico com soro antipeçonha. Entretanto, foi constatado o não emprego da soroterapia em casos confirmados de acidente ofídico. Por outro lado, em 17,4% dos casos em que o paciente não apresentava sintomatologia e/ou anormalidades laboratoriais que indicassem presença de envenenamento, a soroterapia foi administrada. Estes fatos demonstram o despreparo da equipe responsável pelo atendimento.
Considerando o número de ampolas prescritas e a gravidade do caso, no tratamento dos acidentes botrópicos, verificou-se que a média observada para os casos moderados estava de acordo com o preconizado pelo Ministério da Saúde. Contudo, para os casos leves e graves a média foi superior e inferior ao recomendado, respectivamente, mostrando o desconhecimento dos parâmetros para a definição da gravidade do caso e, conseqüentemente, para o emprego da soroterapia adequada.
Resumindo: se você for picado por cobra venenosa na região de Rio Branco, dificilmente correrá risco de vida, assim como dificilmente será submetido a tratamento que cause reações adversas (alergia, por exemplo). Entretanto, é quase certo que você irá receber dose de soro anti-ofídico específico para picadas de cobras do grupo das jararacas - mesmo que tenha sido picado por cobra venenosa pertencente a outro grupo. E vai receber doses maiores ou menores do que o necessário, mas vai receber o soro.
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