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30 setembro 2009

PERDA DE ARRECADAÇÃO PODE SUPERAR GANHOS NO PRÉ-SAL, DIZ ESTUDO

Estudo alerta para risco de transferência de US$ 108 bilhões do setor público para o privado e a possibilidade de perda de cerca de US$ 22 bilhões na arrecadação com exploração de petróleo no pré-sal

Da Assessoria de Imprensa/NA
Agência Câmara


Estudo elaborado pela Consultoria Legislativa da Câmara sobre a capitalização da Petrobras (PL 5941/09) alerta para a possibilidade de a perda de arrecadação superar os ganhos com a cessão onerosa da exploração do pré-sal à empresa.

Conforme estimativa do autor do estudo, Paulo César Ribeiro Lima, a perda de arrecadação sem a participação especial seria de US$ 37,8 bilhões, com o barril de petróleo a US$ 70, enquanto o ganho com a cessão onerosa, que levará à retirada da cobrança da participação especial, será de US$ 15 bilhões - uma diferença de US$ 22,8 bilhões.

Além da perda de arrecadação, no pior cenário para a capitalização da Petrobras, haveria uma transferência de US$ 108 bilhões do setor público para o setor privado.

"Considerando que a Petrobras não pagará participação especial, a cessão pode ser até mesmo sem ônus se houver grande produção e elevados preços do petróleo. A Petrobras poderia até mesmo receber o direito de explorar 5 bilhões de barris com bônus em vez de ônus", comenta Lima, doutor em Engenharia Mecânica no campo de produção de petróleo, que trabalhou como pesquisador da Petrobras por mais de 15 anos.

Exploração

O estudo estima que a exploração do pré-sal, descontados os royalties e o custo da extração, pode gerar receitas líquidas de US$ 230 bilhões, supondo um custo de extração duas vezes maior que o atual e valor médio de venda de US$ 70 o barril durante o período de exploração dos 5 bilhões de barris, sem correção monetária.

No entanto, o valor médio de venda do barril de petróleo pode ser de US$ 95,2 entre 2010 e 2015, segundo estatísticas da Energy Information Administration, órgão oficial de informações estatísticas de energia do governo americano. Com esse valor médio, a receita líquida da Petrobras com o direito de exploração da União seria de US$ 344 bilhões.

Capitalização

Com relação à capitalização da Petrobras, o estudo aponta três cenários: em que os acionistas minoritários exercem integralmente seus direitos de preferência para aumentar sua participação no capital da empresa; exercem parcialmente; ou não exercem nenhum direito de preferência.

Caso os acionistas minoritários exerçam integralmente o direito de preferência para a subscrição do aumento de capital social da Petrobras, a participação da União nesse capital permaneceria inalterada em 32,2%.

Nesse caso, sem computar a perda de arrecadação da participação especial, a diferença entre o valor recebido pela cessão e a receita obtida pela cessão seria de US$ 180 bilhões. Como os acionistas privados continuariam, nesse cenário, com 60% do capital social da Petrobras, haveria uma transferência de US$ 108 bilhões do setor público para o setor privado.

Caso os acionistas minoritários não exerçam integralmente seus direitos de preferência, a participação da União no capital social da Petrobras aumentaria e a transferência de patrimônio do setor público para o privado seria menor. Entretanto, no cenário atual, seria prematuro avaliar esse aumento.

TCU RECOMENDA RETENÇÃO DE RECURSOS PARA OBRAS REALIZADAS EM BAIRROS DE RIO BRANCO

De acordo com o relatório, todas as obras fiscalizadas - saneamento integrado - estão superfaturadas. Leiam abaixo o resumo do relatório.

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FISCOBRAS 2009 - OBRAS COM RECOMENDAÇÃO DE RETENÇÃO CAUTELAR DE RECURSOS (FISCOBRAS E LEVANTAMENTO DE PROCESSOS)

UF OBRA VALOR NA LOA DE 2009
AC 17.512.1128.10S5.0012 - IG-R - (PAC) Obras de Saneamento Integrado em Assentamentos
Precários - AC
Deliberações em Processos de Interesse:
006.675/2009-5 (MIN-BZ - ABERTO ) --- PL-0001-2009 - 22/07/2009

Achados com IGR:
R$ 30.699.424,00
Contrato 24/2008 - Execução dos Serviços de Urbanização das Bacias dos Igarapés e Fundos de Vale do Bairro Conquista - Lote II (R$ 5.836.108,26)
(IG-R) Superfaturamento decorrente de preços excessivos frente ao mercado. (TC 006.675/2009-5)

Contrato 25/2008 - Execução dos Serviços de Urbanização das Bacias dos Igarapés e Fundos de Vale do Bairro Conquista, no município de Rio Branco. (R$ 4.361.014,66)
(IG-R) Superfaturamento decorrente de preços excessivos frente ao mercado. (TC 006.675/2009-5)

Contrato 33/2008 - Execução dos Serviços de Urbanização e Macrodrenagem das Bacias dos Igarapés e Fundos de Vale do Bairro Chico Mendes - Lote I (R$ 5.478.706,05)
(IG-R) Superfaturamento decorrente de preços excessivos frente ao mercado. (TC 006.675/2009-5)

Contrato 39/2008 - Execução dos Serviços de Urbanização da Bacia dos Igarapés e Fundo de Vale do Bairro Chico Mendes - Lote II (R$ 6.017.457,38)
(IG-R) Superfaturamento decorrente de preços excessivos frente ao mercado. (TC 006.675/2009-5)

Contrato 4.04.2008.028-A - Contratação de uma empresa para substituição do 1º trecho pressurizado de adutora de água bruta - ETA Sobral II (R$ 1.438.404,61)
(IG-R) Superfaturamento decorrente de BDI excessivo. (TC 006.675/2009-5)
(IG-R) Superfaturamento decorrente de preços excessivos frente ao mercado. (TC 006.675/2009-5)

Contrato 5.04.2008.014-B - Contratação de uma empresa para Implantação de Adutora e elevatória de água tratada da ETA Sobral II p/ o Centro de Reservação Comara. (R$ 8.329.477,62)
(IG-R) Superfaturamento decorrente de preços excessivos frente ao mercado. (TC 006.675/2009-5)
(IG-R) Superfaturamento decorrente de BDI excessivo. (TC 006.675/2009-5)

Contrato 5.04.2008.018-A - Contratação de uma empresa de engenharia para execução das etapas 3 e 4 da ETE São Francisco, localizada no município de Rio Branco. (R$ 8.694.740,89)
(IG-R) Superfaturamento decorrente de BDI excessivo. (TC 006.675/2009-5)
(IG-R) Superfaturamento decorrente de preços excessivos frente ao mercado. (TC 006.675/2009-5)
(IG-R) Superfaturamento decorrente de itens pagos em duplicidade. (TC 006.675/2009-5)

Contrato 5.04.2008.018-B - Contratação de uma empresa para Construção do centro de reservação Santo Afonso. (R$ 4.442.215,49)
(IG-R) Superfaturamento decorrente de BDI excessivo. (TC 006.675/2009-5)
(IG-R) Superfaturamento decorrente de preços excessivos frente ao mercado. (TC 006.675/2009-5)

Contrato 5.04.2008.019-B - Contratação de uma empresa para Construção do centro de reservação Portal. (R$ 4.428.799,22)
(IG-R) Superfaturamento decorrente de BDI excessivo. (TC 006.675/2009-5)
(IG-R) Superfaturamento decorrente de preços excessivos frente ao mercado. (TC 006.675/2009-5)

* O presente relatório é um resumo da situação das fiscalizações conforme registros do Sistema Fiscalis Execução - Módulo Fiscobras e acompanhamento feito pelo Serviço de Informações sobre Fiscalizações de Página 5 de 24
Obras. As informações deste relatório são fornecidas como referência de acompanhamento. A posição oficial do TCU é dada pelos Acórdãos que deliberam sobre cada Obra. Os itens de deliberação que iniciamse
com três zeros são comunicações em Plenário, e não acórdãos (podem ser consultados na ata do dia).

'GOLPE DE AVISO' DE IMINENTE ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL (AVC)

Estudo indica que um em oito casos de AVC é precedido por um pequeno golpe de aviso. Pessoas que experimentaram ataque isquiêmico transitório devem procurar um hospital imediatamente

Sinal de perigo

Agência FAPESP – Um em cada oito casos de acidente vascular cerebral (AVC) é precedido “por um pequeno golpe de aviso”, ou melhor, um ataque isquiêmico transitório, segundo estudo publicado na terça-feira (29/9) na revista Neurology, da Academia Norte-Americana de Neurologia.

“Os resultados ressaltam a necessidade de termos melhores instrumentos de avaliação de riscos para prevenir AVCs antes que eles ocorram”, disse Daniel Hackam, da Universidade de Ontário Ocidental, no Canadá, um dos autores do estudo. “Até 80% dos AVCs após ataques isquiêmicos transitórios podem ser prevenidos quando os fatores dos riscos são bem avaliados.”

Os pesquisadores identificaram todas os pacientes que passaram por hospitais de Ontário com diagnóstico de AVC durante quatro anos. Do total de 16,4 mil pacientes, 2.032 (ou 12,4%) tiveram um ataque isquiêmico transitório antes do AVC. Durante um ataque transitório, sintomas de derrame duram menos de 24 horas.

Aqueles que não tiveram um sinal de aviso tiveram maior probabilidade de apresentar um AVC mais sério do que os demais. Também tiveram maior probabilidade de morrer (15,2% contra 12,7%) e de ter parada cardíaca inesperada (4,8% contra 3,1%) enquanto permaneceram no hospital.

Já os pacientes que tiveram um ataque isquiêmico transitório eram tipicamente mais velhos do que os que não tiveram sinais anteriores ao AVC. Também apresentaram mais casos de diabetes, pressão alta e problemas cardiovasculares.

