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30 março 2011

BRASIL, POTÊNCIA CIENTÍFICA EMERGENTE

Relatório da Royal Society descreve o crescimento da pesquisa nos países em desenvolvimento, que já rivalizam com as superpotências

Potências científicas emergentes

Agência FAPESP – A ciência dos países em desenvolvimento é destaque no relatório Knowledge, Networks and Nations: Global scientific collaboration in the 21st century, produzido pela Royal Society, a academia de ciências do Reino Unido, e divulgado no dia 28.

De acordo com o documento, Brasil, China, Índia e Coreia do Sul estão “emergindo como atores principais no mundo científico para rivalizar com as superpotências tradicionais” – Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão.

Na China, o investimento em pesquisa e desenvolvimento tem crescido a uma média de 20% ao ano desde 1999, chegando aos US$ 100 bilhões (ou 1,44% do PIB) em 2007. E o país pretende investir ainda mais, alcançando um investimento no setor de 2,5% do PIB até 2020.

“O crescimento da China é sem dúvida o mais impressionante, mas Brasil, Índia e Coreia do Sul estão rapidamente no mesmo caminho e (com base na simples extrapolação de tendências existentes) poderão ultrapassar a produção [científica] da França e do Japão no início da próxima década”, disse o relatório.

“O Brasil, na linha de sua aspiração de se tornar uma ‘economia do conhecimento natural’, com base em seus recursos naturais e ambientais, está trabalhando para aumentar o investimento em pesquisa de 1,4% do PIB, em 2007, para 2,5%, em 2022”, apontou o relatório – segundo dados do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), o país aplicou 1,1% do PIB em ciência em 2007.

O documento também identifica outros países que estão se destacando no cenário internacional, ainda que não tenham uma sólida base no setor, como Cingapura, Irã, Tunísia e Turquia.

“O mundo científico está mudando e novos atores estão surgindo rapidamente. Além da emergência da China, notamos evoluções no Sudeste Asiático, no Oriente Médio e no norte da África, entre outros. O aumento da pesquisa e da colaboração científica, que pode nos ajudar a encontrar soluções para os desafios globais, é muito bem-vindo”, disse Sir Chris Llewellyn Smith, que presidiu o grupo consultor do estudo.

“Os dados do relatório da Royal Society são interessantes e registram o progresso que o Brasil vem tendo nos últimos 20 anos no aumento de sua produção científica. Alguma cautela deve ser adotada entretanto, pois, após 2008, com a crise econômica mundial, pode ter havido mudanças nas tendências extrapoladas. Além disso, o relatório parece ter se baseado muito em fontes secundárias em vez de usar as fontes primárias de dados, que seriam mais confiáveis”, disse Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP.

Artigos publicados

Uma grande variedade de dados foi analisada para o levantamento, incluindo tendências no número de publicações científicas produzidas por todos os países.

Os dados de publicações e citações foram produzidos e analisados em colaboração da Royal Society com a Elsevier, utilizando a base Scopus e resumos da literatura científica global analisada por pares.

Os dados indicam mudanças na autoria dos artigos científicos entre os períodos de 1993-2003 e 2004-2008. Embora os Estados Unidos ainda continuem na liderança, sua parcela na produção científica mundial caiu de 26% para 21% entre os períodos. A China, por sua vez, passou de sexto para o segundo lugar, pulando de 4,4% para 10,2% do total. O Reino Unido continua em terceiro, mas com queda de 7,1% para 6,5%.

O relatório da Royal Society também avaliou dados referentes a citações dos artigos, indicador frequentemente usado para avaliar a qualidade das públicações e o reconhecimento dos trabalhos dos pesquisadores por seus pares.

Nos dois períodos analisados, os Estados Unidos ocupam o primeiro lugar no ranking, seguidos pelo Reino Unido. Mas os dois tiveram queda nos números apresentados, enquanto se percebe o crescimento dos países emergentes nas citações, especialmente da China.

Concentração da pesquisa

O relatório destaca também a concentração das atividades científicas dentro dos países, como nos Estados Unidos, onde três quartos do investimento em ciência e tecnologia estão concentrados em dez estados, com a Califórnia sozinha sendo responsável por mais de um quinto do total nacional.

“Na maioria dos países há concentração da atividade de pesquisa em determinados locais. Moscou responde por 50% dos artigos publicados na Rússia; Teerã, Praga, Budapeste e Buenos Aires chegam a 40%, e Londres, Pequim, Paris e São Paulo, a 20% da produção nacional”, apontou.

De acordo com o relatório, o notável crescimento de São Paulo, que pulou, na última década, 21 posições na lista das cidades que mais publicam artigos científicos no mundo, “reflete o rápido crescimento da atividade científica no Brasil e o papel da cidade como a capital do estado com a mais forte tradição científica”. São Paulo é a única cidade do hemisfério Sul na lista das 20 que mais publicam artigos científicos em todo o mundo.

Nesse ponto, a publicação destaca a definição, pela Constituição do Estado de São Paulo de 1947, de um orçamento próprio para a FAPESP, baseado na transferência de 0,5% do total da receita tributária do Estado, percentual posteriormente elevado para 1%, pela Constituição de 1989.

Segundo o texto, na busca competitiva global por investimentos em pesquisa e desenvolvimento, instalações e talentos científicos, são cidades e regiões, e não países, as unidades mais relevantes.

“As cidades e regiões líderes científicas são bem-sucedidas porque facilitam o intercâmbio entre instituições e organizações. Elas geralmente oferecem uma concentração elevada de talento diversificado, capaz de apoiar uma economia baseada no conhecimento”, indicou.

Colaboração internacional

A publicação também enfatiza a crescente importância da colaboração internacional na condução e no impacto da ciência global e sua capacidade para resolver desafios globais, tais como segurança energética, mudanças climáticas e perda de biodiversidade.

O relatório concluiu que a ciência está se tornando cada vez mais global, com pesquisas cada vez mais extensas e conduzidas em mais locais. A colaboração tem crescido rapidamente e atualmente 35% dos artigos publicados em periódicos internacionais resultam da cooperação entre pesquisadores e grupos de pesquisa. Há 15 anos, o total era de 25%.

“A ciência é um empreendimento global. Hoje, há mais de 7 milhões de pesquisadores no mundo, que utilizam um investimento combinado em pesquisa e desenvolvimento superior a US$ 1 trilhão (um aumento de 45% desde 2002), leem e publicam em cerca de 25 mil periódicos científicos por ano”, indicou.

“Esses pesquisadores colaboram uns com os outros, motivados pelo desejo de trabalhar com as melhores pessoas e instalações no mundo, e pela curiosidade, buscando novos conhecimentos que permitam avançar seu campo ou lidar com problemas específicos.”

Língua da pesquisa

O relatório ressalva que, embora o inglês seja a “língua franca” da pesquisa, há ainda barreiras linguísticas importantes para a ciência mundial. No Brasil e na América Latina, por exemplo, há dificuldade em avaliar o impacto da pesquisa produzida no país e na região, uma vez que a maioria dos artigos é publicada em português ou espanhol e não é capturada pelas métricas globais.

As barreiras impostas pelas diferentes línguas ajudam a fazer com que a colaboração entre os países em desenvolvimento ainda seja mínima. “Enquanto as relações entre os países do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) cresceram recentemente, elas perdem em comparação com o volume da colaboração entre esses países individualmente e seus parceiros no G7”, apontou.

O relatório Knowledge, Networks and Nations: Global scientific collaboration in the 21st century está disponível em: http://royalsociety.org/policy/reports/knowledge-networks-nations.

Foto: Eduardo Cesar/FAPESP

RELIGIÃO NAS ESCOLAS

"Pelo que elas puderam levantar, Acre, Bahia, Ceará e Rio de Janeiro optaram por um sistema confessional, que não se distingue da educação religiosa oferecida em escolas ligadas a igrejas. Não é preciso PhD em Direito para constatar que esse tipo de ensino afronta o dispositivo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação que veda o proselitismo no ensino religioso."

Hélio Schwartsman
Folha de S. Paulo

"O que são as histórias da Bíblia? Fábulas, contos de fadas?", pergunta a professora do 3º ano do ensino fundamental. "Não", respondem os alunos. "São reais!"

A cena, que teve lugar numa escola pública de Samambaia, cidade-satélite de Brasília, abre a reportagem de Angela Pinho sobre o ensino religioso no Brasil, publicada no último domingo na Folha. É um retrato perfeito da encrenca em que essa disciplina, que vem crescendo e hoje abarca mais ou menos a metade das escolas do país, nos lança.

Se as historietas bíblicas são reais, como quer a professora, então nós temos vários problemas. Procedamos por ramos do saber, a começar da física. De acordo, com Josué 10:12, Deus parou o Sol para que os israelitas pudessem massacrar os amorreus. Mesmo que eu não duvidasse da onipotência do Senhor, pelo que sabemos hoje de mecânica, nada na Terra sobreviveria a uma súbita interrupção de seu movimento de rotação. Em quem o aluno deve acreditar, no professor de religião ou no de ciência?

A física não o comoveu? Que tal a geologia? Pela Bíblia, a Terra tem cerca de 6.000 anos --5.771, a confiar nas contas dos rabinos. Pela geologia, são 4,5 bilhões. É difícil, para não dizer impossível, conciliar a literalidade das Escrituras com a existência de fósseis com idades substancialmente maiores que os seis milênios. Do lado de qual professor o aluno deve perfilar-se?

Talvez o problema esteja nas ciências "duras". Passemos às humanidades. A Bíblia, como todo mundo sabe ou deveria saber, é a fonte da moral, e os ensinamentos que ela traz nessa área são incontestáveis. Será? Em várias passagens, o "bom livro" autoriza ou mesmo manda fazer coisas que hoje consideraríamos horríveis, como vender nossas filhas como escravas (Êxodo 21:7) e assassinar parentes que abracem outras religiões (Deuteronômio 13:7). Se julgamos que a ética se aprende através de exemplos livrescos, sugiro trocar as Escrituras pelo mais benigno Marquês de Sade.

