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30 agosto 2016

QUE EFEITOS SECAS SEVERAS E FREQUENTES CAUSARÃO ÀS NOSSAS FLORESTAS?

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

Um artigo científico publicado em 2015 mostrou que as mudanças climáticas globais poderão aumentar a frequência tanto de secas quanto de chuvas extremas na Amazônia antes do ano de 2050 (Duffy et al. 2015). Segundo o estudo as áreas afetadas por secas extremas no oeste da Amazônia poderão triplicar até 2100 e simultaneamente as áreas sujeitas a eventos de chuvas extremas também crescerão após 2040.

Os verões amazônicos (estiagem) serão alongados e os períodos de precipitação mais curtos, mas mesmo assim estaremos sujeitos a chuvas mais intensas em razão da maior evaporação de água dos oceanos. Estes eventos, combinados com o desmatamento persistente na região, causarão mortes maciças de árvores, incêndios florestais e transformarão a região em emissora de carbono para a atmosfera.

Quem vive no Acre, no entanto, tem a nítida impressão de que as previsões desses cientistas estão atrasadas, pois quase todos os anos desde 2005 a região leste do Estado tem experimentado eventos desse tipo. Secas severas ocorreram em 2005, 2010 e 2016. A cidade de Rio Branco declarou situação de emergência por inundações durante sete anos consecutivos (2009- 2015) e a cheia ocorrida em 2015 foi a maior da história.

Mas para os acreanos, que vivem em um estado no qual mais de 80% de seu território ainda é recoberto por floresta nativa, uma pergunta inquietante precisa ser respondida:

- O que acontecerá com nossas florestas se os eventos de secas se intensificarem nos próximos anos?

Alguns pesquisadores (Salazar et al. 2007) fizeram simulações utilizando dentre outras variáveis a temperatura e umidade do ar, precipitação, água no solo, duração dos períodos de seca e de chuvas, e chegaram à conclusão de que o aumento da temperatura global poderá transformar, até o ano de 2100, uma ampla área localizada nas extremidades leste e sul da Amazônia em uma região climaticamente imprópria para a existência de florestas. 

Segundo essa previsão as grandes árvores que dominam as florestas dessa região não sobreviverão às secas mais prolongadas e de forma paulatina a floresta existente na atualidade será substituída por uma vegetação muito parecida com as “savanas” (similares ao Cerrado do Brasil Central). Dependendo da intensidade das mudanças provocadas pelo aquecimento global, estima-se que entre 30 e 60% das áreas florestais da Amazônia se transformarão em savanas.

Outros estudos (Huntingford et al. 2013) sugerem uma situação bem diferente. O excesso de calor gerado pelo aquecimento global e o aumento de CO2 na atmosfera poderão estimular o crescimento mais vigoroso das árvores no período favorável (chuvas), aumentando consideravelmente o sequestro de CO2, compensando os prejuízos decorrentes do prolongamento dos períodos secos.

A comprovação das teorias citadas acima só se dará com o passar do tempo, mas as secas históricas ocorridas na Amazônia em 2005 e 2010 se encarregaram de fornecer algumas respostas.

Durante as secas de 2005 e 2010 foi verificada uma grande mortalidade de árvores e incêndios que atingiram mais de 85 mil quilômetros quadrados de florestas primárias na região. Outro dado importante foi a constatação de que na seca de 2010 as florestas da Amazônia emitiram entre 1 e 2% do carbono que normalmente estocam (Duffy et al. 2015). Foi uma situação excepcional visto que nossas florestas normalmente retiram CO2 da atmosfera e estocam o carbono na medida em que suas árvores crescem. Em outras palavras: nossas florestas passaram da condição de prestadoras de serviços ambientais para ‘poluidoras’ da atmosfera via liberação de C.