“É possível que os vasos sanguíneos daqueles com golpes de aviso estivessem condicionados à falta do fluxo de sangue, o que os protegeu do impacto completo do acidente vascular principal. Qualquer pessoa que tiver um sinal, ainda que pequeno, deve procurar um hospital imediatamente”, disse Hackam.

O artigo de Daniel Hackam e outros, pode ser lido por assinantes da Neurology em www.neurology.org.

(Ilustração: NIH)

29 setembro 2009

DINOSSAURO COM QUATRO ASAS

Inicialmente se pensou que o Anchiomis tenha sido um pássaro primitivo, mas na verdade era um dinossauro

EFE/Estadao.com


LONDRES - Cientistas chineses descobriram o fóssil de um dinossauro com quatro asas e penas, que pode reforçar a ligação evolutiva destes animais pré-históricos com os pássaros modernos.

Encontrado fóssil de dinossauro com indício de plumas

Chineses descobrem fóssil de novo dinossauro emplumado

Segundo foi publicado na revista científica Nature, a descoberta permite compreender melhor a evolução original das plumas nos antigos habitantes da terra, um aspecto evolutivo pouco conhecido devido à falta de fósseis bem conservados.

A falta de informação a respeito fez com que muitos paleontólogos tenham dúvidas de que os dinossauros com aspecto de ave sejam os autênticos antepassados dos pássaros, já que os restos em bom estado conhecidos até agora são de data muito tardia.

Mas o Anchiomis huxleyi, nome que receberam os restos achados em Liaoning, província do nordeste da China, é um fóssil "excepcionalmente bem preservado", no qual ficou gravado um dinossauro com longas plumas nas quatro patas e na cauda.

Isto sugere, segundo o professor Xing Xu, da Academia Chinesa de Ciência, que "pôde ter existido uma fase na qual os dinossauros tiveram quatro asas em sua transição para se transformarem em aves".

Inicialmente se pensou que o Anchiomis huxleyi tinha sido um pássaro primitivo, mas uma avaliação mais exaustiva do fóssil revelou que ele deve ser atribuído ao Troodontidae, grupo de dinossauros estreitamente relacionados com a aves como as conhecemos hoje.

O professor Xing e sua equipe dataram o fóssil no Jurássico tardio (há entre 156 a 138 milhões de anos), o que implica que se trata do dinossauro com aspecto de pássaro mais antigo até o momento.

É inclusive mais velho que o Archaeopteryx, a primeira ave que os paleontólogos tem notícia.

A conclusão principal destes cientistas é que a presença de uma espécie como Anchiomis huxleyi nessa época questiona com solidez o argumento de que os dinossauros com aspecto de aves viveram em
período muito tardio para serem os "pais" dos pássaros.

PHILIPS VAI RETIRAR 5.400 DESFIBRILADORES DEFEITUOSOS DO MERCADO

da France Presse, em Washington/Folha Online

A empresa holandesa Philips anunciou que vai retirar do mercado mundial 5.400 desfibriladores automáticos devido a uma falha eletrônica.

"A Philips foi informada sobre falhas do chip de memória de uma pequena quantidade de aparelhos FR2+ fabricados em 2007 e no início de 2008", informa a empresa.

"A falha deste chipe pode tornar o desfibrilador inoperante", completa.

Segundo a Philips, o problema foi detectado em testes e treinamentos e não prejudicou nenhuma vítima com parada cardíaca.

O equipamento serve para aplicar uma corrente elétrica em um paciente para reverter esse tipo de problema cardíaco.

PORQUE ALGUMAS ROUPAS DE ALGODÃO ENCOLHEM?

Pergunta de Tiago Fonseca, por correio eletrônico

Ciência Online Responde

Foto: Adrian Gtz.
Algumas roupas encolhem, na lavagem e na secagem, porque durante esses processos as fibras e os fios do tecido tendem a retornar à conformação que assumiram quando o fio ou o tecido foram fabricados.

As fibras de algodão contêm principalmente celulose, polímero orgânico formado por longas cadeias de moléculas de glicose. Parte dessas cadeias organiza-se de maneira ordenada e parte de modo irregular, e essa dupla conformação confere às fibras tanto elasticidade quanto resistência.

Na formação do fio, as fibras são dispostas em paralelo e torcidas, gerando uma estrutura espacial que dá ao material uma ‘memória física’. Em seguida, na fabricação do tecido de algodão, os fios são tensionados, seja em tecidos do tipo malha (com fios entrelaçados) ou do tipo plano (com cruzamento perpendicular dos fios). Quando a roupa é confeccionada, o tecido é cortado e sua estrutura física original é alterada.

O uso diário da roupa também tensiona o tecido, modificando a conformação interna. Ao ser lavada e seca, a roupa encolhe devido ao retorno à memória física original, ou seja, as fibras e os fios se reposicionam para atingir novamente a conformação de equilíbrio.

Uma maneira de minimizar esse problema é pré-encolher o tecido na fábrica, o que pode ser feito com máquinas que, por meio da aplicação de temperatura e tensão controladas, conferem uma nova memória física ao tecido. Assim, o encolhimento posterior será menor.


Leonardo Garcia Teixeira Mendes
Coordenação de Engenharia,
Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil (Cetiqt),
Faculdade do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai)

O CUSTO DO CRESCIMENTO URBANO A QUALQUER PREÇO

Estudo apoiado pela FAPESP investiga mecanismos de expansão da periferia urbana. Loteamentos irregulares de baixo padrão são os mais rentáveis, mas custos da urbanização ficam com o poder público. Na foto, imagem do município de São Carlos (SP).

Engrenagens da periferia

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – As cidades crescem, em geral, com a abertura de novos loteamentos e o preço da terra aumenta quando ocorre essa passagem do uso rural para o urbano. Na maioria dos casos, a valorização é maior quando o loteamento é irregular e de baixo padrão. Os empreendedores são então beneficiados, enquanto o poder público arca com os custos da urbanização posterior.

Essas são algumas das conclusões da primeira fase de uma pesquisa, desenvolvida com apoio do Programa de Pesquisa em Políticas Públicas da FAPESP, que examinou os mecanismos de expansão da periferia em três municípios do interior paulista: Suzano, Catanduva e São Carlos.

O estudo, intitulado “Urbanização e preço da terra nas franjas urbanas em municípios do Estado de São Paulo”, está sendo conduzido pelos urbanistas Nabil Bonduki, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP), e Paula Santoro, do Pólis – Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais, sua orientanda de doutorado na FAU.

De acordo com Paula, o objetivo inicial do estudo foi entender os mecanismos de expansão da periferia e, em especial, verificar a hipótese de que muitos loteamentos urbanos iniciados pela iniciativa privada deixam de ser terminados, enquanto a prefeitura fica com o ônus da infraestrutura de urbanização.

“Sabendo que o poder público vai arcar com os investimentos, temos que ter em mente que a decisão de urbanizar não cabe apenas ao setor privado, que faz o loteamento. Se o poder público conhecer a lógica de valorização da terra, poderá agir estrategicamente para estabelecer um processo de urbanização saudável”, disse à Agência FAPESP.

Segundo a urbanista, o objetivo final do estudo é ajudar a repensar a Lei Federal n° 6.766/79 – conhecida como Lei do Parcelamento do Solo –, principal ferramenta do poder público para regular o uso da terra e a expansão das cidades.

“A lei foi criada na década de 1970, em um momento em que houve uma explosão da população urbana no país. Desde então, o Brasil deixou de ser um país rural. Mas, com a velocidade do crescimento urbano, o Estado, que era um agente urbanizador, passou a ser um ator que regula os urbanizadores privados”, destacou.

Ela conta que, atualmente, a iniciativa privada determina onde ocorrerá a urbanização. Ao poder público cabe implementar o restante da infraestrutura. “Está em trâmite uma proposta de revisão da Lei de Parcelamento do Solo. Acreditamos que a pesquisa, quando for terminada em 2010, trará subsídios para essa revisão”, disse.

Valorização heterogênea

A primeira fase da pesquisa avaliou 12 loteamentos situados no limite entre a área urbana e rural dos três municípios paulistas com diferentes características, a fim de avaliar como se dá a transição do rural para o urbano e como ela afeta o preço da terra.

“Suzano, na Grande São Paulo, é um exemplo de expansão urbana metropolitana, cujo crescimento muitas vezes ocorre em áreas de mananciais, de forma irregular, precária e muito adensada. É um caso da periferia da metrópole avançando sobre um município pequeno”, explicou Paula.

Catanduva, a 380 quilômetros a noroeste de São Paulo, é um município com setor agrícola muito produtivo, cujos limites urbanos são cercados por plantações e usinas de cana-de-açúcar. “É uma cidade compacta, muito rentável e pressionada pela agricultura para não crescer”, disse.

A alta diversificação da área periurbana é o que caracteriza a cidade de São Carlos (230 quilômetros a noroeste da capital). “É um composto de situações diversas. O limite urbano da cidade possui plantações de cana-de-açúcar, polo industrial e tecnológico, polo estudantil – com duas grandes universidades – e loteamentos de alta e baixa renda”, disse Paula.

O estudo mostrou que a valorização da terra é muito heterogênea nos diferentes loteamentos estudados. “A variação foi de 60% a 360%, considerando os dois primeiros anos de implantação do loteamento. Um lote irregular em Suzano, por estar na área metropolitana, tem preços bem mais altos que um lote regular em Catanduva, por exemplo”, contou.

Outra constatação é que a rentabilidade se dá em momentos diversos da mudança do uso do solo do rural para o urbano. “Muitas vezes quem lucra não é o proprietário, mas um empreendedor que compra o lote no momento anterior à consolidação do loteamento. Também vimos casos em que o loteamento não era rentável – o que é surpreendente”, disse.

Os pesquisadores também verificaram uma relação política estreita entre os empreendedores, proprietários, legisladores e gestores públicos. Segundo Paula, é muito comum encontrar casos em que vereadores, prefeitos e ex-prefeitos são loteadores.