OK. Alguém pode argumentar que essa professora é uma exceção. Afinal, ela parece estar sustentando a inerrância da Bíblia, conceito que, no Brasil, é defendido por poucas religiões, notadamente adventistas e testemunhas de Jeová. Para as demais, as Escrituras não precisam e nem podem ser tomadas ao pé da letra.

Admito que essa mudança de discurso nos livra de algumas das dificuldades mais vexatórias --já não precisamos conciliar o criacionismo da Terra jovem com as aulas de ciência--, mas nem de longe acaba com elas.

Como já expliquei numa coluna antiga, embora seja em teoria possível juntar uma teologia um bocadinho mais sofisticada com a seleção natural neodarwinista, essa conciliação acaba resultando num Deus menos atuante, que cria as leis do universo e se retira. Ocorre que esse é o Deus de Newton e de Leibniz, mas não o das pessoas que vão a cultos. Para elas, um Deus que não ouve preces e não interfere nos destinos dos humanos é inútil. E esse Deus que elas querem --e que os sacerdotes pretendem colocar nas aulas de religião-- é, pelo menos no plano psicológico, incompatível com a ciência contemporânea que deveria ser ensinada nas escolas.

Não estou evidentemente sugerindo que as pessoas devam rifar Deus para ficar com a ciência. Essa é a minha opção, mas não acho que deva impô-la a ninguém. O simples fato de uns 90% da humanidade manifestar preferências religiosas é um bom indício de que essa é uma característica da espécie, como a tendência a gostar de música ou aquela quedinha por substâncias psicoativas. A verdade é que o ser humano tem algo de esquizofrênico. Só conseguimos conchavar crenças religiosas, que de algum modo acabam apelando ao impossível ou improvável, com o rigor lógico exigido pelo método científico, porque nosso cérebro está dividido em módulos. "Grosso modo", quando a parte responsável pelo pensamento lógico está ativa, inibe a área da religião, e vice-versa. Com esse mecanismo, as contradições, quando não passam despercebidas, tornam-se digeríveis.

Até para facilitar esse processo, não convém que religião e ciência sejam ensinadas no mesmo espaço. Para que a criançada aprenda desde cedo a distinguir o discurso do "lógos" (científico) do do "mythos" (religioso), é melhor que a escola trate apenas da ciência e que a religião fique a cargo dos templos.

Cuidado, não estou afirmando que não seja possível estudar a religião com ferramentas científicas. Em princípio, a sociologia, a antropologia, a psicologia e a neurociência estão aí para isso. Mas convém lembrar que estamos falando aqui de crianças de 6 a 15 anos, muitas das quais mal conseguem aprender português e as operações aritméticas básicas. Não me parece que a abordagem científica da religião deva ocupar um lugar muito alto na lista de prioridades. De resto, duvido que o lobby que advoga pelo ensino religioso esteja ansioso para ver a fé submetida a exame crítico.

Para além da cabeça da garotada, o ensino religioso na rede oficial também gera uma série de problemas institucionais. Como eu escrevi em texto que acompanhou a reportagem principal, a existência dessa disciplina em escolas públicas fere a separação entre Estado e igreja.

Pelo menos em teoria, o Brasil é um Estado laico. Não há religião oficial e o artigo 19 da Constituição proíbe expressamente o poder público de estabelecer cultos religiosos, subvencioná-los ou manter com eles relações de dependência ou aliança. É claro que a teoria soçobra antes mesmo de chegarmos ao artigo 19. O próprio preâmbulo da Carta invoca a "proteção de Deus", e o artigo 210 prevê o ensino religioso nas escolas públicas de ensino fundamental.

Vale aqui observar que a única Constituição verdadeiramente laica que tivemos foi a de 1891, que rompeu com a Igreja Católica e eliminou quase todos os seus privilégios. As que a sucederam reintroduziram o ensino religioso.

Embora doutrinadores gostem de dizer que não há contradição entre os artigos 19 e 210, é forçoso reconhecer que colocá-los lado a lado gera pelo menos um mal-estar. Não é o único. A diferença é que, ao contrário de outros estrépitos constitucionais, que conseguem passar relativamente despercebidos, esse está produzindo consequências.

Por considerar que o Estado não pode regular matéria religiosa sem romper sua neutralidade diante delas (que caracteriza o laicismo), o CNE (Conselho Nacional de Educação) optou por não fixar parâmetros curriculares nacionais para a disciplina. A decisão é institucionalmente correta (e constitui uma prova indireta do erro que foi colocar o ensino religioso na escola pública), mas gerou um deus nos acuda, onde cada Estado definiu ao sabor da conjuntura política local como a matéria seria ministrada.

As pesquisadoras Debora Diniz, Tatiana Lionço e Vanessa Carrião, em "Laicidade e Ensino Religioso no Brasil", traçam um panorama desse pequeno caos.

Pelo que elas puderam levantar, Acre, Bahia, Ceará e Rio de Janeiro optaram por um sistema confessional, que não se distingue da educação religiosa oferecida em escolas ligadas a igrejas. Não é preciso PhD em Direito para constatar que esse tipo de ensino afronta o dispositivo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação que veda o proselitismo no ensino religioso.

Os demais Estados menos São Paulo escolheram o modo interconfessional, no qual as religiões hegemônicas se unem contra as mais fracas e contra ateus e agnósticos para definir um núcleo de valores a ser ensinado aos alunos. Tampouco é um exemplo de defesa dos direitos das minorias.

Apenas São Paulo fez uma leitura um pouco mais crítica dos mandamentos constitucionais e se definiu pelo ensino não confessional. Pelo menos no papel, aqui as crianças têm aulas de história das religiões, no que é provavelmente a única forma de juntar sem produzir muitas fagulhas o ensino religioso com o princípio da separação entre Estado e religião.

Resta apenas responder porque a laicidade é assim tão importante. O problema com as religiões reveladas é que elas trazem absolutos morais. Se a lei foi baixada pelo Altíssimo, apenas querer discuti-la já representaria uma segunda ofensa contra o Criador. E utilizar absolutos na política --religiosos ou ideológicos-- é ruim porque eles a descaracterizam como instância de mediação de conflitos. O remédio contra isso, como já intuíram no século 18 os "philosophes" do Iluminismo francês e os "founding fathers" dos EUA, é a separação Estado-igreja. Ela facilita o advento da política como arte da negociação e, mais importante, favorece a noção de que minorias têm direitos que devem ser protegidos mesmo contra a maioria. Aqui, paradoxalmente, o laicismo se torna a principal força a proteger as religiões umas das outras.

* Hélio Schwartsman, 44 anos, é articulista da Folha.

29 março 2011

EUROPA REDIVIDIDA?

"...a União Europeia sofrerá algo pior que uma década perdida; passará por uma divergência crônica na qual os países superavitários dispararão e os deficitários ficarão para trás devido ao peso das dívidas acumuladas...A perspectiva de uma Europa de dupla velocidade vai solapar a coesão e...a capacidade para agir em uníssono".

George Soros
Folha de S. Paulo

A Chamada crise do euro em geral vem sendo vista exclusivamente como cambial, mas constitui também uma crise de dívida soberana -e acima de tudo uma crise bancária.

A Europa enfrenta não só uma crise econômica e financeira como também uma crise política. Os países-membros da zona do euro adotaram políticas econômicas divergentes, que refletem posições individuais, e não os verdadeiros interesses nacionais -um choque de percepções que traz em si a semente de um sério conflito político.

A solução que a Europa está a ponto de adotar será ditada pela Alemanha, cujo crédito soberano é necessário para qualquer solução. Mas isso desconsidera a forte responsabilidade alemã pela crise cambial e bancária em curso, se não pela crise de dívida soberana.

A Alemanha atribui a responsabilidade pela crise a países que perderam competitividade e acumularam dívidas excessivas. Consequentemente, a Alemanha quer que todo o peso dos ajustes recaia sobre os países devedores. Mas isso desconsidera sua parcela de culpa.

Quando o euro foi introduzido, a expectativa era que produzisse convergência entre as moedas da zona do euro. Mas na verdade a moeda unificada criou divergência.

O Banco Central Europeu (BCE) tratava os títulos de dívida de todos os países-membros como desprovidos de riscos. Isso induziu os bancos que têm obrigação de manter ativos de risco zero como parte de suas reservas de capital a faturar algumas frações de ponto percentual a mais ao adquirir proporção exagerada de títulos de dívida soberana de países mais fracos.

Isso reduziu as taxas de juros dos países do chamado grupo Piigs (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) e ajudou a inflar bolhas em seus setores habitacionais, em um momento em que os custos da reunificação estavam levando a Alemanha a apertar o cinto.

Isso causou tanto a divergência na competitividade como a crise bancária na Europa, na qual os bancos alemães foram mais prejudicados que os de outros países.

Na verdade, a Alemanha vem resgatando os países pesadamente endividados como forma de proteger seu sistema bancário.

Existe algo de incoerente em resgatar o sistema bancário agora e mais tarde forçar os detentores de títulos de dívida soberana a assumir parte dos riscos, pela introdução de cláusulas de ação coletiva.

Além disso, os requisitos de competitividade exigidos pela Alemanha serão impostos em situação de desequilíbrio, o que colocará os países deficitários em posição insustentável, que pode até derrubar a Espanha, país que começou a crise do euro com dívidas inferiores às da Alemanha, em proporção ao PIB.

Como resultado, a União Europeia sofrerá algo pior que uma década perdida; passará por uma divergência crônica na qual os países superavitários dispararão e os deficitários ficarão para trás devido ao peso das dívidas acumuladas.

A Alemanha está impondo esses arranjos sob severa pressão interna, mas o público alemão não sabe a verdade e, portanto, está confuso.

Duas modificações fundamentais são necessárias. Primeiro, o Sistema Europeu de Estabilização Financeira deve servir também para resgates a bancos, e não só aos países. Isso permitiria que as dívidas soberanas fossem reestruturadas sem precipitar uma crise bancária.

Segundo, para reequilibrar o jogo, o ágio por risco que os países devedores e respeitadores das regras teriam de pagar em sua captação precisa ser removido.

Os países teriam de emitir papéis nacionais com cláusulas de ação coletiva, e pagariam o ágio por risco apenas sobre as somas superiores ao limite para a dívida pública (60% do PIB) estabelecido no Tratado de Maastricht.