Em 2016 estamos vivendo uma nova seca severa e os curtos intervalos entre as últimas secas podem estar contribuindo para a degradação em larga escala de nossas florestas. Na seca de 2005 cerca de 30% delas foram afetadas direta e indiretamente e em 2010 foram quase 50%. Como a recuperação das árvores de grande porte é lenta (Saatchi et al. 2013), os curtos intervalos entre as secas tem sido insuficiente para a completa recuperação das mesmas. Isso poderá resultar em alteração permanente do dossel florestal e contribuir para tornar nossas florestas mais secas e inflamáveis.

O Acre, localizado no limite sul do bioma amazônico, apresenta condições climáticas com períodos secos muito pronunciados e a ocorrência de secas severas em intervalos curtos poderá transformar substancialmente nossas florestas (mesmo aquelas não exploradas). Um dos principais efeitos será a diminuição da riqueza de espécies arbóreas de grande porte cuja ocorrência depende de chuvas abundantes e bem distribuídas. Sem isso, a maioria delas desaparecerá gradualmente de nossas florestas.  

Outra desvantagem é o fato de nossas florestas crescerem sobre solos predominantemente argilosos, uma combinação que em períodos de secas provoca a diminuição da produtividade primária e compromete a manutenção das funções ecossistêmicas das florestas. A exploração incessante de recursos florestais (madeira, por exemplo) quando as condições climáticas são desfavoráveis e sujeitam as florestas a um elevado stress ambiental tende a potencializar sua degradação e concorre para impedir a recuperação pós-exploratória. Alguns pesquisadores acreditam que a recorrência desses eventos desfavoráveis poderá se constituir no ponto de partida da transformação de nossas florestas em savanas.

Em 2016 estamos vivendo uma seca severa que tem submetido nossas florestas a um elevado stress hídrico e alto risco de serem afetadas por incêndios florestais. O bom senso e os dados científicos indicam que nestas condições a prudência ambiental deveria prevalecer sobre a ganância econômica. De outra forma, a sustentabilidade da exploração futura dessas florestas poderá ser comprometida. Não seria o caso de nossas autoridades ambientais acordarem junto com os produtores uma moratória temporária da exploração florestal nas regiões afetadas pela seca?

Para saber mais:
- Duffy e outros, 2015. “Projections of future meteorological drought and wet periods in the Amazon”. PNAS, 112(43): 13172-13177. 
- Huntingford e outros, 2013. “Simulated resilience of tropical rainforests to CO2-induced climate change”. Nature Geoscience, 6: 268–273.
- Saatchi e outros, 2013. “Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy”. PNAS, 110(2): 565-570.
- Salazar e outros, 2007. “Climate change consequences on the biome distribution in tropical South America, Geophys. Res. Lett., 34: L09708.

Crédito da foto: Irwing Foster Brown, 24/09/2005, rodovia BR-317 entre as cidades de Capixaba e Epitaciolândia.


26 agosto 2016

QUASE 4 MIL HECTARES DE FLORESTAS DO ENTORNO DE RIO BRANCO JÁ FORAM QUEIMADAS EM 2016

Evandro Ferreira/Blog Ambiente Acreano

Imagens de satélites analisadas por pesquisadores do Setor de Estudos da Terra e Mudanças Climáticas Globais (SETEM) do Parque Zoobotânico da UFAC revelaram que desde o dia 27 de julho passado quase 4 mil hectares de florestas localizadas no entorno da cidade de Rio Branco e em municípios vizinhos já foram destruídas por incêndios causados por agricultores ou surgidos espontaneamente em razão da seca severa que afeta a região.

Segundo Sonaira Souza da Silva, pesquisadora do SETEM/PZ/UFAC e Doutoranda no INPA, do dia 27 de julho passado até a tarde de hoje (26/08) já foram contabilizadas 3.850 ha de florestas incendiadas apenas nos municípios de Rio Branco, Bujari, Capixaba e Porto Acre. Até agora, Capixaba e Bujari foram os municípios mais afetados pelos incêndios florestais, com 1.450 e 1.200 hectares de floresta queimadas.

Segundo a pesquisadora, a maior parte das florestas queimadas em Capixaba localiza-se no entorno da Usina Alcobrás e existe a possibilidade de que esses incêndios florestais tenham se iniciado com a queima ocorrida nos canaviais adjacentes à usina. Suspeita-se que parte da fumaça que tem poluído severamente a cidade de Rio Branco nestes últimos três dias seja oriunda da queima dos canaviais e das florestas do entorno da Alcobrás.