“Com isso, a fiscalização da implantação de infraestrutura nem sempre acompanha o loteamento até o fim. Embora haja regras, essas ligações de poder podem levar a práticas clientelistas. No entanto, essas práticas foram verificadas especialmente quando estudamos a história dos loteamentos. As gestões atuais têm mais fiscalização”, disse.

Irregular é mais rentável

Os loteamentos de baixo padrão, segundo Paula, são em geral mais rentáveis, já que os empreendedores não investem praticamente nada na infraestrutura e conseguem vender os lotes por preços próximos ao de lotes estruturados e regulares localizados nas proximidades.

“Os lotes de baixo padrão rendem mais do que os de alto padrão. Entre os de baixo padrão, a maior rentabilidade fica com os que são irregulares. Muitas vezes, a promessa de regularização é o que permite que os lotes sejam vendidos por preços próximos aos dos lotes regulares”, explicou.

Apesar da alta rentabilidade, Paula lembra que criar loteamentos irregulares é um crime previsto por lei. “É preciso dizer claramente: esse loteador está roubando os recursos do poder público, que mais tarde vai ter que arcar com a regularização e com a infraestrutura do loteamento”, afirmou.

Segundo ela, a proposta de revisão da Lei de Parcelamento do Solo poderá se valer de uma experiência feita na Colômbia, na qual o governo comprou terras, promoveu a urbanização e vendeu novamente para diferentes agentes.

“Essa experiência mostra que o governo pode se antecipar na urbanização e recuperar o investimento vendendo os lotes. O Estatuto das Cidades diz que a cidade precisa ter função social. Para isso, será preciso que o Estado seja mais propositor, organizador, garantindo que a cidade cumpra essa função”, afirmou.

AFINIDADES ENTRE KARL MARX E CHARLES DARWIN

Por Igor Zanoni Constant Carneiro Leão

O objetivo desta nota é apontar algumas afinidades bastante claras entre a visão de Karl Marx e de Charles Darwin sobre o homem, a natureza e a sociedade. Ambos viveram na Inglaterra vitoriana e, embora com formação e interesses distintos, aproximaram-se de forma notável na forma de ver a ciência que exerceram e na forma de se interessar pelos problemas do homem e da natureza.

Em 1859, Karl Marx publicou em Londres a Contribuição à crítica da economia política, obra de maturidade em que fazia a crítica da economia política dentro de uma trajetória que o levaria a O capital, cujo primeiro volume foi publicado em vida do autor, em 1867. Essa crítica procurava desvendar a chamada base material das sociedades industrializadas, ou seja, suas articulações internas, sua origem e leis de desenvolvimento, passo preliminar para a crítica da totalidade da sociedade burguesa, isto é, de seus aspectos econômicos, políticos, sociais e ideológicos que mantêm, entre si, relações de correspondência ou conexões de sentido.

No mesmo ano e na mesma cidade Charles Darwin publicou A origem das espécies, após uma hesitação de quinze anos nos quais meditou profundamente sobre sua experiência de naturalista a bordo do Beagle, no qual circunavegaria o globo nos anos 1930 no mesmo século. A obra tornou-se imediatamente reconhecida e divulgada de forma muito mais exitosa que a obra de Marx.

Darwin pretendia colocar as bases de uma teoria científica segundo a qual o desenvolvimento de todas as formas de vida se deu por meio de um processo lento de seleção natural, também conhecida como teoria da evolução; embora Darwin preferisse sempre o termo seleção natural ao termo evolução, pela conotação que este tem de progresso e finalidade. Essa teoria teve desdobramentos com as pesquisas de Mendel – que descobriu a transmissão hereditária de caracteres adquiridos através de genes –, bem como por pesquisas como a descoberta do DNA por Watson e Crick já na década de 1960 do século passado – que avançaram sobre o próprio mecanismo biológico de surgimento de características genéticas novas nos organismos vivos.

Sabe-se da admiração que imediatamente suscitou em Marx o livro de Darwin. Para ele, o naturalista havia descoberto para a natureza leis semelhantes às que descobrira para a história humana. Pensou mesmo em dedicar O capital a Darwin, o qual, entretanto, por sua constituição, não desejava que a sua obra tivesse impactos ainda maiores do que aqueles aos quais já dera origem. Em que sentido há leis semelhantes entre a natureza e a história, na visão de Marx?

Como se sabe, Marx começa sua longa carreira de pensador profícuo e rigoroso ainda na Alemanha como um dos críticos de Hegel, para o qual a história humana pode ser contada pelo desenvolvimento de um espírito que a percorre desde a sua gênese até a sua plena concretização na sociedade liberal e no Estado burguês. Os pós-hegelianos, que também seriam revistos por Marx, haviam dado prioridade, nessa história, ao homem e à sua produção ideológica, invertendo a posição entre o espírito divino e a produção concreta pelos homens de sua vida material. Eram, nesse sentido, críticos da religião, quando para Marx o importante era realçar que as produções ideológicas dos homens guardavam uma relação de subordinação frente à produção de sua vida material, que lhes é anterior. Nesse sentido, os pós-hegelianos são ainda como Hegel, idealistas, e Marx defendia uma posição materialista para investigar a história passada ou presente das sociedades.

Ora, Darwin também escreve em uma época em que as Sagradas Escrituras eram usadas como fonte de saber sobre a natureza. Havia cálculos da vida humana sobre a Terra baseados no livro do Gênese e na duração da vida dos patriarcas bíblicos, o que resultava em problemas sérios para a ciência natural como uma duração improvavelmente curta do universo e das espécies, em confronto com o que se sabia sobre geologia e a formação dos fósseis ou das espécies. Assim, também Darwin parte de um silêncio sobre o valor da verdade bíblica, o que lhe devia ser penoso dado seu passado de estudante de teologia destinado a ser pároco da Igreja Anglicana e diante do ambiente pietista dominante nas cabeças bem pensantes da Inglaterra vitoriana. Porém, por seu espírito retraído, Darwin evitava polêmicas, preferindo pacientemente continuar seu trabalho e avançar na sua história natural baseada na seleção natural. Mas havia uma ponte clara entre o materialismo diante da história de Karl Marx e a postura materialista diante das ciências da vida adotada por Darwin.

Ao estudar a história humana, Marx faz uma crítica à postura de individualismo metodológico adotada na economia política burguesa. Partia-se no exame do fazer humano do ser individual, que já conteria em si o potencial acumulado de conhecimento do conjunto da sociedade. Trata-se de um “robinsonada”, de uma recriação do mito de Robinson Crusoé. Para Marx, ao produzir a vida material, os homens entram em relações de produção determinadas socialmente, e tratava-se de ver a produção humana como social. Por outro lado, a essas relações correspondem, subordinadamente, forças produtivas dentro das quais se desenvolve o trabalho humano social. Essa articulação, entre relações sociais de produção e correspondentes forças produtivas, Marx denomina modo de produção, que forma grandes padrões de produção material caracterizando, com a sociedade, a política ou as ideologias articuladas em conexões de sentido com o modo de produção, os grandes períodos da história humana. Assim, temos o feudalismo e a servidão ou o capitalismo e o trabalho assalariado.

Esses padrões não são arbitrários. O capitalismo, por exemplo, pressupõe um certo desenvolvimento do comércio, da técnica, um trabalhador livre como um pássaro, um capital acumulado na usura, no comércio ou na manufatura, que fazem com que ele tenha nascido a partir de certo ponto da história e não de outro anterior. Mas não há aí um determinismo histórico, no sentido de que a história sofre avanços, mas, também, recuos e crises, e não se pode manter metodologicamente uma postura teoricista, nem historicista, quando se trata de investigá-la. Além disso, esses padrões podem dar origem a outros no futuro. Para Marx, o grande desenvolvimento do trabalho coletivo nas grandes unidades produtivas que são as fábricas e o grande avanço nas forças produtivas sob o capital permite que se desenhe no horizonte das sociedades modernas o modo de produção socialista. Não, porém, de forma inelutável. Essa passagem, que é para Marx passagem do homem de sua alienação para sua liberdade e o desenvolvimento de todo seu potencial individual ancorado na sociedade socialista, pode não se dar. Daí a importância da luta política de que Marx sempre participou, sofrendo suas desventuras e suas alegrias.

Ao mesmo tempo, não há em Marx nenhuma indicação de que a passagem de um a outro padrão civilizacional represente um avanço ético ou ideológico, como se pudéssemos comparar a Antiguidade com a Idade Moderna e decidir sobre a superioridade de uma delas. O único sentido em que se pode falar em avanço é no do desenvolvimento das forças produtivas, incrivelmente maiores sob o capital e o trabalho assalariado. É, aliás, esse avanço que permite a esperança de libertação do homem de suas necessidades e a conquista de sua liberdade sob um modo de produção que possa liberar ainda mais intensamente a capacidade produtiva social do trabalho.

As deformações que o materialismo histórico sofreu ao longo do tempo criaram, porém, a convicção de que haveria uma sequência necessária de modos de produção, inscrevendo-se o socialismo no próximo horizonte. Além disso, essa sequência representaria sempre um avanço em termos humanos ou morais, garantindo por tabela a humanidade e a moralidade das sociedades socialistas. Esse evolucionismo não é alheio a outras escolas filosóficas ou teóricas. A sociedade vitoriana de Marx e Darwin julgava-se superior a todas as suas antecessoras, assim como para Hegel o momento culminante da história era o capitalismo liberal. O evolucionismo ganhou importância com Spencer, Dilthey e outros sábios, e está inscrito na nossa bandeira republicana: Ordem e Progresso.

Da mesma forma, olhar a história natural de uma ótica evolucionista, no sentido aqui empregado, implica em assumir uma superioridade da espécie humana sobre as demais, justifica o uso utilitário e cruel da vida animal e do ambiente e, no passado, serviu para supostamente validar uma ciência de medida do homem que embasaria comparações entre grupos humanos, decidindo a superioridade do homem branco de origem européia sobre os demais e a validade de sua ação no mundo dos que lhe são inferiores. Felizmente, o desenvolvimento da ecologia e da genética destruiu essas fantasias perversas e abriu parâmetros científicos decidindo a igualdade da espécie humana e a solidariedade das espécies na Terra. O desenvolvimento das ciências da natureza e do homem deu, pois, razão à recusa de Marx e Darwin em assumir uma postura evolucionista em ambas, destruiu arraigados preconceitos de “raça”, classe e gênero que apenas subsistem no domínio da ignorância ou da conveniência.