A perspectiva de uma Europa de dupla velocidade vai solapar a coesão -e, com ela, a capacidade para agir em uníssono, quando necessário. É por isso que a necessidade do próximo passo na integração europeia precisa ser reconhecida claramente no momento da implementação do mecanismo de solução de crises da União Europeia.

De outra forma, os países deficitários não terão esperança de escapar de suas atuais dificuldades, por mais que trabalhem.

*George Soros é presidente do conselho da Soros Fund Management.

28 março 2011

É ASSIM QUE SE FAZ

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

Fui convidado para participar da reunião realizada na sexta (25/03) pelos Senadores Anibal Diniz e Jorge Viana (PT) para discutir a reforma política em curso no Congresso Nacional.

É uma iniciativa louvável e mostra que alguns políticos ainda se preocupam em ouvir suas bases, que são, ao final das contas, as fiadoras de seus cargos.

Essa interação deveria ser algo indispensável quando o assunto debatido no Congresso tivesse ampla repercussão nacional ou dissesse respeito a temas francamente regionais ou locais.

Os benefícios são mútuos. Por um lado os políticos colhem subsídios para a tomada de decisões junto aos seus eleitores, legitimando ainda mais sua atuação parlamentar. Por outro, os eleitores tem a oportunidade de dialogar diretamente com os seus representantes no Congresso com a certeza de que consumada a eleição, seu voto não está sendo apropriado de forma inescrupulosa.

Esperamos que essa atitude dos dois senadores acreanos vire algo rotineiro. E que sirva de exemplo para outros políticos locais que acham que não devem satisfação a ninguém por sua atuação parlamentar.

24 março 2011

STF DECIDE: FICHA LIMPA SÓ VALE PARA 2012

Voto do 11º ministro, Luiz Fux, desempatou julgamento no Supremo; por 6 votos a 5, Corte decidiu que a lei de iniciativa popular não poderia ter sido aplicada na eleição passada

STF decide que Ficha Limpa só vale para 2012 e ‘barrados’ em 2010 vão assumir

Mariângela Gallucci e Felipe Recondo, de O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu nesta quarta-feira, 23, que a Lei da Ficha Limpa não valeu nas eleições de 2010. Recém-empossado no tribunal, o ministro Luiz Fux deu o voto decisivo para liberar os candidatos ficha-suja que disputaram cargos em outubro do ano passado e que tinham sido barrados de assumir mandatos com base em restrições da lei.

Pela decisão, todos candidatos barrados pela Ficha Limpa que tiveram votos suficientes para se eleger devem tomar posse, entre eles Jader Barbalho (PMDB-PA), João Capiberibe (PSB-AP) e Cássio Cunha Lima (PSDB-PB).

Para precisar quantos deputados terão o mandato interrompidos para dar lughttp://www.blogger.com/img/blank.gifar a fichas-sujas será necessário recalcular o coeficiente eleitoral. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) informou nesta quarta que não dispõe da relação de políticos que assumirão vagas no Congresso.
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A decisão é uma derrota para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que sempre defendeu a aplicação imediata da lei, e adia a entrada em vigor de uma norma que teve origem numa iniciativa popular, com o apoio de 1,6 milhão de pessoas.

Saiba mais:

Folha de S. Paulo - STF anula validade da Ficha Limpa para eleições de 2010

O Globo - Idealizadores da Lei da Ficha Limpa lamentam resultado, mas dizem que mudança marcará eleição de 2012

23 março 2011

DISPUTA DE SINDICATOS PODE ESTAR POR TRÁS DE CONFLITO EM JIRAU

Uma disputa entre sindicatos ligados à CUT e à Força Sindical pode estar por trás dos conflitos que levaram à depredação do canteiro de obras da hidrelétrica de Jirau, em Rondônia

Rodrigo Vargas
Enviado especial a Porto Velho
Folha de S. Paulo

O Sticcero (Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção Civil de Rondônia) apontou, na Justiça do Trabalho, que um sindicato concorrente teve participação nos episódios na usina.

Estão em uma disputa judicial o Sticcero, criado em 1986, e o Sintrapav-RO (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada de Porto Velho), entidade fundada em 2008, ano do início das obras da usina.

O sindicato mais antigo é filiado à CUT (Central Única dos Trabalhadores). O Sintrapav integra uma federação ligada à Força Sindical. Somadas, as contribuições sindicais dos 22 mil trabalhadores de Jirau e dos 15 mil da usina de Santo Antônio atingem cerca de R$ 1 milhão por ano.

Em novembro, o Sticcero obteve da Justiça do Trabalho decisão que proibiu o concorrente de praticar "atos em nome da categoria".

Na quinta passada, o Sticcero acusou o rival de distribuir, em Jirau, um panfleto assinado como "Comissão dos Trabalhadores".

Alguns itens coincidem com os defendidos pelos trabalhadores após a revolta: reajuste de 15% e visita à família a cada 60 dias.

O advogado do Sticcero, Flávio Henrique Orlando, disse que a entrega de folhetos aos trabalhadores "foi fator que contribuiu para o caos instalado no canteiro".

USINAS HIDRELÉTRICAS LEVAM CRIMINALIDADE A RONDÔNIA

Rodrigo Vizeu/de S. Paulo
Rodrigo Vargas/Enviado especial a Porto Velho
Folha de S. Paulo

A região das obras das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, registra uma explosão de criminalidade e de casos de exploração sexual de crianças e adolescentes. O aumento dos problemas supera o ritmo do crescimento populacional.

A obra de Jirau foi palco de revolta de trabalhadores na semana passada -- o canteiro foi depredado.

As usinas começaram a ser construídas no segundo semestre de 2008. A população de Porto Velho, onde estão as duas obras, cresceu 12,5% entre aquele ano e 2010. A expansão populacional de Rondônia foi de 2,7%.

Já o número de homicídios dolosos na capital aumentou 44% no mesmo período. Para o promotor Aluildo de Oliveira Leite, que acompanha o impacto das obras, o efeito social das obras foi "subdimensionado".

A ampliação do hospital de base da cidade, que era prevista, não foi concluída.

Em janeiro, os Ministérios Públicos Estadual e Federal cobraram do governo do Estado e da prefeitura "ações sociais efetivas" para o distrito de Jaci-Paraná.

O objetivo, segundo o documento, é "reduzir a alarmante prostituição e tráfico de drogas" no local.

Segundo Raiclin Silva, do Juizado da Infância, as áreas próximas aos canteiros tinham participação mínima nos resgates de menores e agora são metade do total.

O número de estupros em Rondônia cresceu 76,5% de 2008 a 2010. A quantidade de crianças e adolescentes vítimas de abuso ou exploração sexual subiu 18% no período.

Mais de 37 mil funcionários, na maioria homens vindos de outros Estados, trabalham nas duas obras. "É como se houvesse um garimpo", diz Silva.

OUTRO LADO

Segundo o consórcio Energia Sustentável do Brasil, o programa de compensação da obra de Jirau prevê repasse de R$ 156 milhões ao governo estadual e prefeitura.

O consórcio Santo Antônio Energia disse que repassou recursos para a segurança pública estadual. Já o governo estadual e a prefeitura não se pronunciaram.

Colaborou LUCIANA RIBEIRO, de São Paulo

21 março 2011

CRISE NUCLEAR NO JAPÃO

Riscos, incorreções e expectativa cercam a tragédia japonesa. Em sua coluna de março, o biólogo Jean Remy Guimarães fala sobre energia nuclear, reatores e detectores de radioatividade e o que aconteceu na ilha do pacífico.

Jean Remy Davée Guimarães/Ciência Hoje Online

Japão: o impensável aconteceu

[Vista aérea da usina nuclear de Fukushima, no Japão, após explosões decorrentes de danos provocados pelo terremoto que atingiu a ilha no dia 11 de março deste ano. (foto: Flickr/ daveeza – CC BY-SA 2.0)]

A tripla tragédia japonesa expõe cruamente o custo das apostas que fazemos enquanto espécie e civilização. Para gerar toda a energia que desejamos, convivemos com riscos, qualquer que seja a opção: carvão, gás, óleo, hidroeletricidade, eólica, solar, nuclear, todas elas envolvem riscos que podem ser medidos ou calculados com precisão cada vez maior.

A percepção do risco, no entanto, pertence a outra esfera, subjetiva e inacessível aos engenheiros e toxicologistas, e tem pouca relação com o risco real. A disparidade entre essas esferas – o risco de um lado e sua percepção do outro – aumenta conforme a complexidade da tecnologia ou prática.

Nesse quesito, a tecnologia nuclear é campeã. É complicado explicar a radioatividade, natural ou artificial, que nenhum de nossos sentidos é capaz de perceber.

Para saber se estou contaminado, preciso achar um técnico que tenha um detector apropriado, em boas condições de funcionamento, que saiba usá-lo e interpretar os sinais cabalísticos que emite, e ainda entender o que esse técnico me diz e, finalmente, confiar no seu veredito. É pedir muito, especialmente em se tratando de algo que não vejo, sinto ou percebo.

Para piorar, as emissões radioativas podem ser radiações, como o raio gama, de natureza semelhante à da luz, mas invisível e de energia muito superior, ou fluxos de partículas, como alfa ou beta, que têm massa e carga elétrica. Raios gama podem viajar de uma galáxia a outra, alfas são detidas por uma folha de papel e betas não viajam mais que alguns metros no ar. Os elementos radioativos podem ainda emitir combinações de radiações diferentes.

Em caso de exposição a uma fonte externa ao corpo, naturalmente as radiações gama serão motivo de maior preocupação que as demais devido ao seu maior alcance. Porém, em caso de contaminação interna por inalação ou ingestão de ar, alimentos e água contaminados, as emissões alfa e beta causarão mais danos do que as gama, por irradiarem diretamente nossos tecidos internos.

Falhas de comunicação

Os detectores portáteis que vemos no noticiário sobre a crise nuclear no Japão medem a taxa de exposição à radiação. Portanto, só percebem as emissões que chegam até eles e medem a dose de radiação por exposição externa.

