QUAL O CUSTO FINANCEIRO DOS INCÊNDIOS NAS FLORESTAS ACREANAS? (*)
Blog Ambiente Acreano
A
resposta para essa pergunta foi dada na forma de um criterioso artigo publicado
em uma revista científica de alto nível no qual se indica de forma objetiva a
extensão dos prejuízos financeiros que a queima de milhares de hectares de
florestas nativas representa para a economia do Acre.
Abordando
o período compreendido entre os anos de 2008 e 2012, o artigo foi originalmente
publicado em inglês (Translating Fire Impacts in Southwestern Amazonia into
Economic Costs = Traduzido os impactos do fogo no sudoeste da Amazônia em
custos econômicos) na revista Remote Sensing, edição de março de 2019, e seus
autores são pesquisadores brasileiros do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (INPE) e da Universidade Federal do ABC.
Segundo
o artigo, de todos os desastres ambientais ocorridos no planeta entre 1998 e
2017, cerca de 91% estavam relacionados diretamente com o clima e geraram
prejuízos de aproximadamente 2,24 bilhões de dólares.
Na
Amazônia, como todos sabem, incêndios em florestas “em pé” são exceção e não a
regra. Ao contrário do Cerrado brasileiro e das Savanas africanas, paisagens
naturais que evoluíram na presença de incêndios periódicos ou episódicos e que
dependem desses eventos para manter seu equilíbrio ecológico, a ocorrência de
incêndios em florestas nativas na Amazônia invariavelmente pressupõe que os
mesmos foram resultado da ação humana.
O
uso do fogo na Amazônia é uma prática milenar, pretérita à chegada dos
europeus. Mas seu uso foi intensificado na medida em que a colonização da região
aumentou a partir de meados do século XIX. Na região, áreas florestais são
derrubadas e queimadas para a abertura de campos para cultivos agrícolas e
criação de gado. A queima da floresta derrubada melhora, ainda que
temporariamente, a fertilidade dos solos.
A
mudança climática global em curso, entretanto, tem favorecido a ocorrência mais
frequente de secas severas no sudoeste da Amazônia – onde o Acre está inserido.
Nos últimos 15 anos o Acre foi atingido por três eventos de secas extremas nos
anos de 2005, 2010 e de 2016. Em todas essas ocasiões, grandes extensões de
florestas nativas foram atingidas por incêndios florestais cujos focos
primários originaram-se em áreas antropizadas adjacentes: pastagens e cultivos
agrícolas.
O
pesquisador Irwing Foster Brown, do Woods Hole Research Center e do Parque
Zoobotânico da UFAC, publicou um artigo estimando que na seca de 2005 mais de
400 mil pessoas foram afetadas pela poluição decorrente dos incêndios
ocorridos. Mais de 300 mil hectares de florestas nativas foram queimados e os
custos econômicos diretos atingiram cerca de 50 milhões de dólares. A soma
global dos prejuízos econômicos, sociais e ambientais ultrapassou os 100
milhões de dólares.
Uma
das consequências do “desastre” ocorrido durante a seca de 2005, no qual o
governo do Estado mostrou estar completamente despreparado, foi a criação de
mecanismos de alerta (monitoramento climático e hidrológico) e o
estabelecimento de políticas públicas voltadas para diminuir o desmatamento e
os riscos de incêndios florestais, mesmo em anos sem secas severas.
É
importante ressaltar, entretanto, que a criação e a implementação dessas
estruturas e políticas foram feitas sem que dados mais detalhados sobre os
reais custos sociais, ambientais e econômicos decorrentes da referida seca
estivessem disponíveis.
A
produção desses dados é um desafio em nível global. Um relatório do escritório
das Nações Unidades para a Redução dos Riscos de Desastres (UNISDR) mostrou que
somente 37% dos desastres ocorridos entre 1998 e 2017 tiveram a estimativa dos
seus custos econômicos revelados. Os custos que os demais desastres
representaram não são conhecidos ou foram mal documentados.
O
estudo dos pesquisadores do INPE e da Universidade do ABC citado acima revelou
que durante secas severas no Acre, o incremento da quantidade de incêndios –
quando comparados com os anos sem secas – aumenta em até 15 vezes os custos
estimados dos danos em infraestruturas, perda de produção agrícola, emissão de
CO2 e morbidade por doenças respiratórias. Em percentual, os prejuízos causados
por secas severas à economia do Acre são estimados em 7,03 ± 2,45% do Produto
Interno Bruto do estado.
O
estudo mostrou ainda que nos anos analisados (2008-2012) mais de 2.577 km²
foram queimados no Acre, dos quais cerca de 12% queimaram mais de uma vez. As
queimadas se concentraram nas proximidades de centros urbanos (Rio Branco,
Cruzeiro do Sul, Sena Madureira, Tarauacá, Feijó e Brasiléia), de estradas
(BR-364, BR-317, AC-040 e AC-075) e rios (Iaco, Muru, Acre e Envira).
A
ocorrência do fogo foi majoritariamente em áreas privadas (98,8%). Nos anos sem
seca severa as pastagens representaram 63,5% de toda a área queimada, enquanto
as áreas florestais representaram apenas 29,7%. Durante a seca ocorrida em
2010, entretanto, a situação se inverteu e as florestas representaram 54,5% de
todas as áreas queimadas no Estado, com o percentual das pastagens caindo para
42,2%. Nesse ano, a área de florestas afetadas por incêndios foi
aproximadamente 16 vezes maior quando comparado com os anos sem a ocorrência de
secas.
Sob
o aspecto econômico, as perdas decorrentes da seca de 2010 no Acre foram
calculadas pelos autores como equivalentes a 243,35 ± 85,05 milhões de dólares.
Para todo o período do estudo (2008-2012) as perdas foram estimadas em 307,46 ±
85,41 milhões de dólares. Isso representou 7,03 ± 2,45% e 9.07 ± 2,46% do
Produto Interno Bruto do Acre, respectivamente.
Os
resultados do estudo mostram que as perdas decorrentes da ocorrência de secas
severas no Acre podem ser imensas. No atual contexto, onde ações de
fiscalização e controle do desmatamento e de outros delitos ambientais estão
sendo desacreditadas e desautorizadas, a eventual ocorrência de uma nova seca
severa no Acre poderá ter resultados desastrosos. Caberá, portanto, ao Governo
Estadual, o papel de liderar a execução das ações de combate aos delitos
ambientais e fortalecer as políticas públicas para minorar os efeitos danosos
desses eventos climáticos.
Para saber mais:
Brown,
I.F., Schroeder, W., Setzer, A., Maldonado, M.D.L.R., Pantoja, N., Duarte, A.,
Marengo, J. 2006. Monitoring fires in southwestern Amazonia Rain Forests. Eos Trans. AGU, vol. 87, p. 253. Disponível em:
https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1029/2006EO260001
Campanharo,
W.A., Lopes, A.P., Anderson, L.O., Silva, T.F.M.R. e Aragão, L.E.C. 2019. Fire Impacts
in Southwestern Amazonia into Economic Costs. Remote Sensing, vol. 11, n° 7, p. 764. Disponível em:
https://doi.org/10.3390/rs11070764
UNIDSR-United
Nations Office for Disaster Risk Reduction. 2018. Sendai Framework for Disaster Risk Reduction 2015–2030. Sendai, Japan.
Disponível em: https://www.unisdr.org/we/inform/publications/43291.
(*)
Artigo publicado no jornal A Gazeta, Rio Branco, Acre, 16/06/2020.
Crédito da imagem: Dr. Foster Brown (WHRC/PZ-UFAC)