Finalmente, acredito ter apontado como Karl Marx e Charles Darwin, partindo de domínios do saber e de posições sociais e políticas diversas, ao usarem com honestidade sua postura materialista e científica, puderam abrir os olhos da sua geração e das gerações futuras sobre a possibilidade e necessidade de novas formas de sociabilidade humana e de relacionamento com o vasto mundo que nos envolve e nos originou.

Igor Zanoni Constant Carneiro Leão é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná. E-mail: igor@ufpr.br.

*Artigo originalmente publicado na revista ComCiência No. 104

EMISSÃO ORIUNDA DE HIDRELÉTRICAS

Caixa preta das emissões de hidrelétricas começa a ser aberta

Maura Campanili
IPAM/Clima em Revista

A origem hídrica de grande parte da energia produzida no Brasil é associada a uma matriz energética considerada limpa. O assunto, porém, ainda é controverso, já que não se sabe ao certo o volume de emissões das usinas hidrelétricas. “Essa é uma caixa preta que precisa ser aberta”, disse Bohdan Matvienko, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP/São Carlos), durante reunião técnica sobre Balanço de CO2 em Reservatórios, realizada pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente de São Paulo, em agosto último.

Segundo Mauro Meirelles, do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), Brasil e Canadá são pioneiros nos estudos de emissões de reservatórios, desde os anos 1990, mas ainda há muitas lacunas de conhecimento sobre o assunto. Por conta disso, essas emissões, que incluem gás carbônico (CO2) e metano (CO4) ainda não são obrigatórias nos inventários nacionais de emissões de gases de efeito estufa. Em seu primeiro inventário, de 2004, o Brasil comunicou suas emissões de metano, mas o resultado foi inconclusivo e não foi incorporado ao resultado final do inventário.

Mudança no uso da terra

Conforme a metodologia do IPCC, os reservatórios entram na categoria de mudança no uso da terra, onde entra a floresta que foi derrubada para a construção do lago. Todo o CO2 é computado no ano do corte. Segundo Meirelles, os reservatórios são estudos por amostragem e, em geral, quanto mais se alaga, maiores são as emissões. “Para projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), não podem ser usados projetos que alaguem uma área muito grande em relação à energia gerada.”

O problema é que as emissões variam muito de um lago para outro e não há um padrão nem em relação à latitude. “Não é uma verdade absoluta, mas as hidrelétricas de Samuel (em Rondônia) e Três Marias (em Minas Gerais) perdem em emissões da termelétricas em relação a CO2 e metano”, conta o responsável pela área de mudanças climáticas do MCT. Entre as dificuldades para contabilizar as emissões estão a separação do que são emissões antrópicas e naturais e o que é material carreado para o lago (vindo de uma indústria, por exemplo) e que já foi contabilizado. Três Marias, por exemplo, pode estar recebendo material da Região Metropolitana de Belo Horizonte, o que explica as altas emissões, que podem estar sendo contadas duplamente.

Também influencia o nível de emissões a vegetação prévia do lago. Em Balbina (no Amazonas), foi feito um reservatório enorme, sem limpeza prévia da vegetação, gerando grandes emissões. “Hoje se obriga a fazer limpeza antes”, explica Meirelles.

Sumidouro de carbono

Com todos esses problemas, a caixa preta começa a ser aberta. Pesquisas da USP/São Carlos sobre emissões em reservatórios hidrelétricos têm mostrado que, mesmo com muita variação nas emissões, em geral, quando se faz uma represa, se cria um sumidouro de carbono no longo prazo. Conforme Matvienko, “2,5% do produto que entra no lago é retido no fundo como carbono. Nossos cálculos mostram que, depois de 60 anos, o estoque de carbono vai aumentando, sequestrando indefinidamente, através dos sedimentos. Soltamos metano, que é mais eficiente do que o gás carbônico como gás estufa, mas os rios já emitem carbono antes de serem represados. No balanço geral, sequestramos mais”, afirma o pesquisador.

Matvienko ressalta, porém, que “mesmo que as companhias hidrelétricas adorem nossos resultados, eles ainda precisam ser confirmados por outros grupos de pesquisa”. Mesmo sem a confirmação definitiva, no entanto, Meirelles afirma que energia hidrelétrica, hoje, é considerada energia limpa.

Foto: Marcos Freitas

28 setembro 2009

MUDANÇAS CLIMÁTICAS GLOBAIS

Mudanças climáticas são mais rápidas que o esperado

Pnuma/IPAM

O ritmo e a escala das mudanças climáticas podem estar superando até mesmo as previsões mais pessimistas do último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). Estudos recentes indicam que são cada vez maiores as chances de aconteceram as previsões mais extremas do IPCC.

Enquanto isso, pesquisas mostram que alguns eventos que poderiam vir a ocorrer em horizontes de tempo de longo prazo, acontecerão mais cedo do que se pensava anteriormente. Os pesquisadores estão cada vez mais preocupados, por exemplo, com a acidificação dos oceanos ligada à absorção de dióxido de carbono na água do mar e com os efeitos sobre os recifes de corais e moluscos.

Perdas de geleiras nas montanhas e nas regiões polares parecem estar acontecendo mais rápido do que o previsto, como a camada de gelo da Groenlândia, por exemplo, que está tendo um derretimento cerca de 60% superior ao recorde anterior, de 1998. Alguns cientistas estão alertando, ainda, que o nível do mar pode subir cerca de dois metros em 2100 e de cinco a dez vezes mais ao longo dos séculos seguintes.

Há também preocupação crescente entre os cientistas de que os limiares ou pontos de ruptura, agora podem ser alcançados em poucos anos ou algumas décadas, incluindo mudanças dramáticas nas monções do subcontinente indiano e da África Ocidental e em sistemas climáticos que afetam ecossistemas críticos como a Floresta Amazônica.

O relatório destaca a preocupação dos cientistas de que alguns desses impactos são irreversíveis, por serem resultado dos gases de efeito de estufa já existentes na atmosfera. Perdas das geleiras das montanhas tropicais e temperadas afetarão entre 20% e 25% da população humana por conta de água potável, irrigação e energia.

Mudanças no ciclo hidrológico resultarão no desaparecimento de climas regionais causando perdas de ecossistemas, espécies e a disseminação de desertos ao norte e ao sul, em reigões longe do Equador.

Estudos recentes sugerem, porém, que ainda é possível evitar os impactos mais catastróficos da mudança climática. No entanto, isso só acontecerá se houver ação imediata e coesa para reduzir as emissões e ajudar os países mais vulneráveis se adaptar.

Essas são algumas das conclusões de um relatório divulgado hoje (24/9) pela Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), intitulada Mudanças Climáticas - Compendium 2009. O relatório, elaborado em colaboração com cientistas de todo o mundo, foi lançado a menos de 80 dias da reunião da Convenção do Clima da ONU em Copenhague, na Dinamarca (COP 15).

No prefácio do documento, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que esta semana recebeu os chefes de Estado em Nova York, escreveu: "Este Compêndio sobre Mudanças Climáticas é uma chamada urgente. O tempo de hesitação acabou. Precisamos mostrar ao mundo, de uma vez por todas, que o momento de agir é agora e temos de trabalhar juntos para enfrentar esse desafio monumental. Este é o desafio moral da nossa geração."

O Compêndio traz cerca de 400 importantes contribuições científicas divulgadas através de publicações especializadas, ou de instituições de pesquisa, nos últimos três anos.

Os resultados da pesquisa e observações no compêndio estão divididos em cinco categorias: sistemas terrestres, gelo, oceanos, ecossistemas e gestão. As principais informações são:

Sistemas terrestres

Um novo sistema de modelagem de clima, com previsão de temperaturas médias de mais de uma década, combinando variações naturais com os impactos das mudanças climáticas induzidas pelo homem, mostra que em pelo menos metade dos 10 próximos anos a temperatura será superior a 2009, o ano mais quente já registrado.

O crescimento nas emissões de dióxido de carbono a partir da energia e da indústria superaram até mesmo os cenários mais pessimistas do IPCC para combustíveis fósseis previstos no final da década de 1990. O aumento das emissões globais foram de 1,1% ao ano entre 1990 e 1999, acelerando para 3,5% ao ano entre 2000 e 2007.

Países em desenvolvimento, que representam 80% da população mundial, foram responsáveis por 73% do crescimento global das emissões em 2004. No entanto, eles contribuíram com apenas 41% do total de emissões, e apenas 23% das emissões acumuladas desde 1750.

O crescimento da economia mundial no início dos anos 2000 e o aumento em sua intensidade de carbono (emissões por unidade de crescimento), combinado com uma diminuição da capacidade dos ecossistemas terrestres e dos oceanos de atuar como sumidouros de carbono, levaram a um rápido aumento das concentrações de dióxido de carbono na atmosfera. Isto contribuiu para fossem sentidos antes do previsto os impactos do aumento do nível do mar, da acidificação dos oceanos, do derretimento do gelo do Mar Ártico, do aquecimento das massas de terra polar e das mudanças nos padrões de circulação dos oceanos e da atmosfera.

O aumento nas concentrações de gases de efeito estufa faz os cientistas temerem um aquecimento da temperatura entre 1,4º C e 4,3º C acima dos níveis pré-industriais. Isso excede o intervalo entre 1º C e 3º C considerados limite para muitos pontos de não retorno, incluindo o fim do gelo no verão do Mar Ártico.