Se houver emissores alfa na atmosfera, que podem levar à inalação de doses elevadas dessas partículas, esses detectores são incapazes de estimá-las. Para detectá-las são necessários equipamentos e cálculos bem mais complexos.

Em condições normais de operação, reatores nucleares emitem pequenas quantidades de elementos radioativos cujo inventário é mantido com grande zelo e alimenta modelos matemáticos que calculam, em tempo quase real, as doses externas e internas por qualquer via de exposição, em qualquer direção e a distâncias de até 50 km. Por que calcular e não medir? Porque as doses são baixas demais para serem medidas diretamente, mesmo por detectores de elevada sensibilidade.

[Núcleo de um reator nuclear, onde se pode ver o brilho azul característico da radiação eletromagnética emitida em seu interior. (foto: Departamento de Energia dos Estados Unidos)]

A tragédia nuclear japonesa expõe, também com muita crueza, o custo da escolha feita pela indústria nuclear de não buscar uma política eficiente de comunicação de riscos.

A energia nuclear foi apresentada ao mundo de forma brusca e, sobretudo brutal, em 1945, quando as bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki mataram cerca de 200 mil civis, e nunca se recuperou plenamente desse trauma de infância. É mais um dos muitos elementos dessa tragédia sua ocorrência no mesmo país que sofreu o único ataque nuclear registrado na história.
No caso da tragédia japonesa, o autismo das autoridades locais só aumenta a angústia e o medo

O problema é que, se por um lado é difícil comunicar riscos em geral e riscos nucleares em particular, não fazê-lo acaba justificando e amplificando a desconfiança e paranoia. Radiações invisíveis, destruição em massa, opacidade, segredo: quantas dimensões simbólicas conspirando para o aumento e distorção da percepção de risco?

A Agência Internacional de Energia Atômica e o governo norte-americano acabam sendo os porta-vozes improvisados que, como os oráculos da antiguidade, interpretam e traduzem os poucos sinais emitidos.

Diferente mas semelhante

Dessa vez não houve guerra ou crasso erro humano como no acidente de Chernobyl. A tragédia foi provocada pela improvável combinação de um terremoto de alta intensidade, seguido de um tsunami de proporções bíblicas.

Mas, ironicamente, na sequência de eventos que levou ao desastre, o acontecimento decisivo envolveu os elementos menos complexos ou de tecnologia mais simples do complexo nuclear: uma simples pane de geradores. Isso mesmo, um motor a explosão que faz girar um dínamo e gera eletricidade, como a força muscular do ciclista move o pequeno dínamo que alimenta o farolete da bicicleta.

No caso de uma central nucleoelétrica, naturalmente, o dínamo é enorme, algo equivalente a várias locomotivas juntas. Sem os geradores, não havia energia para bombear a água que resfria os reatores, levando ao derretimento das varetas de combustível do núcleo do reator, superaquecimento e explosões.

As últimas foram violentas o bastante para danificar a espessa contenção de concreto onde fica alojado o núcleo do reator e, por isso, está havendo vazamento para a atmosfera de produtos radioativos que normalmente ficam confinados nas pastilhas de combustível ou na atmosfera interna do reator.

No caso de Chernobyl, o incêndio resultante do superaquecimento espalhou material radioativo por toda a Europa porque o reator não possuía contenção hermética como a quase totalidade das centrais nucleares em operação hoje, incluindo as do Japão. O acidente que estamos presenciando é, portanto, muito mais surpreendente que o de Chernobyl.

[Vista da usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, que foi palco do pior acidente nuclear da história, em abril de 1986. (foto: Ben Fairless/ CC BY-NC-SA 2.0)]

Mas o autismo oficial nos dois acidentes foi muito semelhante. No caso de Chernobyl, o acidente foi descoberto pelos operadores de centrais nucleares suecas, que não acreditaram no que seus sistemas de monitoração on-line de radiação lhes indicavam insistentemente, a saber, a presença no ar de elementos radioativos artificiais que só poderiam provir de vazamento grave de instalação radioativa.

Mas não havia problemas nas centrais suecas, finlandesas ou alemãs, tendo todas elas detectado as mesmas anomalias. A direção dos ventos apontava para uma origem a leste, mas a Rússia insistiu em negar a verdade durante algum tempo. Naquele remoto ano de 1986 nem existia a internet, mas faxes e telefonemas acabaram colocando a Rússia na parede.

Ficamos sabendo há pouco de mais uma explosão na central de Fukushima pela televisão, uma hora antes do primeiro-ministro japonês.

E somos bombardeados pela mídia com os pacotes de informação sobre o tema que nos haviam sido sonegados até aqui, num tratamento de choque que só aumenta a confusão, inclusive por conta das numerosas incorreções e confusões dos textos disponíveis.

Mas o pior é não saber a real dimensão da contaminação nem o que esperar para os próximos dias. Quem sabe não diz. A nós, que não sabemos, mas desconfiamos, resta rezar para que os esforços heroicos de um pequeno grupo de técnicos japoneses deem resultado.

E que, enquanto isso, o vento continue soprando para o mar.

Jean Remy Davée Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro

JARACATIÁ

Jaracatiá é aproveitado como produto ecogastronômico

Alícia Nascimento Aguiar/Esalq

Agência USP - Na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP, em Piracicaba, uma pesquisa desenvolveu formas de aproveitamento do jaracatiá, fruto de uma árvore da Mata Atlântica em risco de extinção. Para levar a fruta até a alta gastronomia, a pesquisadora Evanilda Teresinha Perissinotto Próspero elaborou uma formulação de “Doce de jaracatiá em calda”. O estudo sugere a comercialização da fruta e do doce como produtos ecogastronômicos, trazendo sustentabilidade para as comunidades e o ecossistema onde estão as árvores.

O fruto in natura foi analisado a partir das amostras das regiões de São Pedro, Brotas e Santa Maria da Serra (interior de São Paulo) quanto ao peso, medida, densidade, textura, cor da casca e da polpa e atividade de água. Também se verificuou o pH (acidez), teor de sólidos solúveis, acidez titulável, carotenóides, ácido ascórbico, açúcares totais e redutores, fibras solúveis e insolúveis, minerais; umidade, cinzas, proteínas, lipídeos, carboidratos, valor calórico total.

A caracterização serviu para desenvolver o “Doce de jaracatiá em calda”, nomenclatura estabelecida pela Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a partir de duas variáveis — fruta in natura e fruta congelada. O produto foi elaborado na Planta de Processamento de Alimentos do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição (LAN) da Esalq, verificando sua estabilidade por intermédio de parâmetros microbiológicos, físicos, químicos e sensoriais pelo período de 1, 30, 60 e 90 dias.

Para avaliação da estabilidade do doce realizaram-se análises de pH, acidez titulável, teor de sólidos solúveis, atividade de água e cor, além de estudos microbiológicos (bolores e leveduras) e sensoriais (aparência, odor, sabor, textura, intenção de compra). A análise sensorial do doce de jaracatiá em calda mostrou a preferência do produto para as amostras de Brotas e São Pedro, por serem frutas em maior grau de maturação. Houve 100% de aceitabilidade do doce processado tanto para fruta in natura como para fruta congelada.

Fruto

A Jaracatia spinosa (Aubl) A. DC é uma árvore originária do bioma da Mata Atlântica em risco de extinção em muitos estados brasileiros, cujo fruto e látex são utilizados pelos indígenas para fins medicinais. Seu fruto, o jaracatiá, tem baixo valor calórico e altos teores de fibras, bem como de cálcio, magnésio e potássio.

Os parâmetros avaliados puderam caracterizar as frutas de cada região. Assim, entre as regiões de coleta, as frutas de Brotas se diferenciam das demais regiões pela textura e maior comprimento, as frutas de São Pedro são mais coloridas e as de Santa Maria da Serra se destacam por apresentarem uma fruta mais doce e com mais vitamina C.

“A fruta e o doce na forma de compota do jaracatiá, tradicionais da cidade de São Pedro, apresentavam-se em risco de extinção há 15 anos e, com o envelhecimento das doceiras antigas que dominavam a técnica, o doce parou de ser confeccionado”, ressalta a pesquisadora. “As árvores nativas, devido à expansão urbana, tornaram-se esparsas no entorno da cidade, correndo o risco de desaparecer”.

A pesquisadora destaca que a agroindústria de pequeno porte ou agroindústria artesanal representa para comunidades, grupos ou cooperativas, uma forma de extensão da renda das famílias. “Possibilitar a abertura de um mercado que favoreça a cidade de São Pedro, os municípios vizinhos e outras regiões de mesmo ecossistema, pode revigorar o plantio da árvore no seu habitat natural e proteger a biodiversidade”, analisa Evanilda.

A pesquisa com o jaracatiá faz parte da dissertação de mestrado de Evanilda, apresentada no programa de pós-graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos da Esalq, com orientação da professora Marta Helena Fillet Spoto.

O trabalho integra um projeto da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que inclui a elaboração de um DVD técnico com as etapas do processamento térmico do “Doce de Jaracatiá em Calda” e um DVD com documentário histórico-cultural da árvore e da fruta. O projeto também aborda a utilização dos resíduos, sementes e mucilagem, de onde se pode extrair o óleo e fibras, que são descartados no processamento do produto.

Imagem: Evanilda Próspero

AS DOENÇAS NEGLIGENCIADAS

Avanços na biologia molecular e problemas como malária e hanseníase renovam o interesse da pesquisa sobre doenças negligenciadas, segundo a brasileira Laura Rodrigues, que dirige uma das três faculdades da London School of Hygiene and Tropical Medicine

Novo olhar sobre as doenças negligenciadas

Elton Alisson

Agência FAPESP – Doenças como hanseníase, malária e poliomielite são chamadas de negligenciadas por não atraírem o interesse dos setores voltados à inovação das empresas farmacêuticas e até mesmo da própria comunidade científica mundial.

Mas, nos últimos anos, com os avanços promovidos pela biologia molecular, o interesse no estudo dessas e de outras doenças negligenciadas foi renovado e deve estimular a retomada de financiamento para as pesquisas.

A avaliação é de Laura Rodrigues, professora de epidemiologia de doenças infecciosas e chefe da Faculdade de Epidemiologia e Saúde da População da London School of Hygiene and Tropical Medicine.