Sonaira Silva alertou que é preciso agir com firmeza para combater os incêndios nas florestas da região e evitar que a situação fique fora de controle. De outra forma, é possível que o desastre ocorrido durante a seca de 2005 possa se repetir neste ano. 

Segundo a pesquisadora, em 2005 a maior parte dos incêndios que afetaram mais de 200 mil hectares de florestas nativas na região leste do Acre aconteceu a partir de meados de setembro. Em 2016, entretanto, os incêndios florestais têm sido detectados desde o final de julho e poderão, em razão da seca extrema que estamos vivenciando, se estender até outubro.

Questionada se a ‘crise da fumaça’ em Rio Branco poderá ser superada rapidamente, a pesquisadora e outros membros da equipe de pesquisa do SETEM/PZ/UFAC acreditam que tudo dependerá da diminuição no número de focos de calor na região leste do Acre e em estados e países vizinhos. Outra esperança é que a seca severa seja interrompida por chuvas abundantes que possam diminuir a atual escalada de incêndios florestais observados na região.

24 agosto 2016

A FUMAÇA PERMANECERÁ SOBRE NOSSA CIDADE NOS PRÓXIMOS DIAS?

 Evandro Ferreira/Blog Ambiente Acreano

Os dados do CPTEC/INPE e a imagem de satélite da NASA/MODIS sugerem que sim, mas é possível que ela diminua.Vejam o que os dados sugerem para os próximos dias:

- Chuva: sem previsão até o dia 02 de setembro;

- Temperatura: mínima de 12°C na sexta (26/8);

- Unidade relativa do ar: variando entre máximas por volta de 80% e mínimas abaixo de 15%;

- Vento: direção predominante oeste entre os dias 23 e 24/8, com velocidade superior a 21 km/h. No dia 25/8 a direção irá variar no sentido noroeste-sudoeste, mas a velocidade atingirá a mínima de cerca de 14 km/h. Nos dias 26 e 27/8 a direção predominante do vento será oeste e a velocidade poderá variar entre 10-15 km/h.

- Fumaça sobre Rio Branco: as previsões do CTPEC/INPE (ao lado) mostram que entre terça(23) e o final desta quarta (24) a velocidade do vento é superior a 20 km/h e a direção predominante do mesmo é oste, carreando fumaça produzida na Bolívia e no extremo leste do Acre (Acrelândia, Plácido de Castro) sobre a cidade de Rio Branco.


A diminuição da força do vento entre quinta (25) e domingo (28) sinaliza um possível alívio do acúmulo de fumaça em nossa cidade, mas tudo dependerá da quantidade de focos de calor gerada nas regiões de origem da fumaça (ver mapa NASA/MODIS acima). Se eles aumentarem, mesmo os ventos mais fracos poderão contribuir para o aumento da fumaça em nossa região, pois os mesmos continuarão a ser no sentido oeste. Por outro lado, a falta de ventos poderá contribuir para que a fumaça estacionada sobre a cidade seja dissipada de forma mais lenta.

09 agosto 2016

COMPARANDO A SECA DESTE ANO COM AS DE 2005 E 2010

Foster Brown*, Ednéia Santos** e Ivanilson Oliveira***

Secas fazem parte da história da Amazônia. A Antropóloga Betty Meggers juntou evidências de que Mega El Niños de centenas de anos atrás causaram secas que colapsaram sociedades Indígenas Amazônicas. Mais recentemente a seca de 1925-26, também associada a um El Niño, durou vários meses além do normal aqui na Amazônia Sul-ocidental. Mas durante estes períodos não existiam nesta parte da Amazônia cidades de dezenas a centenas de milhares de pessoas e grandes áreas plantadas com capim que queima facilmente.