Gelo

O derretimento do gelo nos topos de montanhas parece estar acelerando, ameaçando a subsistência de um quinto ou mais da população que depende do degelo para abastecimento de água. Para 30 geleiras de referência em nove cadeias de montanhas monitoradas, a taxa média de perdas desde 2000 praticamente dobrou em relação às duas décadas anteriores. A tendência atual sugere que a maioria das geleiras desaparecerá dos Pirineus em 2050, e das montanhas da África tropical até 2030.

Em 2007, o gelo marinho no verão do Oceano Ártico encolheu para sua menor extensão, 24% menor que o recorde anterior, de 2005, e 34% menor do que a extensão mínima média no período 1970-2000. Em 2008, a extensão mínima de gelo foi 9% maior que em 2007, mas continua a ser a segunda mais baixa registrada.

Recentes descobertas mostram que o aquecimento também se estende ao sul da Península Antártica, para cobrir a maior parte do oeste da Antártida, uma zona de aquecimento muito maior do que relatado previamente.

O buraco na camada de ozônio tem tido um efeito de resfriamento sobre a Antártida, e é parcialmente responsável por mascarar o aquecimento esperado no continente. A recuperação do ozônio estratosférico, graças à eliminação gradual das substâncias que agridem a camada de ozônio, deverá aumentar a temperatura da Antártica nas próximas décadas.

Oceanos

Estimativas do impacto combinado do derretimento do gelo da terra e a expansão térmica dos oceanos sugerem ser plausível que o nível do mar suba entre 0,8 e 2,0 metros acima do nível de 1990 até 2100. Enquanto isso, o previsto pelo último relatório do IPCC era de um aumento entre 18 e 59 centímetros, pois não levava em conta as estimativas das mudanças em grande escala no derretimento de geleiras por falta de consenso.

Os oceanos estão se tornando mais ácidos mais rapidamente do que o esperado, comprometendo a capacidade dos moluscos e corais de formar seus esqueletos externos.

Ecossistemas

Desde o último relatório do IPCC de 2007, uma ampla gama de estudos mostraram alterações no comportamento sazonal e na distribuição de grupos de plantas e animais marinhos, aquáticos e terrestres.

Um estudo recente projetou os impactos das mudanças climáticas sobre o padrão de biodiversidade marinha e sugere que mudanças dramáticas estão por vir. Ecossistemas de águas sub-polares, dos trópicos e mares semi-fechados são propensos a sofrer grandes extinções até 2050. Os ecossistemas marinhos como um todo poderão ter uma redução no volume de espécies de até 60%.

No cenário do IPCC que mais se aproxima das tendências atuais - ou seja, com mais emissões - entre 12% e 39% da superfície terrestre do planeta poderia experimentar condições climáticas desconhecidas até 2100. Uma proporção semelhante, entre 10% e 48% verão o clima atual desaparecer. Muitos destes climas "desaparecidos" coincidirão com hotspots de biodiversidade e, com a fragmentação de habitats e os obstáculos físicos à migração, teme-se que muitas espécies vão ter dificuldades para se adaptar às novas condições.

Secas perenes já foram observadas no sudeste da Austrália oriental e sudeste da América do Norte ocidental. Projeções sugerem que a persistente escassez de água vai aumentar em algumas regiões nos próximos anos, incluindo a África do Sul e do Norte, o Mediterrâneo, a maior parte do Oriente Médio, uma parte da Ásia Central e no subcontinente indiano.

Gerenciamento

Uma rápida mudança climática pode fazer com que iniciativas convencionais para conservação e restauração dos habitats se tornem ineficazes. Medidas drásticas, como a translocação em grande escala ou colonização assistida de espécies precisarão ser consideradas.
Sistemas agroflorestais, em que as paisagens são gerenciados para sustentar uma gama de serviços do ecossistema, incluindo a produção de alimentos, poderão ter de substituir a segregação atual de uso da terra entre a conservação e produção. Isso poderia ajudar a criar resiliência dos ecossistemas agrícolas mais capazes de se adaptar às condições do clima em mudança.

Especialistas concordam que a proteção das florestas tropicais é um meio econômico de reduzir as emissões globais. Um mecanismo internacional de redução de emissões do desmatamento e degradação florestal (REDD) pode surgir como um componente central de um novo acordo em Copenhague. No entanto, muitas questões precisam ser resolvidas, como a forma de verificar as reduções e assegurar um tratamento equitativo das comunidades florestais locais e indígenas.

Veja o relatório completo: http://www.unep.org/compendium2009/

Foto: Antônio Cruz/ABr

AUTOMÓVEIS: EXCESSO E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Por Cristina Caldas

Recordes seguidos de recordes quando o assunto é automóvel. “A frota mundial de veículos atinge a marca de 1 bilhão de unidades”, “Brasília chega a 1 milhão de veículos e vê ‘nó' em trânsito” foram algumas das manchetes que nos acompanharam recentemente.

São Paulo registrou recorde histórico de congestionamento no dia 9 de maio deste ano, atribuído ao excesso de veículos e a acidentes, de acordo com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). Nunca a cidade esteve tão engarrafada. Ao mesmo tempo, nunca foram vendidos tantos carros no Brasil. A produção de vendas em abril é também recorde histórico: pela primeira vez foi ultrapassada a marca de 300 mil veículos, segundo o relatório mais recente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Superados também foram os números de veículos novos licenciados: 261,2 mil unidades em abril, mais um recorde histórico. No acumulado, as vendas têm expansão de 35% (909,1 mil em 2008 versus 672,4 mil em 2007). De acordo com Jackson Schneider, presidente da Anfavea, as razões da expansão do mercado interno podem ser assim resumidas, conceitualmente: estabilidade macroeconômica, inflação sob controle, aumento do emprego e da renda, aumento da oferta de crédito para financiamento de veículos, expansão dos prazos de pagamento dos financiamentos, baixo nível de inadimplência. “Todo esse quadro – explica Schneider – cria um clima de confiança e anima o mercado. Vale dizer ainda que a ampla gama de oferta da indústria automobilística brasileira eleva a competição. Em resumo, a estabilidade e a expansão da economia, com fundamentos sólidos, chegam dessa forma ao consumidor”.

As conseqüências do consumo: poluição

Esse mercado em crescimento exponencial apresenta conseqüências que podem ser instantaneamente sentidas, principalmente nas grandes metrópoles. Economistas, engenheiros de transporte, urbanistas, antropólogos, sociólogos, engenheiros ambientais, arquitetos, profissionais de saúde são alguns dos especialistas envolvidos em estudos sobre os impactos na sociedade desse aumento sem precedentes na frota de veículos. E procuram trazer soluções. Indiscutivelmente, problemas como os altos índices de congestionamentos e acidentes de trânsito, por exemplo, não podem ser atribuídos exclusivamente aos “veículos vilões” - um transporte público ineficiente compõe o quadro.

No entanto, a poluição do ar e sonora decorrente da enorme frota é vivenciada diariamente pelos moradores das grandes cidades. Segundo o relatório de qualidade do ar no estado de São Paulo, publicado no ano passado pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), os veículos são responsáveis por 97% das emissões de monóxido de carbono, 97% de hidrocarbonetos, 96% de óxidos de nitrogênio, 40% de material particulado e 35% de dióxido de enxofre.

O problema de poluição de automóveis não é novo e, em função da necessidade de um programa nacional que controlasse as emissões atmosféricas de origem veicular, foi instituído, em 1986, o Proconve - Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Auto-motores. Por meio da fixação dos limites máximos de emissão de poluentes e estabelecendo exigências tecnológicas para veículos, cuja comprovação é feita através de ensaios padronizados, o programa foi responsável por uma significativa redução nos níveis de emissão em veículos automotores. Estão em vigor atualmente os limites e instruções estabelecidos na Resolução Conama 315/02.

Os indesejáveis poluentes advêm não apenas do escapamento dos veículos, mas também de outras fontes de emissão de material particulado, como o desgaste dos componentes dos freios e dos pneus, além do atrito à superfície da estrada, como explica o guia de qualidade do ar da Organização Mundial de Saúde. O guia destaca que os veículos emitem partículas para o ar também por meio da suspensão de partículas presentes nas superfícies das ruas e estradas, dados difíceis de contabilizar e que não são normalmente levados em consideração nos inventários de emissão nos quais as legislações se baseiam. O material particulado, que envolve fumaça, partículas inaláveis e partículas totais em suspensão, possui grande importância em termos de saúde, pois penetram profundamente no aparelho respiratório, podendo desencadear ou agravar diversas doenças respiratórias. Além disso, o material particulado de pequeno diâmetro foi fortemente associado com o desenvolvimento de problemas cardiovasculares.

Inúmeros grupos de pesquisa estudam o impacto da poluição na saúde de sua população. Maria Regina Cardoso, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), coordena o projeto Chiado, procurando entender em que medida a poluição atmosférica gerada pelo tráfego de veículos influencia o desenvolvimento de problemas respiratórios na infância. Em um estudo realizado entre 1986 e 1998, Cardoso observou que os esforços dos programas de controle de poluição foram em parte neutralizados pelo aumento no número de carros. Além disso, a pesquisadora ressaltou que o controle de um único poluente não foi suficiente para proteger a saúde das crianças. Em um local onde tanto material particulado quanto dióxido de enxofre foram reduzidos, observou-se uma diminuição na prevalência de sintomas respiratórios. O mesmo grupo publicou um trabalho mostrando a perda da audição em trabalhadores expostos ao barulho do tráfego na cidade de São Paulo.

Com o intuito de quantificar o impacto da poluição do ar nos níveis de morbidade e mortalidade em sete cidades brasileiras, Nelson Gouveia e Izabel Marcilio, da Faculdade de Medicina da USP, estudaram o número de internações e mortes atribuídas à poluição. Observaram que nos grupos de idosos e de crianças com menos de 5 anos, 4,9% e 5,5% das mortes anuais por problemas respiratórios foram atribuídas à poluição, respectivamente.

