É POSSÍVEL TORNAR A EXTRAÇÃO DE BORRACHA NA AMAZÔNIA ECOLÓGICA E ECONOMICAMENTE VIÁVEL?
Evandro
Ferreira*
O
título desse texto é a tradução do ambicioso título de um artigo científico
originalmente publicado em inglês no volume 134 (p. 186-197) da conceituada
revista ‘Ecological Economics’, auspiciada pela International Society for
Ecological Economics. Os autores do artigo são pesquisadores do Centro de
Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais e o pesquisador da
Embrapa Acre, Dr. Rivadalve Coelho Gonçalves.
A
resposta para a pergunta do título dada pelos autores da pesquisa é,
infelizmente, devastadora. Pelo menos para mim, que ‘milito’ no ramo da
Heveicultura desde o início dos anos 80, quando tive a oportunidade de atender
aos cursos de ‘Tecnólogo em Heveicultura’ e ‘Engenharia Agronômica’ na
Universidade Federal do Acre.
Segundo
os autores do estudo, a extração de látex e produção de borracha tanto da
floresta como de áreas plantadas são economicamente inviáveis em nossa região
sem o pagamento de subsídios governamentais. Ou seja, nós os contribuintes é
que estamos bancando a continuidade da produção de borracha na Amazônia. Os
autores do artigo afirmam ainda que até mesmo a identidade cultural de nossos
seringueiros, pelo menos temporariamente, depende do pagamento desses subsídios
governamentais ou por serviços ambientais que eles prestam ao manter a floresta
em pé.
O
artigo ressalta o fracasso que foi o esforço dos últimos 40 anos de fortalecer
a cadeia produtiva de numerosos produtos florestais não madeireiros visando, ao
mesmo tempo, objetivos conservacionistas e de sustentação do modo de vida
tradicional dos moradores de áreas florestais. Apesar de concordar, pelo menos
podemos citar com orgulho uma notável exceção: a castanha do Brasil. Um produto
extrativista que adquiriu nestes últimos dez anos uma importância social,
econômica e ecológica só comparável à detida pela borracha no Acre durante os
anos 70 e 80.
Os
autores reconhecem a importância da borracha seja pelo seu aspecto histórico na
Amazônia, seu alto potencial de uso industrial e com o fato de a seringueira
ser uma espécie arbórea hiperdominante no bioma amazônico. Mas são lacônicos ao
lembrar que o Brasil não é autossuficiente na produção de borracha. Das 400 mil
toneladas dessa matéria-prima consumidas no país em 2011, 235 mil –
equivalentes a US$ 1,1 bilhões – tiveram que ser importadas.
Apesar
de extrapolarem sua conclusão para toda a Amazônia, a área de estudo da
pesquisa está localizada ao leste do Acre, ao longo da bacia do rio Acre. Nela
eles afirmam ter encontrado três espécies de seringueira (a real, a branca e a
vermelha), informam que a produtividade média anual de látex é de 2,18
litros/árvore (valor que diminui com o tempo) e que a densidade de seringueiras
na floresta foi estimada em 1,71 indivíduos/hectare.
Uma
informação importante divulgada no trabalho diz respeito à eliminação da
hipótese de que a distribuição da seringueira em nossas florestas não foi, como
é quase certo no caso da castanha, produto da ação humana. Eles observaram que
tanto a distribuição das plantas quanto da produtividade das árvores na floresta
são completamente aleatórias.
No
que concerne às áreas mais produtivas, os autores informam que as florestas da
região central da bacia do rio Acre (tendo Xapuri como referência) e as da
região sul da bacia, incluindo as do entorno de Assis Brasil, ambas na Reserva
Extrativista (RE) Chico Mendes, são as mais promissoras.
Ao
estimar o potencial de produção de borracha que poderia ser extraída dessas
áreas florestais os autores chegaram a um número decepcionante: apenas 890
toneladas de borracha seca poderiam ser produzidas anualmente nas 2,5 milhões
de hectares de florestas existentes na região alvo do estudo. Isso equivale a
0,36 kg/hectare/ano. O potencial produtivo das 770 mil hectares de florestas da
RE Chico Mendes foi estimado em apenas 300 toneladas de borracha seca.
Para
piorar as perspectivas, eles alertam que esse potencial produtivo tem sido
comprometido e pode diminuir ainda mais no futuro em razão da contínua
alteração da floresta por toda a região via derrubadas e incêndios florestais.
No
que concerne ao retorno econômico dos diferentes tipos de borracha produzidos,
especialmente na área da RE Chico Mendes, os autores são categóricos ao afirmar
que apenas a produção de látex líquido é economicamente viável.
O
retorno econômico da produção de borracha virgem prensada e folha defumada é
praticamente zero considerando as condições mercadológicas atuais.
Ironicamente, o tipo mais comum de borracha produzida na RE Chico Mendes é a
folha defumada. Mais lamentável ainda é saber que a produção de qualquer um
desses tipos de produtos só é viável, segundo os dados do artigo, com a
presença do subsídio governamental.
A
existência da empresa Natex (consumidora de látex) era crucial para a
viabilidade econômica da extração desse produto (rendimento equivalente a US$
6/hectare/ano), mas apenas para os produtores situados até 100 km da indústria.
Nos demais casos a extração do látex é economicamente inviável.
Embora
não explicitamente, os autores do artigo condenam a continuidade da exploração
extrativista de seringueiras nativas em florestas acreanas. Para eles, a
promoção de plantios via sistemas agroflorestais é essencial para aumentar o
rendimento na produção de borracha e o lucro da atividade. De minha parte, e
sem querer ofender a ninguém, me parece que esse tipo de conclusão tem um viés
pesadamente mercantilista e empresarial.
Sabemos
que mesmo os que se dizem ‘empresários do agronegócio’ não vivem e prosperam
sem um ‘creditozinho’ subsidiado indireto (via perdão recorrente das dívidas do
agronegócio aprovadas em Brasília). Então porque a manutenção em pé do que
ainda resta de nossas florestas ricas em seringueiras, castanheiras, açaizeiros
e tantos outros produtos que nos são úteis também não merece o mesmo tipo de
tratamento?
Para saber mais: “Is It Possible to
Make Rubber Extraction Ecologically and Economically Viable in the Amazon? The Southern Acre and
Chico Mendes Reserve Case Study”, de autoria de Carolina Jaramillo-Giraldo,
Britaldo Soares Filho, Sônia M. Carvalho Ribeiro e Rivadalve Coelho Gonçalves,
publicado na revista “Ecological Economics”, vol. 134, p. 186-197, 2017.
*Evandro
Ferreira é pesquisador do INPAe do Parque Zoobotânico da UFAC