Radicada desde 1981 na Inglaterra, a brasileira formada em medicina pela Universidade de São Paulo (USP) foi a primeira mulher estrangeira a chefiar uma das faculdades da instituição, onde também dirige o Comitê de Igualdade de Oportunidades.

Laura concedeu entrevista à Agência FAPESP durante o UK-Brazil Tropical Medicine Workshop, promovido pela FAPESP e pelo Consulado Britânico em São Paulo dias 21 e 22 de fevereiro, em São Paulo, por iniciativa da Academia de Ciências Médicas (AMS, da sigla em inglês) do Reino Unido.

O evento, que integrou a Parceria Brasil–Reino Unido em Ciência e Inovação, reuniu cientistas do Brasil e do Reino Unido com o objetivo de aumentar a colaboração entre os dois países em pesquisas sobre doenças tropicais.

Agência FAPESP – Poderia falar sobre as pesquisas que a senhora coordena atualmente na London School?
Laura Rodrigues – No momento, como chefio uma das faculdades, minha pesquisa está mais limitada por conta das responsabilidades administrativas. A minha área principal de pesquisa atualmente é a avaliação de vacinas para doenças infecciosas. Estou atuando em um projeto de estudo da eficácia da vacina contra a tuberculose, a BCG, dada na infância e na idade escolar, na Inglaterra. A BCG é uma vacina que funciona bem quando dada no nascimento, mas a eficácia varia se aplicada mais tarde. Em colaboração com o professor Maurício Lima Barreto, da Universidade Federal da Bahia, em Salvador, fizemos um grande estudo, com financiamento inglês e brasileiro, sobre a eficácia da segunda dose da BCG. A pesquisa demonstrou que a segunda dose da vacina não dava proteção de mais de 30%, que é o mínimo necessário para a saúde pública. Estamos continuando o segmento etário da população pesquisada e, agora, a proteção proporcionada pela vacina está começando a aparecer. A resposta inicial pode ter sido um pouco simplificada e, talvez, com um segmento mais longo de idade, consigamos destrinchar um pouco melhor o que está por trás da proteção proporcionada pela vacina.

Agência FAPESP – Há outras vacinas candidatas a substituir a BCG?
Laura Rodrigues – Houve um investimento enorme para desenvolver novas vacinas para tuberculose nos últimos anos, mas, no momento, não há boas vacinas candidatas e é possível que novas vacinas de tuberculose tenham que ser dadas juntamente com a BCG. Acho que uma vacina melhor que a BCG talvez não seja encontrada. Em função disso, precisaremos desenvolver uma vacina que melhore a BCG ou proteja nas áreas e nos momentos em que ela não protege.

Agência FAPESP – Além dessa pesquisa sobre a BCG, a senhora realiza outros projetos em colaboração com pesquisadores de instituições de pesquisa brasileiras?
Laura Rodrigues – Também desenvolvemos em Salvador um projeto de estudo sobre os aspectos da asma, que está aumentando no mundo inteiro a ponto de se falar em epidemia. Há uma variação geográfica muito grande na prevalência de asma e Salvador é uma das cidades com prevalência mais alta dessa doença inflamatória em todo o mundo.

Agência FAPESP – Por quê?
Laura Rodrigues – É o que estamos tentando descobrir. Há a questão de por que a asma está aumentando e também por que está aumentando em diferentes lugares com velocidades distintas. Uma das hipóteses é que, com o controle das doenças infecciosas, o sistema imunológico estaria mudando da direção para o qual estava orientado. Antes, ele estava voltado para a luta contra vírus e bactérias e, agora, poderia estar mudando para combater inimigos grandes, que são os alérgenos, que causam alergia e asma. Mas essa hipótese foi um pouco revista porque os helmintos (vermes parasitários) também são grandes e nos lugares onde há muita infecção e muitos helmintos a prevalência de asma é baixa. Uma das hipóteses é que os helmintos modulariam para baixo o sistema imunológico, o qual, estando desregulado, causa mais asma. Essa foi uma das questões pela qual começamos a estudar nesse projeto a cidade de Salvador. O professor Barreto havia realizado pesquisas com um grupo de crianças nas quais ele mediu a presença de helmintos na infância. E nós utilizamos esses dados para verificar se a presença de helmintos na infância diminuía a chance de ter asma mais tarde.

Agência FAPESP – Quais foram as conclusões?
Laura Rodrigues – O que os resultados preliminares estão mostrando é que infecções intensas por helmintos reduzem a alergia, que foi medida por exame de alergia na pele, mas reduz muito menos a frequência de doença alérgica. Existe um papel de imunomodulação, mas não é muito grande. Outro ponto que ficou aparente nesse estudo é que uma proporção grande da asma em Salvador não é causada por alergia, ou seja, é uma asma não alérgica. Esse é um novo campo de pesquisa interessante e existem sugestões na literatura científica de que a asma não alérgica estava aparecendo, mas não tinha sido identificada como um campo de pesquisa importante. Aparentemente, a asma alérgica é mais frequente em pessoas de melhores condições sociais por causa da menor imunomodulação, e a asma não alérgica é maior em pessoas de situações menos privilegiadas. Talvez, no Brasil, a asma não atópica esteja relacionada a desigualdades sociais. Essa é uma área de pesquisa interessante que estamos desenvolvendo agora.

Agência FAPESP – A que se deve esse aumento do interesse da comunidade científica internacional no estudo da asma e da tuberculose?
Laura Rodrigues – Porque essas são doenças ressurgentes. A tuberculose aumentou muito na década de 1990 com a epidemia da Aids e passou a ser uma doença de saúde pública, mesmo em países ricos. Com isso, também reapareceu o financiamento e aumentou o interesse dos países ricos, que, de certa forma, controlam a agenda de pesquisa internacional, em pesquisá-la. Quando os Estados Unidos falam que a tuberculose é de interesse para pesquisa, muitos outros começam a estudá-la. E também porque atualizou a pesquisa da tuberculose. A doença ressurgiu em uma época em que a tecnologia está mais avançada. E ela é uma doença interessante de ser pesquisada, por ser muito complexa e sobre a qual é interessante olhar os diferentes aspectos.

Agência FAPESP – Por outro lado, há doenças, como a malária e leishmaniose, que compõem o grupo das doenças conhecidas como negligenciadas, pelas quais há um interesse de pesquisa muito menor por parte da comunidade científica. A que a senhora atribui esse menor interesse?
Laura Rodrigues – Acho que no momento em que a comunidade científica internacional forma uma opinião de que uma doença começou a desaparecer ou que parece que será controlada, o interesse e o financiamento se esvaem e o volume de pesquisa decresce. Isso ocorreu com a malária. Acharam que ela ia ser eliminada e ninguém mais passou a estudá-la. Não havia mais malariologistas. Aí, de repente, perceberam que era um problema ainda sem controle e voltou o interesse a ponto de hoje haver muito mais financiamento para pesquisá-la. Isso está ocorrendo também com a hanseníase. Com a poliomielite, que está desaparecendo com a vacinação, também estava acontecendo a mesma coisa. Existia uma área enorme de prevenção de pólio que acabou porque se acreditou que a doença foi debelada. Esse instinto de dizer que uma doença não representa mais um problema, que não é preciso mais se preocupar com ela, é saudável e racional. Mas, às vezes, pode ser uma percepção errada. Por outro lado, por causa da revolução promovida pela biologia molecular, o interesse na pesquisa de doenças negligenciadas hoje está explodindo. Com base nisso, eu acho que esse campo vai se abrir de novo. Desde que haja financiamento para esse tipo de pesquisa, é um campo que voltará a ficar atraente logo.

Agência FAPESP – O que levou a senhora a construir sua carreira científica na Inglaterra?
Laura Rodrigues – Eu fui para Londres para fazer mestrado, em 1981, aos 28 anos. Em 1987, quando concluí o doutorado, fui admitida como professora da disciplina de epidemiologia de doenças infecciosas na London School. Acho que a instituição foi mais favorável para a minha carreira científica do que seriam outras. Por ser tão internacional, ela procura incentivar a diversidade e promover a igualdade de gêneros, e isso foi muito útil para mim.

Agência FAPESP – Em 1996, a senhora se tornou chefe da Faculdade de Epidemiologia e Saúde Pública, que é uma das três faculdades da London School. Quais foram suas contribuições para possibilitar o acesso de outras mulheres no quadro de professores da instituição?
Laura Rodrigues – Dediquei parte do meu tempo para discutir com a direção da escola a necessidade de promover ações para incentivar a diversidade e promover a igualdade de gêneros e, com isso, foram implementadas algumas iniciativas. Acho que como mulher e estrangeira cumpri o meu papel de valorizar a diversidade e estimular a igualdade de gêneros na London School. Participei da primeira pesquisa com os alunos para saber se eles achavam que havia sexismo na instituição e sempre estive engajada em ações para permitir mais igualdade.

Agência FAPESP – A senhora também chefia o Comitê de Igualdade de Oportunidades da London School. Qual o papel desse comitê?
Laura Rodrigues – Ele olha todos os anos os aspectos possíveis de discriminação na instituição, como os processos de recrutamento e promoção de professores e diretores. Identificamos uma possível discriminação na realização de concursos para contratação de professores titulares. Percebemos que são contratados mais homens do que mulheres nesses concursos, e estamos discutindo se isso reflete uma desigualdade externa à instituição ou se, de alguma forma, está ocorrendo discriminação no nosso processo de seleção. Mas, hoje, há muitas mulheres exercendo cargo de chefia na London School.