Em outro estudo recente, Alfésio Luís Ferreira Braga, Paulo Saldiva e colaboradores, do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da USP associaram uma maior procura ao pronto-socorro de arritmias cardíacas do Instituto do Coração, em São Paulo, aos aumentos diários nos níveis dos poluentes liberados por carros. Os pesquisadores destacaram que esse efeito foi observado mesmo quando as concentrações dos poluentes estavam abaixo do padrão de qualidade do ar. Somam-se a esses, os resultados publicados em maio pela Revista de Saúde Pública, liderado por Marisa Moura, onde foram encontradas associações entre indicadores de poluição atmosférica e o número de atendimentos pediátricos de emergência por motivos respiratórios em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.

Investimento em P&D na indústria automobilística

E como a gigante indústria automobilística responde aos problemas ambientais e de saúde desencadeados pelo aumento da frota de veículos? Para Ruy Quadros e Rubia Quintão, do Instituto de Geociências, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) das montadoras e fabricantes de peças de automóveis brasileiras são direcionados principalmente para três alvos: eficiência energética, barateamento do produto e soluções para combustíveis alternativos. Especificamente sobre as emissões de poluentes, “a legislação de emissões é que orienta a P&D no setor”, afirma Quadros.

Os gastos em P&D pela indústria automobilística aumentaram 250%, passando de R$549 milhões em 2000 para R$1,9 bilhões em 2005, segundo os pesquisadores, o que significa ¼ do valor total de P&D investido na indústria manufatureira. Mas, salienta Quintão, “no Brasil existe muito mais D do que P”, ou seja, o investimento está muito mais voltado para o desenvolvimento de produtos e processos do que para pesquisa tecnológica. Não existem dados sobre o perfil de investimento em P&D da indústria automobilística, segundo os pesquisadores. “Esses dados precisam ainda ser gerados”, explica Quadros.

O motor “flex-fuel” desenvolvido pela filial brasileira da Bosch serve agora de modelo para outras subsidiárias ao redor do mundo. Partida a frio, start-stop (desligamento automático do motor quando o carro pára), biodiesel (leva à diminuição na emissão de partículas e de CO 2 ) e downsizing são algumas das apostas da indústria automobilística para diminuir a emissão de poluentes, como destacado por reportagem da revista Inovação Uniemp.

Por um consumo sustentável

Propagandas de automóveis são abundantes nos mais diversos veículos de comunicação. A revista Veja do dia 28 de maio deste ano, por exemplo, publicou vários anúncios onde figuravam chamadas como “Alcançamos a perfeição. Foi só combinar potência e estilo”, “Veja o mundo de cima”, “Sofisticação elevada à máxima potência”.

Para Renato da Silva Queiroz, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), “Os anúncios publicitários recriam e enfatizam emoções, desejos, paisagens, valores, imagens e sentimentos e os associam aos automóveis, procurando alcançar o ego dos consumidores (...)”. Em seu artigo “Os automóveis e seus donos ”, Queiroz defende que as propagandas terminam por envolver o carro em representações de liberdade, riqueza, poder, velocidade, sucesso, status, sofisticação, conquista, entre outros.

E é exatamente nessas representações que a União Européia (UE) pretende interferir. De acordo com o jornal Spiegel online, a UE irá restringir e regulamentar a publicidade de carros. Não serão aceitas referências à rapidez ou ao “prazer de dirigir” veiculadas nas propagandas de automóveis. A principal medida é obrigar que as propagandas apresentem dados sobre consumo e emissão de CO 2, o que já vem causando discussões entre legisladores, publicitários e representantes de montadoras. Com isso, os legisladores da UE esperam que as pessoas comecem a se desinteressar pelos carros grandes e optem por modelos mais econômicos.

Esse movimento de migração para carros de pequeno porte parece ter começado nos Estados Unidos. Segundo o jornal The New York Times, as vendas dos S.U.V. (sigla inglês para veículo esporte utilitário), em abril deste ano, foram menores do que no mesmo período do ano passado. A reportagem destaca que, por exemplo, as vendas do Chevrolet Malibu, de médio porte, aumentaram 40%, em contraste com a queda de 73% nas vendas da longa e popular S.U.V. Chevrolet TrailBlazer. No entanto, não é possível dizer ainda se essa é uma mudança permanente no perfil do consumidor ou se é apenas uma conseqüência temporária das altas nos preços da gasolina e crise econômica.

Mas será que uma mudança nas propagandas refletirá em alterações nos hábitos dos consumidores? Nelsom Marangoni, CEO do Ibope Inteligência, acha que não. "O automóvel tem apelos ainda muito significativos para a população brasileira, tem sinalizadores de status, de prestígio, de poder, além evidentemente do aspecto funcional da locomoção”. Marangoni acredita ser muito difícil que qualquer informação sobre emissão de CO 2 vá interferir na escolha do modelo, principalmente tratando-se de uma categoria de produto que demanda muito investimento. “O preço, qualidade e marca são critérios muito importantes, as pessoas não são ligadas à questão ambiental”, completa.

Em pesquisa realizada no ano passado, liderada por Marangoni, o Ibope entrevistou mil pessoas acima de 16 anos, em todo o Brasil, para avaliar a percepção das classes A, B e C sobre assuntos ligados ao tema sustentabilidade. Foram entrevistados também 537 executivos de 381 grandes empresas nacionais. Os pesquisadores observaram um distanciamento entre a crença e a prática de ações de preservação ambiental. Por exemplo, 85% dos entrevistados concordaram que pilhas e baterias são prejudiciais ao meio ambiente, no entanto 32% deles declaram jogar esses resíduos em lixo comum, ao invés de separá-los e descartá-los de forma ecologicamente correta. Os resultados apontaram também que apenas 25% dos empresários afirmaram que suas empresas investirão em projetos de preservação ambiental.

Para Marangoni, existe a percepção da importância, mas as pessoas ainda não incorporaram e nem tampouco definiram um valor interno à questão ambiental. Quando o consumidor pensa e sente o congestionamento e poluição, ele tende a pensar muito mais na responsabilidade da prefeitura e do estado, não relaciona com seu próprio automóvel. As campanhas publicitárias de automóveis que porventura se interessassem em vender veículos que emitem menos poluentes devem mostrar que as pessoas terão benefícios imediatos e não apenas no futuro.

O meio empresarial também precisa desenvolver esse valor, pois as ações nas questões sociais e ambientais ainda são muito pontuais, ou seja, com verbas destinadas para alguns programas e ações, com objetivo de marketing, de agregar valor à imagem da empresa. “A empresa só vai fazer algo para proteção do meio ambiente ou para evitar problemas sociais na medida em que ela perceber que o negócio dela está em risco”, acredita Marangoni. ”A maior parte dos empresários que entrevistamos fazem ações pontuais e não estratégicas. Por isso o investimento ainda é pequeno”.

Artigo originalmente publicado na revista ComCiência No. 99

POLUIÇÃO É UMA DAS CAUSAS DE BAIXO PESO EM RECÉM-NASCIDOS

Pesquisa feita em cidade de médio porte reforça a associação entre baixo peso de recém-nascidos a poluentes ambientais como ozônio e dióxido de enxofre

Peso da poluição

Por Alex Sander Alcântara

Agência FAPESP – Uma nova pesquisa reforça trabalhos anteriores ao apontar a poluição ambiental como uma das causas do baixo peso em crianças recém-nascidas. O estudo, feito por pesquisadores da Universidade de Taubaté (Unitau), em São Paulo, destacou o papel de poluentes – entre os quais ozônio e dióxido de enxofre – como fatores de risco para o baixo peso de bebês.

Os resultados foram descritos em artigo na revista Cadernos de Saúde Pública, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz.

Os autores do artigo são Luiz Fernando Nascimento, professor do Departamento de Medicina da Unitau, e o aluno de graduação Douglas Amaral Moreira. A pesquisa foi feita no âmbito do projeto “Análise espacial de agravos à saúde no vale do Paraíba”, que tem apoio da FAPESP na modalidade Auxílio a Pesquisa – Regular.

Diferentemente de estudos anteriores, que foram feitos em metrópoles como São Paulo, desta vez o foco foi uma cidade de médio porte, no caso São José dos Campos (SP), que tem cerca de 615 mil habitantes.

A pesquisa apontou que 3,95% dos recém-nascidos apresentaram redução no peso devido aos poluentes, principalmente ao ozônio. Segundo Nascimento, o recorte do estudo considerou apenas mães classificadas como saudáveis dentro dos critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde. Foram usados dados de 2.529 mulheres relativos a 2001.

“O estudo recortou perfis de mulheres entre 20 e 34 anos, que tinham concluído o ensino médio, realizado no mínimo sete exames pré-natal e tiveram gestação entre 37 e 41 semanas, gravidez única e parto normal. Com isso, pudemos saber que o baixo peso não se devia a outras causas”, afirmou.

O estudo usou dados ambientais da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb). Foram montados bases da dados com informações acumuladas sobre a exposição trimestral aos poluentes, de modo a permitir um efeito cumulativo e estimar a resposta a cada susbstância.

Para cada dia analisado de ocorrência de nascimentos de bebês com baixo peso, os pesquisadores consideraram os valores totais para os 90 dias anteriores para cada poluente.

De acordo com Nascimento, como o estudo trabalha com população (recorte ecológico) e não com o indivíduo, não há identificação da mãe nem do bebê com baixo peso. “Trabalhamos com dados secundários do Sistema de Informação dos Nascidos Vivos (Sinasc), que apresenta muitas variáveis do registro dos nascidos vivos. Esse registro, no entanto, não traz alguns dados importantes como se a mãe fuma ou não, por exemplo, uma vez que o fumo é um agente importante na gênese do baixo peso”, ressaltou.

Nascimento indica que existe um volume considerável de trabalhos que relacionam a poluição a problemas respiratórios e doenças cardiovasculares, mas que ainda há muito poucos que analisam as possíveis relações com o baixo peso em recém-nascidos.

Um dos trabalhos destacados pelo pesquisador foi coordenado por Nelson da Cruz Gouveia, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade de São Paulo (USP), que indicou que a poluição do ar aumenta em 50% o risco de morte de recém-nascidos na cidade de São Paulo.