Este ano estamos caminhando para uma seca forte e, por causa das implicações, vale a pena analisar um pouco mais profundamente as similaridades e diferenças com duas outras secas Amazônicas recentes – as de 2005 e 2010. A chuva média estimada para Rio Branco pelo INMET (Instituto Nacional de Meteorologia aqui do Brasil) é de 32 mm em junho e de 44 mm em julho, o que servirá como referência para a região. Em 2005, foram registrados 25 mm e 6 mm para os dois meses. No caso de 2010, os valores foram 32 mm e 1 mm, respectivamente. Para este ano, os dados de junho e julho são 2 mm e 12 mm. A soma das chuvas de junho e julho coloca este ano como mais seco do que os outros dois anos.

Mas a chuva é somente parte da equação que determina a seca. Outra parte é a evapotranspiração que tira água do solo, rios, açudes e vegetação e a coloca na atmosfera. A evapotranspiração depende de vários fatores, mas para simplificar, vamos considerar que ela sobe com a temperatura.

A média de temperaturas máximas em junho para os três anos foi de 31 a 32 graus, com a mais baixa sendo a de 2016. Muitos de vocês lembram as friagens sucessivas que tivemos em junho, das quais já temos saudade. Em julho, porém, esta relação mudou de cerca de 31 graus em 2005 e 2010 para 35 graus em 2016!

Podemos ver esta situação mais claramente com o número de dias com temperaturas maiores ou iguais a 35 graus. Em julho de 2005 e de 2010, três dias tiveram temperaturas tão altas, porém este ano 17 dias tiveram temperaturas nesta faixa, cinco vezes mais do que nos outros anos.

E para continuar com a tendência, nos primeiros 7 dias de agosto deste ano todas as temperaturas máximas foram acima de 37 graus! Em todo 2010 somente 10 dias tiveram estas temperaturas mais altas e em 2005 a contagem foi de 17 dias. Quase todos os dias com temperatura acima de 37 graus foram entre meados de agosto e outubro.

Então, além de ter chovido pouco, as temperaturas de julho e agosto deste ano indicam que vamos ter temperaturas bem mais altas do que as dos outros dois anos. Isto significa que a água está evaporando mais rapidamente do que nos outros anos também e agravando a seca caso não tenhamos chuvas que compensem essa água transpirada e evaporada, além do estresse térmico para pessoas e ecossistemas.

Bem, se esta história de pouca chuva e temperaturas mais altas ainda não foi suficiente para distinguir 2016 dos outros anos, temos os dados dos níveis dos rios e queimadas para ajudar nessa distinção. No registro da Defesa Civil Estadual de quarenta anos, o recorde do nível mais baixo do Rio Acre em Rio Branco foi 1.50 m no dia 11 de setembro de 2011. Este recorde foi quebrado no dia 29 de julho deste ano. No dia 7 de agosto o nível tinha baixado a 1.36 metros na referência da Defesa Civil.

No entanto, esta altura não é a mesma encontrada perto da ETA II, onde a maior parte da água para a cidade de Rio Branco é captada. O Deputado Estadual Jenilson Lopes Leite e o primeiro autor atravessaram o Rio Acre nesta data e a água estava abaixo das suas cinturas, indicando menos de um metro de profundidade. A redução do nível do Rio Acre em Rio Branco é cerca de 1 a 2 centímetros por dia durante os primeiros dias de agosto.

As queimadas são inferidas via focos de calor capturados pelo satélite Aqua no período da tarde, quando o mesmo passa acima desta parte da Amazônia Sul-Ocidental. Para o dia 7 de agosto, os focos cumulativos de calor desde 1 de janeiro em 2016 para o Acre foram mais de 1,3 vezes maior do que os do mesmo período de 2005 ou 2010. No caso de Madre de Dios, Peru e Pando, Bolívia, o valor foi 5 vezes e 2 vezes, respectivamente.

Em suma, a nossa região parece mais seca do que em 2005 e 2010, com temperaturas mais altas e queimadas mais frequentes para o início de agosto. Se não tiver chuvas fora de época, enfrentaremos uma redução da disponibilidade de água nos próximos meses. A seca, combinada com numerosos focos de calor, significa que a probabilidade de extensas queimadas de áreas de pasto, áreas agrícolas e florestas é extremamente alta, com o potencial de ser pior do que em 2005 e 2010.