Agência FAPESP – A senhora pretende regressar ao Brasil para realizar pesquisa?
Laura Rodrigues – Isso sempre representou uma possibilidade para mim, e contribuir com a pesquisa brasileira sempre foi essencial na minha carreira na Inglaterra. Às vezes me pergunto se, estando na Inglaterra, com a ênfase que eu dou ao Brasil, eu não contribuí mais do que se eu estivesse aqui, porque lá eu abro portas. Lógico que a pesquisa no Brasil no momento é extremamente atraente. A pesquisa está mais bem financiada e é de alta qualidade. Mas, de certa forma, o futuro que vejo não é necessariamente a repatriação, mas o aumento da mobilidade científica, que é algo importante porque as pessoas trazem perspectivas diferentes. A comunidade científica é um mundo cada vez mais cosmopolita. Na London School of Hygiene and Tropical Medicine, por exemplo, há professores de 40 países. Ninguém faz pesquisa isoladamente. A ciência funciona com a revisão dos pares. Tem que ter esse caráter internacional e a análise pelos pares. O Brasil precisa estar no meio da ciência internacional, colaborando para ser avaliado, para avaliar e para trocar conhecimento, como países como a Inglaterra e os Estados Unidos também precisam. Todo mundo tem que estar nesse universo cosmopolita da ciência.

20 março 2011

O BACARRCÃO DO SERINGAL VITÓRIA VELHA EM TARAUACÁ, ACRE

O último adeus

Isaac Melo*





“1911” lê-se acima de teu batente!
Há cem anos mira com teus quatro olhos,
embora cansados e feridos,
os homens que passam até desaparecer
engolidos pela curva do rio.
Em cada tábua há pedaços de segredos
deixados pelos homens...
Em cada telha há respingos de vozes
que aindam ecoam pela sala deserta...
Em cada anoitecer há chamas de lamparina,
a alumiar as lembranças que aí permanecem...
Os homens passam ignorantes da história e
tu permaneces em teu mutismo sabedor.
O navio gaiola Gilberto, a naufragar,
e tu presenciaste;
as balsas de borracha, a descer rio abaixo,
e tu presenciaste;
os patrões em seus coronelismos,
e tu presenciaste;
os regatões em suas negociatas,
e tu presenciaste;
os seringueiros com suas pélas de borracha,
e tu presenciaste;
os domingos de aviamento no barracão,
e tu presenciaste;
os carros de bois saindo para os centros,
e tu presenciaste;
os guarda-livros atenciosos em seus livros-caixas,
e tu presenciaste;
as novenas e terços em dias especiais,
e tu presenciaste;
as chuvas torrenciais e os repiquetes,
e tu presenciaste;
as sortes, as desavenças e as esperanças,
e tu presenciaste...
As mãos que te ergueram onde estarão?
Elas, quem sabe, não te deixariam padecer.
O verdadeiro artista há de sempre respeitar
as obras de suas mãos!

Oh, ironia! Aqueles que podem não fazem
e os que querem não podem!
Até quando aguentarás o descaso dos homens
e as mãos esfaimadas do tempo?

NOTA DO BLOG: no verão de 1977 fui passar as férias do meio do ano em um seringal administrado pelo 'fuzileiro naval' Adson Leite. O nome, se não me engano, era 'Vitória Nova'. Lembro que fomos em um pequeno batelão com pelo menos 8 pessoas e a viagem durou pelo menos 2 dias. O pernoite foi feito neste barracão do Vitória Velha. Confesso que fiquei um pouco temeroso - estava no começo da adolescência -, pois já tinha ouvido muitas histórias de fastasmas de pessoas que haviam falecido no local em razão do naufrágio do navio gaiola 'Gilberto'. Mas o que mais me impressionou - e amedrontou - foram as histórias contadas por um senhor negro, muito velho, alto, e que parecia ser um dos primeiros desbravadores do local - ou pelo menos sabia de todas as histórias. Armei minha rede ao lado da rede do velho senhor. Foi duro dormir e pensar em todas as histórias que ele havia contado. Mais duro foi saber que ele estava lá naquele barracão no entardecer de sua vida, sem notícias de seus parentes distantes, sem conforto para seus males de velhice...enfim, um tesouro histórico que deve ter levado consigo parte da memória de Tarauacá. Não sei o que aconteceu com ele. Também nunca o esqueci. Da mesma forma sempre lembro da imponência do velho barracão.

*Isaac Melo escreve no blog Alma Acreana

19 março 2011

O FLAGELO DO CRACK

Gabriel Chalita*
Folha de S. Paulo

Caminhar por certas ruas de São Paulo é doloroso. Vemos jovens perambulando como zumbis pela cracolândia, com suas vidas desperdiçadas. Muitos nem sequer viverão para transmitir a nenhuma criatura o "legado de sua miséria", como afirmava Brás Cubas.

Esse cenário desolador não se resume à capital paulista. Um estudo do psiquiatra Pablo Roig, especialista no tratamento de viciados em crack, revela que há 1,2 milhão de usuários da droga no Brasil. O trabalho mostra que, em média, o consumo começa aos 13 anos.

As sombrias constatações são o resultado de escolhas erradas feitas no passado. O problema não foi diagnosticado a tempo de evitar que ele assumisse tamanha dimensão. Para reverter essa realidade, temos de agir imediatamente.

A presidente Dilma Rousseff, ainda em campanha, anunciou que o combate ao crack seria uma das prioridades de seu governo. No último dia 21, cumprindo a promessa, afirmou que serão inaugurados 49 Centros de Referência em Crack e outras Drogas, os quais formarão 15 mil profissionais de saúde para o atendimento aos usuários.

O consumo de crack se expande em progressão geométrica. Por ser muito barato, é facilmente disseminado entre a população de baixa renda. Pesquisa realizada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul indica que 72,5% da população em situação de rua de Porto Alegre usa a droga.

Mas o crack também ganha adeptos em outros extratos sociais. Uma pesquisa feita em 2009 pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo indicou um crescimento anual de quase 140% no consumo entre pessoas com renda superior a 20 salários mínimos.

Os economicamente desfavorecidos embarcam nessa viagem por não terem condições sociais, materiais e psicológicas de enfrentar as adversidades da vida.

Os demais veem nas drogas uma possibilidade de fugir dos problemas inerentes à condição humana. Buscam o prazer aqui e agora, ilimitadamente. Por caminhos diferentes, uns e outros entram no submundo da criminalidade, destruindo vidas, sonhos e esperanças.

Aterrorizar os jovens com a desculpa de informá-los sobre os perigos das drogas não os afasta delas. Estudos mostram que mais de 90% dos usuários adolescentes conhecem os efeitos e os riscos.

Para prevenir, é fundamental o acesso à educação plena, aos esportes e ao lazer, além de mais e melhores condições de trabalho no futuro. Cabe aos pais dar aos jovens a oportunidade de desenvolver a autoestima, de construir projetos de vida e de estabelecer a percepção de que cada um é responsável pelas suas escolhas e, portanto, pelo próprio destino.

Os jovens necessitam de um tema para viver. Os governos e a sociedade têm a imensa tarefa de tratar aqueles que já estão sob o domínio do vício, reintegrando-os ao convívio social.

Prevenir o uso de drogas significa educar e conscientizar. Para cuidar dos jovens viciados, que se tornam verdadeiros farrapos humanos, temos de aliar políticas públicas efetivas a cuidados especiais.

Fazê-los encontrar um sentido para suas vidas vai além da ação pública; é um ato de amor ao próximo. E isso requer "engenho e arte", como dizia Camões. Ou, nas palavras do psicanalista Erich Fromm, "o amor é uma arte que requer conhecimento e esforço". Esse é o nosso desafio!

*Professor, doutor em filosofia do direito e em comunicação e semiótica, é Deputado Federal (PSB-SP). Foi secretário de Estado da Educação de São Paulo (2003-2006).

16 março 2011

CRISE NUCLEAR NO JAPÃO

Os reatores de Fukushima estão desligados, mas a ausência de um mecanismo de resfriamento, que não funciona devido ao terremoto, faz sobreaquecer o núcleo onde estão as barras de urânio radioativas.

Uma nova Chernobyl: ameaça atômica assusta o planeta

Luca Iezzi
La Repubblica
[tradução é de Moisés Sbardelotto]

Os técnicos estão bombeando água do mar (o que, entretanto, tornará inservível a central no futuro), mas a operação deve ser feita com extrema cautela: o vapor produzido deve ser contido o máximo possível dentro da central, porque ele também é radioativo.

Além disso, o hidrogênio (subproduto da fissão) se acumula e, ao contato com o ar, explode: já ocorreu nos reatores 1 e 3, embora, segundo a Agência das Nações Unidas para a Segurança Nuclear - AIEA, os vessels (recipientes do núcleo) não tenham sido tocados.

O que é o perigo de fusão?

A água evapora ao contato com as barras, e, se permanecerem expostas ao ar por muito tempo, podem fundir-se. Esse é o risco que corre o reator número 2. Eugenio Tabet, ex-diretor do Laboratório de Física do ISS [Instituto Superior de Saúde da Itália], explica: "Luta-se contra o tempo no caso que as barras se fundam. Nesse caso, seriam liberadas quantidades colossais de elementos radioativos. Uma parte do edifício de contenção já está danificada, só o recipiente continua sendo como que um escudo. Se as proteções físicas ao redor do núcleo cedessem, enormes quantidades de material radioativo acabariam no ar, em uma escala não diferente daquela de Chernobyl". Um caso de estudo que jamais se verificou é que o material radioativo passe para o solo (síndrome chinesa).

Podemos confiar nas informações oficiais?

A agência para a segurança do governo, Nisa, e o proprietário da central, Tepco, são os únicos órgãos com informações de primeira mão, embora as leis internacionais os obriguem a enviar informações imediatas à AIEA, a qual está enviando seus próprios técnicos. Existem também fontes terciárias (o Exército norte-americano, a mídia local), que, por enquanto, confirmam as versões oficiais.

O que significa o fato de Fukushima ser um acidente de nível 4? Pode piorar?

Na escala internacional Ines, mede-se a gravidade do acidente também com base na extensão dos efeitos: o grau 4 indica o pior evento que corre o risco de ser contido no perímetro da central. A presença de nuvens radioativas e de contaminação no exterior levou a agência francesa a prever um aumento para o nível 5. Seria possível até superar (o máximo é 7) em caso de fusão do núcleo.

Como se pode quantificar a periculosidade da fuga de radiações que é verificada no Japão?