O estudo de Gouveia e Andréa Peneluppi de Medeiros, atualmente professora da Universidade de Taubaté, verificou que de uma amostra de 311.735 nascimentos, 4,6% dos recém-nascidos apresentaram menos de 2,5 quilos ao nascer.

Pesquisas importantes e pioneiras na área tem sido conduzidas há duas décadas por Paulo Hilário Saldiva, professor do Departamento de Patologia da FMUSP, que demonstraram, entre outras conclusões, que nos dias mais poluídos morrem mais bebês em gestação na capital paulista.

Saldiva coordenou o Projeto Temático “O impacto das exposições intrauterina e nas fases iniciais do desenvolvimento pós-natal aos poluentes atmosféricos no desenvolvimento de alterações adversas na vida adulta”, apoiado pela FAPESP e concluído em 2008, e atualmente é coordenador do Instituto Nacional de Análise Integrada de Risco Ambiental, um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), que no Estado de São Paulo são apoiados pela FAPESP por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa - Projeto Temático.

“Estudar o baixo peso nos recém-nascidos é importante porque se trata de um dos principais fatores de risco. Ainda é bastante alta a prevalência dos risco de óbitos no primeiro ano de vida da criança”, disse Nascimento.

Mecanismo obscuro

Nascimento aponta que o mecanismo de atuação da poluição no baixo peso dos recém-nascidos ainda é obscuro. “Temos modelos de análise mostrando como o ozônio atua no trato respiratório, mas muito poucos em relação ao crescimento”, disse.

Mas o estudo lança algumas hipóteses. A poluição por ozônio poderia provocar um aumento na viscosidade do sangue, comprometendo o fluxo sanguíneo na placenta que leva nutrientes para o feto. Ou seja, o efeito do ozônio, que é um oxidante poderoso, pode envolver mecanismos inflamatórios.

“A gravidez é acompanhada por um aumento da ventilação alveolar. E a hiperventilação resulta no aumento da absorção do ozônio, com uma resposta inflamatória e a liberação de produtos de peroxidação lipídica e citocinas. Esses agentes podem afetar a circulação na placenta e colocar em risco o crescimento fetal”, indicou.

O ozônio é um poderoso oxidante que participa nas reações extra e intracelulares, com o envolvimento de importantes enzimas metabólicas. Ele contribui para o agravamento de doenças respiratórias preexistentes e para o aumento de hospitalizações e visitas a emergências durante as crises respiratórias.

“O ozônio é um poluente secundário. Ele é originado da ação da radiação ultravioleta nos poluentes da combustão dos motores de álcool, gasolina e diesel, por exemplo. E a alta concentração é registrada em picos durante o dia, entre 10 da manhã e 4 da tarde. Daí a total contra-indicação de atividade física nesses horários, mesmo em lugares arborizados como parques”, disse Nascimento.

O professor da Unitau conta que a pesquisa prosseguirá de forma ampliada. “Esse estudo foi realizado em um período de um ano. Agora vamos continuá-lo, estendendo o tempo para dois anos”, disse.

Para ler o artigo Os poluentes ambientais são fatores de risco para o baixo peso ao nascer?, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), de Luiz Fernando Nascimento e Douglas Moreira clique aqui.

CANDOMBLÉ

Candomblé. A unidade dos níveis da existência.

Entrevista especial com Volney José Berkenbrock
IHU Online

“Na concepção do Candomblé, praticamente todas as atividades religiosas têm por finalidade última justamente a busca da harmonia, da unidade entre os dois níveis da existência. Dentro deste contexto, é que ocorre a experiência religiosa central do Candomblé: o momento do transe”, assinala Volney José Berkenbrock, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião, na Universidade Federal de Juiz de Fora. Na lógica religiosa do Candomblé, tudo está incluído, mesmo as outras religiões. A partir dessa concepção, todos fazem parte do mundo e interagem “para que aconteça a harmonização entre Orum e Aiyê”, explica. Esta mentalidade inclusiva, menciona, pode ser um bom facilitador para o diálogo inter-religioso.

Na entrevista que segue, concedida, por e-mail, à IHU On-Line, Berkenbrock menciona alguns aspectos históricos das religiões afro-brasileiras e como elas se organizaram no Brasil após chegarem “de carona com a escravidão”. Entre as práticas realizadas, o pesquisador destaca que essa é uma religião “‘contada’ adiante”, repleta de mitos, além de ser inclusiva e dialogal.

Berkenbrock é doutor em Teologia pela Faculdade de Teologia Católica da Universidade Federal de Bonn, na Alemanha, com a tese Die Erfahrung der Orixas. É autor de A experiência dos Orixás (Petrópolis: Vozes, 1998).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são as especificidades das religiões afro-brasileiras?

Volney José Berkenbrock - Cada religião tem sua forma de organização, sua crença, sua história particular etc. De certa maneira, tudo isso forma a especificidade de cada religião, independentemente de muitos elementos refletirem estruturas e modos de pensar semelhantes. Assim, as religiões afro-brasileiras têm muitas propriedades que lhes são características, mas que ao mesmo tempo se assemelham a de outras religiões. Aponto aqui algumas especificidades, longe, porém, de querer dizer que sejam estas as únicas especificidades, bem como se afastando também da ideia de que estes elementos apontados sejam tão somente destas religiões.

a) Religiões reconstruídas no exílio. A expansão de uma religião dá-se comumente por migração ou por atividade missionária. Muitas das religiões que temos no Brasil, aqui chegaram porque fiéis destas religiões para cá migraram. Outras – certamente a maioria – se expandiram em terras brasileiras por atividades missionárias. Com as religiões afro-brasileiras foi diferente. Elas vieram ao Brasil de carona com a escravidão. Não vieram, portanto, de forma livre nem organizada. Vieram dilaceradas – sob muitos pontos de vista – como dilaceradas eram as vidas dos escravos. Neste exílio sem liberdade, onde a maioria dos escravos não sobrevivia muitos anos, havia poucas possibilidades tanto de exercício da religião, quanto de transmiti-la adiante. Ao final do período de escravidão começou a acontecer uma “reconstrução” religiosa a partir de tradições religiosas africanas. E esta reconstrução se deu de forma diferente nos diversos lugares, juntando elementos “sobreviventes da grande tribulação”.

b) Religiões não-missionárias. Por sua origem, estas religiões eram religiões étnicas, ligadas a grupos de famílias ou clãs. Não havia nelas a ideia de expandir a religião através de pregação ou de busca de conversão de outras pessoas. Esta característica não-missionária dos grupos de origem marcou também as religiões afro-brasileiras. Não há atividades “missionárias” no sentido de entender que é próprio da religião buscar aumentar o número de adeptos.

c) Religiões iniciáticas. Muitas pessoas frequentam casas de religiões afro-brasileiras apenas de forma esporádica. Vão até lá em busca de algum conselho, de alguma receita para a vida ou para doença, de alguma ajuda espiritual. Este contingente muito grande de pessoas não pode, porém, ser contado como membros da religião. O ser membro pleno de uma religião afro-brasileira acontece à medida que o fiel passa pelos ritos de iniciação. Trata-se, pois, de religiões iniciativas, em que os membros vão participando cada vez mais ativamente e assumindo funções e tarefas conforme vão avançando em sua iniciação. Algumas delas, como o Candomblé, por exemplo, têm um tempo muito longo de iniciação. Diz-se que o ciclo iniciativo completo dura 21 anos. O período básico de iniciação se encerra com a obrigação (os rituais) de sete anos.

d) Religiões de comunidade. A entrada nestas religiões se dá, como dito acima, por processo iniciativo. Este é feito sempre em uma comunidade específica. Assim sendo, os fiéis são membros sempre de uma comunidade específica e não “genericamente” membros da religião. Por exemplo, um fiel da Umbanda é fiel da Umbanda em sua casa de iniciação. Em outra casa de Umbanda ele é apenas visitante. Não há assim a ideia de pertença à religião de uma forma genérica, como é o caso da maioria das igrejas cristãs, mas sempre de pertença a uma comunidade específica, onde se fez a iniciação.

e) Religiões de tradição oral e não religiões do livro. As religiões afro-brasileiras não têm nenhum escrito sagrado ou texto que tenha alguma importância ou autoridade maior do ponto de vista religioso. Toda a transmissão de conhecimentos e a garantia de autenticidade se dá pela oralidade. A religião é “contada” adiante. Para isto, desempenha um papel muito importante nos mitos. Neles está contida boa parte do conteúdo religioso apreendido pelos fiéis. Assim, aprender e experienciar (viver) os mitos é parte do processo iniciatório.

f) Religiões de experiência e não de palavra. Na maioria dos rituais religiosos das religiões afro-brasileiras, o uso da palavra explicativa ou exortativa não tem nenhum espaço. Não há pregação, não há leitura, não há explicação. Os rituais são cantados e dançados. Para um visitante não familiarizado, os primeiros contatos com rituais afro-brasileiros não dizem absolutamente nada. É necessário um bom tempo até que esta lógica experiencial e não racionalizada pela palavra explícita faça algum sentido e comece a compor um quadro.

g) Religiões sincréticas, inclusivas e dialogais. A formação das religiões afro-brasileiras se deu a partir de “sobrevivências religiosas”. Estas religiões não foram organizadas no Brasil, repetindo sua organização de origem. Elas são, em muitos aspectos, composições novas, novos arranjos com partes de melodias. Assim há nelas uma composição de elementos chamada, muitas vezes, de sincretismo. Mas este sincretismo não pode ser entendido como “mistura ilícita”, mas sim como uma “nova melodia”. E na composição desta nova melodia, muitos são os elementos “incluídos”. Assim, pode-se dizer que, em boa parte, as religiões afro-brasileiras são religiões inclusivas, isto é, com capacidade de incluir e integrar na mesma melodia, elementos diversos. Este é, aliás, um mecanismo de resistência muito interessante, principalmente da Umbanda. Sua forma de resistência se dá não pela rejeição de elementos de outras religiões, mas sim pela inclusão. Esta realidade faz com que, a meu modo de ver, estas religiões sejam profundamente dialogais. Não no sentido de que sejam fóruns de diálogo, mas no sentido de serem lugares onde o diálogo já se operou e continua operando. A meu modo de ver, o sincretismo deve ser visto como um processo muito interessante e positivo de diálogo.