De imediato temos que cuidar muito bem da água que ainda nos resta. Também devemos manter em mente que não podemos queimar antes das primeiras chuvas sem arriscar incêndios de grandes proporções, especialmente nas florestas. Umas poucas horas de incêndio são suficientes para danificar florestas que levaram centenas de anos para se desenvolver. Não podemos esquecer que estas florestas funcionam como bombas de água que ajudam a manter e garantir as chuvas na nossa região.

Olhando um pouco para o futuro próximo, é garantido que teremos outros eventos semelhantes a seca deste ano. Se os modelos de mudanças climáticas estiverem certos, podemos esperar eventos até mais intensos e frequentes nas próximas décadas.

Está na hora de nos prepararmos para colhermos o que plantamos.

*Foster Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Cientista do Programa LBA e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC.

**Ednéia Araújo dos Santos, Engenheira florestal com mestrado em botânica do INPA, bolsista de LBA.

***Ivanilson Dias de Oliveira, Geógrafo, Analista Jr. De Geoprocessamento da FUNCATE.

02 agosto 2016

QUANDO O RIO ACRE IRÁ SECAR DURANTE O VERÃO AMAZÔNICO?

Evandro Ferreira* e Ednéia Araujo dos Santos**

Em dezembro de 2014 havíamos publicado um artigo no qual questionávamos se o final do rio Acre era inexorável. Um ano e meio depois, estamos a testemunhar uma seca inédita do nosso rio que, infelizmente, corrobora o que havíamos comentado anteriormente. Hoje publicamos uma versão editada e atualizada do referido artigo com dados gentilmente repassados pelo Dr. Foster Brown do SETEM/Parque Zoobotânico da UFAC.

A ameaça de escassez de água potável no planeta é uma realidade em muitas regiões, especialmente as mais áridas ou que sofreram graves desequilíbrios ambientais. Falar que tal cenário poderia se materializar na Amazônia, com uma vasta rede hidrográfica que abriga a maior reserva de água doce do planeta, soaria como algo surreal. Entretanto, a rápida ocupação da mesma a partir dos anos 70 - que resultou na eliminação de cerca de 15% de sua cobertura florestal para a implantação de cidades e empreendimentos industriais e agropecuários - tornou factível a ameaça de escassez de água em algumas partes desta região nos próximos anos.

E a região leste do Acre poderá ser uma das primeiras na Amazônia a ter que conviver com limitações hídricas se a degradação de seus remanescentes florestais e da sua rede hidrográfica não for controlada. Dos 21,3 mil km² desmatados no Acre (13% de seu território), 15 mil km² ocorreram nesta região. Soa um exagero, mas apesar do leste do Acre equivaler a apenas 22,5% do território do Estado, ele concentra cerca de 70% do desmatamento registrado em todo o Estado.
 
A principal ameaça de crise hídrica no leste do Acre deriva do futuro do rio Acre, que drena cerca de 90% da região (a outra bacia é a do rio Abunã) e abriga em sua área de influência cerca de 450 mil pessoas, ou aproximadamente 60% da população acreana. A região leste é também a mais importante sob o ponto de vista econômico, representando cerca de 70% do produto interno bruto estadual. Uma grave crise hídrica terá, portanto, sérias consequências socioeconômicas para todo o Acre e, possivelmente, para a região sul-ocidental da Amazônia.

Um estudo realizado em 2011 (Piontekowski e outros) mostrou que das 11,5 mil hectares das Áreas de Proteção Permanente (APP) do rio Acre em território acreano, cerca de 3,7 mil (±32%) já tinham sido destruídas. Em cinco dos oito municípios acreanos banhados pelo rio Acre a taxa de destruição desta APP ultrapassa 30%. Epitaciolândia e Rio Branco já eliminaram, respectivamente, 57% e 43% da APP do rio Acre em seus territórios. É importante ressaltar que no caso do rio Acre as áreas de APPs são sinônimos de mata ciliar, que tem importância estratégica para a sobrevivência de rios localizados em planícies sedimentares recentes, como é o caso do rio Acre.