Para o diretor do Instituto de Fisiologia Clínica do CNR [Conselho Nacional de Pesquisa da Itália] de Pisa, Eugenio Picano, "o dano das radiações sobre a saúde depende da dose de radiações absorvida. A dose pode decair rapidamente de acordo com o material e a proximidade ao ground zero da emissão". Ser contaminado não implica nem em adoecer (tumores ou doenças vasculares), menos ainda em morrer, mas aumenta a probabilidade de desenvolver distúrbios. Segundo Eugenio Tabet, "das escassas informações que chegam, fala-se de mil vezes o nível normal, isto é, receber em 1-2 horas toda a dose de radioatividade que o nosso organismo absorve por ano. Se essa exposição durasse por diversas horas, seria muito perigoso, mas estamos falando de uma exposição direta para que está na vizinhança imediata ou dentro da central".

As radiações do Japão podem chegar até nós?

É altamente improvável, até em caso de um acidente bem mais grave. O climatologista do Enea [Agência Italiana para as Novas Tecnologias, Energia e Desenvolvimento Econômico Sustentável] Vincenzo Ferrara explica: "Pequenas nuvens como aquelas que estão sendo verificadas no Japão após as emissões controladas comumente têm um raio de 10-20 quilômetros, depois se diluem por causa dos ventos e das turbulências. Emissões mais consistentes, porém, com uma liberação em grande altitude podem chegar a cobrir algumas centenas de quilômetros, mas para chegar a uma difusão como a de Chernobyl é preciso uma emissão de grande quantidade e prolongada no tempo, estimulada a uma alta altitude por uma explosão e principalmente ajudada por condições meteorológicas de ventos favoráveis, com ausência de chuva e turbulências limitadas, como se verificou justamente em 1986. Mas, mesmo que essas condições se repetissem, a maior parte da nuvem ou das nuvens japonesas acabariam se exaurindo sobre o oceano antes de chegar ao continente americano".

Mas é verdade que a segurança das novas instalações é maior? Chegaremos à segurança total?

A tecnologia melhora, as instalações construídas depois das de Fukushima (anos 70) multiplicaram os sistemas de segurança (redundância) e melhoraram as proteções como os vessels multicamadas que retêm melhor o calor e a pressão. Mas é uma corrida sem fim, principalmente porque os eventos naturais não são previsíveis: a central japonesa sofreu um tremor de um terremoto bem superior ao máximo previsto pelo projeto. Além disso, indica Tabet, "não devemos esquecer que normalmente as instalações nucleares em funcionamento são sujeitas a revisões periódicas que podem comportar melhorias na segurança". Portanto, os equipamentos da instalação eram considerados à altura dos eventos previsíveis.

14 março 2011

O PREÇO DA ARROGÂNCIA

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

Durante o tempo em que estudei no EUA, entre 1995 e 2001, convivi com muitos estudantes orientais: alguns japoneses, um tanto mais de coreanos, e muitos chineses.

Posso dizer com conhecimento de causa que a maioria deles é extremamente arrogante. Os japoneses em primeiro lugar, seguidos dos coreanos. Os chineses são mais relaxados. Mas todos são, como dizemos no Brasil, extremamente bairristas.

É sabido que admitir erro, falhar, não ter sucesso, é um duro golpe para qualquer um desses orientais. Muitos preferem a morte a ter que admitir que falharam. O harakiri é, muitas vezes, a saída mais honrosa.

A China deu o mau exemplo para o mundo ao negar, até o último momento, que enfrentava uma epidemia de SARS (síndrome respiratória aguda grave). O resultado da vergonha de admitir a crise foi a morte de mais de 700 pessoas em mais de 35 países.

No caso do desastre nuclear em curso no Japão, e considerando que eles divulgam muito pouca informação sobre a real dimensão do que aconteceu e está acontecendo no interior da usina afetada, não se sabe no que vai dar. Minhas expectativas pessoais são as piores possíveis.

Vejam que desde a sexta-feira passada os japoneses sabiam da gravidade da situação dos reatores - o que foi prejudicado, que tipo de providências deveriam ser tomadas, o que os japoneses eram capazes de fazer e o que deveriam pedir como auxílio a outros países. Desde a sexta passada a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) ofereceu ajuda. Obteve silêncio como resposta.

Agora, quando tudo parece indicar que a situação está caminhando para ficar completamente fora de controle, lemos na imprensa que finalmente os japoneses pediram ajuda aos americanos e a AIEA.

Tarde demais?

Eu espero que não. Mas conhecendo a arrogância e a vergonha oriental quando se trata de admitir qualquer tipo de falha, é bem possível que pouco poderá ser feito.

Será que vamos ter que pagar por isso?

Crédito da foto: AP Photo/Eugene Hoshiko

CRISE NUCLEAR NO JAPÃO

A crise nuclear no Japão voltou a se agravar ontem, com as autoridades admitindo que pode ter havido o derretimento parcial de dois reatores na usina de Daiichi, em Fukushima, o risco de uma nova explosão ocorrer no local e falhas no processo de resfriamento do combustível nuclear detectadas em outras duas usinas. A central de Onagawa, a mais próxima do epicentro do tremor, foi posta sob estado de alerta.

Japão corre contra o tempo para evitar catástrofe em usinas nucleares

Cláudia Trevisan
O Estado de S.Paulo

Engenheiros correm contra o tempo para encontrar uma maneira de interromper o processo de aquecimento dos reatores, que se agravava ontem a cada minuto. O grande risco do derretimento é o vazamento de grandes proporções de material radioativo, que teria consequências desastrosas.

Pequenos vazamentos ocorreram desde o terremoto de sexta-feira e testes confirmaram que 37 pessoas foram expostas à radiação. O número pode atingir 160 nos próximos dias, depois que todos os casos suspeitos forem verificados.

O secretário-chefe do Gabinete, Yukio Edano, disse ontem que os níveis de radiação registrados até agora não apresentam riscos à saúde humana. Edano afirmou ainda que o edifício que envolve o reator número 3 da usina Daiichi poderá explodir em razão do aumento da quantidade de hidrogênio em seu interior, a exemplo do que ocorreu no sábado com a construção que protegia o reator número 1.

"Mesmo sob o risco de aumentar ainda mais a preocupação do público, nós não podemos descartar a possibilidade de uma explosão", declarou Edano. "Mas se ela ocorrer, não haverá impacto significativo sobre a saúde humana."

Edano, que atua como principal porta-voz do governo, disse que não há como verificar com segurança a situação dos dois reatores de Daiichi. "Como está dentro do reator, nós não temos como checar diretamente, mas estamos tomando medidas com a suposição de que há um derretimento parcial."

Entre os indícios que apontam nessa direção está o fato de que traços de césio radioativo foram encontrados no sábado nas imediações da planta nuclear. Essa substância é liberada quando ocorre a fissão do urânio em altíssimas temperaturas. A população local recebeu pílulas de iodeto de potássio, que ajuda a proteger a tiroide dos riscos da exposição a material radioativo.

No sábado à noite, os engenheiros decidiram inundar os dois reatores com água marinha, mas ontem ainda não haviam conseguido interromper o processo de aquecimento. O mecanismo de resfriamento das usinas foi interrompido pelo terremoto e os geradores programados para operar em situações de emergência foram atingidos pelo tsunami que se seguiu ao tremor.

Duzentas mil pessoas foram retiradas de um raio de 20 km ao redor das duas usinas de Fukushima, localizada 240 km ao norte de Tóquio.

CRISE NUCLEAR NO JAPÃO

De Chernobyl até hoje, a tecnologia melhorou, mas os riscos continuam

Maurizo Ricci
La Repubblica, Italia [Tradução: Moisés Sbardelotto]
IHU Online

Existem 400 centrais nucleares no mundo, e o número de acidentes relatados é baixo. Mas, embora improvável, o risco, como se viu no Japão, existe. E, se o improvável acidente se verifica, as consequências são enormes: potencialmente, todo acidente nuclear é um desastre mundial, que coloca em perigo qualquer ser vivo e cujos efeitos se prolongam – como em Chernobyl – por décadas.

Quanto mais um reator é novo e moderno, mais é seguro, asseguram os técnicos. Na realidade, os progressos no campo da segurança referem-se sobretudo à introdução de um interruptor automático, que interrompe a fissão quando criam-se situações de perigo. Mas nem isso, no entanto, foi conquistado: os trabalhos de construção das centrais de Olkiluoto e Flamanville (onde funcionaram reatores idênticos aos previstos para a Itália) foram bloqueados pelas autoridades de vigilância, justamente por dúvidas sobre a eficiência do software que constitui o interruptor.

Em todo o caso, o problema japonês, em Fukushima, não se refere ao reator e ao seu apagamento. Não conta que se tratem de reatores de água leve, embora pressurizada (como os que serão importados da França para a Itália), nem que o reator japonês já tenha 40 anos. O reator parou disciplinadamente. O problema é que, depois, porém, é preciso esfriá-lo rapidamente. O drama japonês está aqui. É um problema de tubos, bombas, torneiras. Velhas tecnologias com um forte componente humano.

No incidente de Fukushima, há uma inquietante concatenação de casualidades, banais e nada remotas. O terremoto interrompeu a eletricidade: é preciso bombear água para esfriar as barras. Mas o motor a diesel da bomba de emergência se bloqueia. Enquanto isso, as barras de urânio continuam aquecendo-se, aproximando-se perigosamente do nível de mais de 500 graus, quando correm o risco de começar a se fundir e escoar para baixo. E a temperatura faz explodir (provavelmente) um dos tubos que levam a água, fazendo ruir o teto do edifício. O que explodiu exatamente?

"Explodiu o reservatório do reator", explica Paddy Regan, físico nuclear inglês. "É fundamentalmente o que aconteceu em Chernobyl, e o vazamento de radioatividade é enorme". Se, ao contrário, o dano está limitado à estrutura externa, "enquanto o reservatório interno de aço permanecer intacto – diz Robin Grimes, professor do Imperial College de Londres – a maior parte das radiações será contida". Mas há uma terceira e angustiante possibilidade, que até agora jamais ocorreu: que o terremoto ou a explosão tenham danificado o pavimento do reservatório do reator e que o combustível fundido se propague pelo terreno, onde se tornaria impossível contê-lo ou recuperá-lo.

Mais do que Chernobyl, portanto, Fukushima lembraria Three Mile Island (zero vítimas). Mas o incidente revela quanto os eventos externos e incontroláveis podem ser determinantes. Em uma visita à central de Olkiluoto, na Finlândia, o diretor dos trabalhos, Martin Landtman, disse que o reator será protegido por uma dupla camada de cimento (contra ataques aéreos tipo 11 de setembro) e por um tanque de aço para evitar que, em caso de fusão, o combustível acabe no terreno.

"Naturalmente – acrescenta –, preparamo-nos para os eventos que podemos prever". Mas a natureza oferece muitas vezes eventos imprevisíveis. A velha central de Trino Vercellese, por exemplo, está na beira do rio Po, sete metros acima do nível normal da água. Jamais houve no Po uma cheia superior a sete metros. Se, porém, houvesse uma de oito metros, a água poderia penetrar na central e levar embora consigo as sobras radiativas.

O outro exemplo é oferecido por Fukushima. Todas as centrais são construídas para resistir a um certo nível de abalo sísmico. Fukushima foi pensada para resistir a abalos de seis graus da escala Richter. Na sexta-feira, ela sofreu tremores mil vezes mais fortes. Se as estruturas principais permaneceram firmes, significa que os critérios de construção podem permitir que se superem eventos externos, até superiores ao previsível. Mas não as consequências. Se tudo vai bem, sempre é possível se resignar, como os habitantes de Fukushima, a uma dieta de iodo.

13 março 2011

FLORINDO POERSCH PEDE DESCULPAS

Presidente da OAB pede perdão por brincadeira sobre japoneses desaparecidos por ocasião do terremoto/maremoto.

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

"A todos que necessitam e querem a minha manifestação, meus sinceros perdões! Errei, e, por isso, peço desculpas.

Também sou descendente de colinazadores alemães, e, por isso, mais do que ninguém, conheço das dificuldades dos japoneses.

Não usaria uma tragédia para tripudiar. Brinquei, de mau gosto, na hora errada, e por isso peço desculpas.

Até porque tenho amigos descendentes de japoneses. As minhas mais sinceras desculpas.

Nota do Blog: sem dúvida uma decisão correta a de Florindo. Reconheceu o equívoco, pediu desculpas. A vida segue adiante. Quem dera certos políticos locais tivessem a mesma humildade de fazer o que Florindo fez: pedir desculpas à população pela arrogância em suas atitudes equivocadas em relação aos seus eleitores. Parabéns Florindo Poersch. Que seu gesto sirva de inspiração para outros.

12 março 2011

PEÇA DESCULPAS OU RENUNCIE, DR. FLORINDO!











Vejam o que diz Florindo Poersch, presidente da OAB do Acre, sobre a tragédia no Japão:





Acho que o problema da advocacia não é o diploma, é o caráter. Uma vergonha para os acreanos e um insulto essa declaração de Florindo Poersch.

A OAB do Acre deve pedir desculpas imediatamente por essa ofensa ao povo japonês, especialmente nesse momento de dor. Ele esqueceu que "esses iguais" estão mortos ou desaparecidos, aos milhares, e seus familiares choram uma dor que não tem cura.

Pobre OAB do Acre! Vergonhoso! Lastimável! Deprimente!

Dr Florindo, peça desculpas ou renuncie! Isso é indigno!

Moisés Diniz (Deputado Estadual PCdoB-Acre)

CLASSIFICAÇÃO DA VEGETAÇÃO DO PARQUE ESTADUAL CHANDLESS, ACRE, BRASIL

Uma análise mais acurada demonstra que a classificação da vegetação adjacente a cursos de água no oeste da Amazônia é bem mais complexa do que a encontrada em livros e relatórios usados como referências básicas. Este excerpt da análise da vegetação do Parque Estadual Chandless trás à luz uma nova proposta de classificação da vegetação destas áreas

As Formações Pioneiras de Influência Aluvial (FPIF)*

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

[Figura 1. Representação esquemática do transecto aberto entre a praia e a Floresta Primária (Foto e diagrama esquemático: E. Ferreira)]

As Formações Pioneiras de Influência Aluvial (FPIF) são uma classificação inédita no âmbito do sistema brasileiro de classificação da vegetação (IBGE, 1992), e correspondem, no complexo de formações vegetais adjacentes a cursos de água no oeste da Amazônia, à região compreendida entre a praia e os pontos onde se observa o início da ocorrência de florestas primárias (Figura 1).

A partir do leito dos rios, as FPIFs podem ser facilmente observadas nas margens opostas aos terraços mais elevados destes cursos de água. Estes terraços mais elevados geralmente abrigam florestas primárias de terra firme que são constantemente erodidas pela força das águas.

No âmbito do Parque Estadual Chandless, elas encontram-se localizadas ao longo das margens dos principais corpos de água que drenam o PE Chandless, geralmente estabelecidas em solos formados por deposição fluvial (Neossolo flúvico) ou em solos com lençol freático alto (Gleissolos) (Fig. 2a).

[Figura 2 - Aspectos das formações vegetais com influência aluvial: a) Formação Pioneira de Influência Aluvial (FPIF) em área de deposição aluvial; b) Floresta Primária em terraço alto não inundável sujeito a erosão; c) Floresta Primária em terreno consolidado, sujeito a inundações periódicas; d) Zona de transição entre a Floresta Primária (direita) e a FPIF (esquerda) (Fotos: E. Ferreira)]

Opostas a estas formações pioneiras, se encontram Florestas Primárias em terraços elevados sob pressão erosiva (Fig. 2b), e Florestas Primárias sobre terreno consolidado (não aluvial), baixos e passíveis de inundações temporárias no período das cheias dos rios (Fig. 2c). Esta última formação corresponde às Florestas Aluviais e suas variações, descritas em ACRE (2006).

A correta delimitação em mapas das formações descritas acima é praticamente impossível, pois para isso seria necessário anotar, ao longo dos rios, as margens de deposição e as de erosão aluvial. Durante a AER, entretanto, foi possível observar com clareza as zonas de transição entre as FPIFs e as Florestas Primárias nas áreas de terra firme (Fig. 2d).

É interessante notar que tanto ACRE (2000), como ACRE (2006) ignorou a ocorrência da Vegetação com Influência Aluvial (sensu IBGE, 1992), e as Formações Pioneiras de Influência Aluvial (FPIF) descritas acima. Talvez isso tenha ocorrido pela escala muito ampla do trabalho, que deixou de lado as particularidades destas formações tão freqüentes ao longo dos principais rios e respectivos afluentes por todo o Estado.

Um estudo conduzido durante a segunda campanha da Avaliação Ecológica Rápida do Parque Estadual Chandless procurou investigar a composição florística ao longo de um transecto que se iniciava na margem do rio (praia) e encerrava quando a Floresta Primária deixava de apresentar sinais de influência florística da FPIF.

Foi observado que a vegetação na praia consistia, majoritariamente, em ervas anuais cujo desenvolvimento é desencadeado pela baixa do nível das águas. Estas ervas são, em sua maioria, das famílias Solonaceae, Asteraceae, Euphorbiaceae e Poaceae. Apenas a planta conhecida popularmente como orana Adenaria floribunda Lythraceae se apresentava como um arbusto lenhoso perene capaz de resistir ao período da cheia dos rios.

A maioria do componente florístico das FPIFs é formada por espécies pioneiras, dentre as quais se destacam o assa-peixe Vernonia ferruginea, canarana Gynerium sagitatum Poaceae, embaúba Cecropia spp. Cecropiaceae e, às vezes, o algodoeiro Ochroma pyramidale Bombacaceae.

A Floresta Primária adjacente às FPIFs apresentava dossel com árvores de grande porte, com até 30 m de altura, como a guariúba Clarisia racemosa e manitê Brosimum sp. As espécies do estrato intermediário observadas incluíram a maparajuba Manilkara sp., ingá branca Inga sp., uricuri Attalea phalerata e maraximbé branco Trichilia pleeana. O canela de velho Rinorea viridifolia, pimenta longa Piper hispidinervum e japécanga Smilax sp., eram algumas das principais espécies arbustivas. Heliconias, Araceae e Poaceae representavam a maioria das espécies do componente herbáceo.

O gradiente de variação do solo ao longo do transecto foi de areia pura na margem do rio, passando por uma espécie de argissolo sob as FPIFs, e solo predominantemente argiloso sob a floresta primária. O solo mais promissor sob o ponto de vista de riqueza em matéria orgânica era o encontrado na área das FPIFs, que se beneficiam da constante deposição de matéria-orgânica em função da variação constante do nível das águas no período das chuvas. Essa vantagem, entretanto, parece ser relativa pois na medida em que se aprofunda, este solo vai ficando mais argiloso. Essa condição interfere na velocidade infiltração da água, que é muito rápida na superfície e lenta em subsuperfície, tornando o solo extremamente suscetível à erosão severa.

de Jong (2001) e Kalliola et alii, (1992), em estudos realizados no Peru, demonstraram a importância das formações pioneiras que ocorrem nas áreas de deposição aluvial e comentam que a dinâmica destas formações podem ter influência não apenas ecológica, mas econômica tendo em vista que os solos onde elas crescem são geralmente muito férteis.

Referências citadas

ACRE. 2000. Governo do Estado do Acre. Programa Estadual de Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Acre. Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre Fase I: recursos naturais e meio ambiente - documento final. Rio Branco: SECTMA. V. 2, 116p.

ACRE. Governo do Estado do Acre. Programa Estadual de Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Acre. Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre Fase II: documento Síntese – Escala 1:250.000. Rio Branco: SEMA. 354p.

De Jong W. 2001. Secondary forest dynamics in the Amazon floodplain in Peru. Forest Ecology and Management, 150(1-2): 135-146.

IBGE. 1992. Manual técnico da vegetação brasileira (IBGE, ed.), Rio de Janeiro. 92p.

Kalliola, J.; Salo R. M; Puhakka, M.; Rajasilta, M.; Hame T.; Neller, R. J.; Rasanen M. E. & Danjoy-Arias, W. A. 1992. Upper amazon channel migration. Naturwissenschaften Volume 79, Number 2: 75-79.

*Texto originalmente publicado no Relatório Final do componente Vegetação do Plano de Manejo do Parque Estadual Chandless.