Rios que correm em planícies sedimentares tendem a ser meândricos, apresentam muitas curvas acentuadas em razão da erosão constante em suas margens pela ação da água, e mudam de curso com frequência, formando lagos em formato de meia lua ou ferradura. A existência de mata ciliar ao longo de rios meândricos ajuda a diminuir a erosão natural de suas margens e serve como barreira para o escoamento de sedimentos (argila, areia, pedregulhos) para o leito dos rios, evitando o seu assoreamento (ou aterramento). Por isso em rios assoreados, como parece ser o caso do rio Acre, são frequentes os alagamentos por ocasião de chuvas intensas.

O rio Acre sofre de problemas decorrentes não apenas da destruição de sua mata ciliar, mas também do intenso desmatamento acontecido na área que ele drena na região leste do Acre. A tabela que ilustra esse artigo reflete bem a influência dessas ações humanas sobre os valores das cotas mínimas (nível mais baixo) atingido pelo rio Acre a partir do ano de 1971.

Entre as décadas de 70 (1971-1980) e 80 (1981-1990), o valor médio das cotas mínimas do rio Acre diminuiu apenas 2%. Esse valor, entretanto, caiu 16% entre a década de 80 e a de 90 (1991-2000), quando o desmatamento e a ocupação econômica da região leste do Acre se intensificaram. Entre a década de 90 e os anos 2000 (2001-2010) a diminuição da cota mínima chegou a 20%, um valor impressionante. Um dado interessante é a amplitude das cotas mínimas em cada década: 0,67 m entre 1971-1980, 0,85 m entre 1981-1990, 0,97 m entre 1991-2000 e 0,85 m entre 2001-2010.

Já ultrapassamos a metade da década de 2010 e é extremamente preocupante o fato de a cota mínima do rio Acre ter atingido 1,5 m em setembro de 2011, no final do período seco de um ano climaticamente normal. Mais impressionante foi observar que em julho de 2016, no início do verão amazônico, a cota mínima do rio Acre ter atingido pela primeira vez na história medida abaixo de 1,5 m!

Os dados na figura que ilustra esse artigo nos fazem questionar se a tendência de baixa no valor da cota mínima do rio Acre continuará com a mesma intensidade nos próximos anos. Se isso acontecer é bem possível que no final dessa década (2020) a cota mínima média do rio poderá atingir ±1,65 m. E se a amplitude entre as cotas mínimas do rio Acre for de ±0,6 m isso significará que poderemos testemunhar nosso rio chegar a uma cota mínima de ±1 m até 2020. É uma situação extremamente preocupante!

Se na próxima década (2021-2030) o ritmo de diminuição da cota mínima do rio Acre se mantiver, em algum ano da mesma a cota mínima do rio poderá atingir apenas ±0,4 m. E se o cenário mais pessimista prevalecer na década entre 2031-2040 é possível que neste período, durante o verão amazônico, o leito do rio Acre fique completamente seco no trecho em que ele corta a cidade de Rio Branco.

Soa um futuro distante? Nem tanto. São apenas 24 anos. Nossos filhos, incluindo os adolescentes e aqueles que estão concluindo a faculdade hoje, e que tem vivo na memória o rio Acre com águas correntes no verão amazônico, poderão ser testemunhas desse desastre. Será esse o nosso legado para as futuras gerações? Se isso acontecer, como você – então um idoso que deveria ser visto como um sábio – se justificaria para os jovens do futuro que não foi cúmplice desse desastre?

*Evandro Ferreira, Doutor em Botânica, é pesquisador do INPA e do Herbário do Parque Zoobotânico da UFAC.
**Ednéia Araújo dos Santos, Engenheira Florestal e mestre em botânica, é bolsista do projeto LBA/INPA e pesquisadora Associada ao SETEM/Parque Zoobotânico da UFAC.