IHU On-Line – Como o senhor descreve a experiência religiosa no Candomblé?

Volney José Berkenbrock - Para se falar em experiência religiosa no Candomblé, é preciso ter um pouco presente a concepção cosmológica do Candomblé. Para esta religião, a existência subsiste a duas maneiras: à maneira palpável e finita (chamada de Aiyê) e à maneira não palpável e infinita (chamada de Orum). Toda a existência é, pois, Orum ou Aiyê (ou em parte as duas coisas). Assim, por exemplo, os seres humanos, com toda a sua corporeidade, pertencem ao nível do Aiyê. (A inteligência do ser humano, porém pertence ao Orum, bem como a filiação de cada ser humano de um Orixá). Dizem os mitos criacionais que, no início, estas duas maneiras eram unidas, podendo haver livre trânsito entre elas. A quebra de um tabu fez com que houvesse a divisão, de forma a separar Orum e Aiyê. A existência, porém, é a soma dos dois. Assim, a boa existência, a harmonia, a felicidade, a saúde, enfim, a realização consistem sempre no equilíbrio entre Orum e Aiyê. Na concepção do Candomblé, praticamente todas as atividades religiosas têm por finalidade última justamente a busca da harmonia, da unidade entre os dois níveis da existência. Dentro deste contexto é que ocorre a experiência religiosa central do Candomblé: o momento do transe. Nele, assim entende esta religião, acontece por um instante, uma unidade entre Orum e Aiyê. Por conseguinte, a experiência do transe é entendida como a experiência da unicidade dos mundos, da harmonia buscada, da recomposição da unidade primordial perdida. No transe, a verdade se torna realidade, ou vice-versa. Por isso, no Candomblé, o transe é sempre um momento solene, festivo, alegre, de dança.

IHU On-Line – Quais são as divindades do Candomblé e suas características?

Volney José Berkenbrock - Falar em divindades do Candomblé é algo muito complexo, pois a palavra divindade não é unívoca. Talvez fique mais simples falar que no Candomblé há a ideia de um ser primordial, que tudo possibilita, a partir do qual tudo existe. Este ser é chamado por diversos nomes, dependendo do dialeto de origem. Os nomes mais comuns são Olorum (literalmente “o senhor do não palpável”) ou Olodumaré (literalmente “o senhor do eterno destino”). Toda a existência é um desdobrar-se de Olorum, pois nele estão presentes todas as possibilidades, como que “dobradas”. Cada existência individual é como que um desdobramento de uma possibilidade que sempre existiu. Por isso, nada há que nunca tenha existido e nada haverá que não existe. Olorum não é entendido como um Deus pessoal, isto é, um Deus relacional. Ele é o possibilitador primordial. A existência individual concreta é regida por forças. Estas forças são personificadas, têm mitos próprios e são chamadas genericamente de Orixás (literalmente “regentes da inteligência”). Assim, por exemplo, a força que faz uma árvore crescer é personificada no Orixá Ossaim, a força que faz um rio fluir é personificada no Orixá Oxum.

Todas as forças naturais que regem o universo são personificadas e chamadas de Orixás. Também as forças no sentido de virtudes, de modo que a força da justiça é chamada de Xangô, a força pacificadora é chamada de Oxalá, a força do amor materno é chamada de Jemanjá. Da mesma forma, se entende que cada pessoa é filho/filha de uma força, ou seja, filho/filha de um Orixá. E isto, independentemente de a pessoa ser fiel do Candomblé ou não. Entende-se que pertence à natureza de cada pessoa esta filiação. Havia na origem da religião do Candomblé (no povo Ioruba, na África) uma infinidade de Orixás. O processo de formação da religião no Brasil, principalmente devido à escravidão, fez com que o número de Orixás cultuados fosse muito menor e que cada Orixá tenha assumido características diversas. O número de Orixás, cujos cultos sobreviveram no Brasil, não passam de 30, sendo, porém, cada qual composto por uma série de características. Assim a Orixá (feminina) Oxum, por exemplo, é a Orixá das águas doces correntes (dos rios), mas é ao mesmo tempo a Orixá da estética, da beleza, da feminilidade e igualmente é a Orixá do conhecimento, da sensibilidade, do processo divinatório etc. Podemos dar outro exemplo no Orixá Oxalá, que é o Orixá criador, o iniciador, mas ao mesmo tempo o Orixá tanto da força pacificadora como da liderança.

IHU On-Line – Como esses Orixás interferem na vida dos praticantes da religião e qual sua importância para eles?

Volney José Berkenbrock - Como já afirmado anteriormente, cada pessoa é filho/filha de um determinado Orixá. Com isto, a busca da harmonia entre Orum e Aiyê se traduz concretamente no dia-a-dia, na busca pela harmonia com o Orixá pessoal. Cada Orixá tem suas características próprias no que tange a todos os aspectos da vida: de cores, de comidas, de profissão, de comportamento, de personalidade, de relacionamentos. Assim, a harmonia na vida, na compreensão do Candomblé, é exatamente a harmonia com o Orixá pessoal. O Orixá, portanto, influencia todos os aspectos da vida do fiel. E a busca da harmonia com o Orixá é – no fundo – a busca por si mesmo, por melhor viver suas aptidões e características. A infelicidade, a doença, o erro não são vistos no Candomblé como “pecado”, mas sim como desarmonia. Por isso, quando algo errado acontece na vida de alguém, são necessários rituais que novamente harmonizem o fiel com o seu Orixá. A harmonia entre o fiel e seu Orixá é o que acontece no microcosmos do dia-a-dia, da busca pessoal por conhecer o Orixá pessoal e com ele integrar-se cada vez mais. Na linguagem de macrocosmos, isto é chamado justamente de harmonia ou equilíbrio entre Orum e Aiyê, do qual depende a boa existência do todo.

IHU On-Line – E o que significa axé?

Volney José Berkenbrock - Axé é o nome que se dá à energia do equilíbrio entre Orum e Aiyê, entre o fiel e seu Orixá. Para que não haja desarmonia na existência (como um todo ou existência individual), é preciso uma constante troca de energia. Na linguagem do Candomblé, isto é chamado de “liberação de Axé”. Assim todos os rituais religiosos, feitos em grupo ou individualmente, “liberam Axé”, isto é, contribuem para a harmonização do sistema. Axé é, assim, a força que tudo transpassa, que tudo penetra no sentido de provocar (ou devolver) harmonia. Sendo um conceito altamente positivo, a palavra Axé é usada inclusive como saudação, como desejo de “tudo de bom”. É comum, pois, que pessoas do Candomblé possam se saudar com um “Axé”, dizendo indiretamente: “desejo-lhe harmonia”.

IHU On-Line – Como o Candomblé dialoga com outras religiões, em especial com o Cristianismo, considerando o histórico da relação entre ambas tradições religiosas?

Volney José Berkenbrock - Para se pensar em diálogo entre Candomblé e Cristianismo, não se pode deixar de ter em mente que a história do encontro entre estas duas religiões é marcada por perseguições e falta de diálogo por parte do Cristianismo em relação ao Candomblé. E nesta história, o Cristianismo era a religião dominante, enquanto o Candomblé era a religião dos dominados. Mesmo tendo em mente esta história desfavorável ao diálogo, pode-se afirmar que aconteceram também de parte a parte situações de encontros positivos, sobretudo pelo fato da dupla pertença: muitas pessoas frequentavam (e frequentam) tanto o Candomblé quanto o Cristianismo (sobretudo o Catolicismo). Esta dupla pertença ofereceu espaços de convivência, de compreensão, de diálogo. Uma posição favorável ao diálogo inter-religioso, por parte das igrejas cristãs, é algo relativamente recente – e rejeitado ainda por muitas igrejas. Por parte do Candomblé, ocorreu neste particular muito mais uma reação à busca de diálogo por parte de igrejas cristãs do que propriamente uma mudança de posição no que diz respeito a isto. Assim, membros do Candomblé participaram de muitos congressos, encontros, fóruns de diálogo inter-religioso. Por outro lado, gostaria de chamar a atenção para o fato de o Candomblé não ser uma religião de academia, e os círculos “eruditos” de diálogo são geralmente um espaço que poucas pessoas do Candomblé acessam. Há, entretanto, toda uma prática de diálogo que ocorre muito mais na base da mútua bem-querença, do mútuo respeito e carinho, do reconhecer-se mutuamente do ponto de vista religioso. Assim, por exemplo, eu – que sou cristão - recebo muitas vezes convites para participar de festas em casas-de-santo do Candomblé. São por vezes festas religiosas, são por vezes festas ‘profanas’ (como aniversários, por exemplo). Faço-me presente quando posso e em muitas destas festas religiosas recebo um lugar de honra para sentar. Ali não se está preocupado primeiramente com diálogo inter-religioso, mas entendo e sinto estes momentos como momentos privilegiados de conversa. Assim, diria, o diálogo inter-religioso acontece muito mais como um diálogo de gestos, no qual não há a pressão para se chegar a uma conclusão, a um objetivo. Este diálogo é sempre construção: de proximidade, de respeito, de entendimento, de humanidade.

IHU On-Line – Mas o Candomblé oferece alguma proposta para que o diálogo inter-religioso seja possível?

Volney José Berkenbrock - Como assinalado acima, o diálogo inter-religioso com as religiões afro-brasileiras dá-se mais como um diálogo de gestos, de convites, de acolhimento. Neste sentido, não se pode dizer que há uma proposta do Candomblé para o diálogo inter-religioso (pelo menos não que eu a conheça). O que há são práticas, que vão se solidificando com o tempo, construindo mundos dialogais. Por parte do Candomblé, este diálogo tem um facilitador “teológico” muito grande, pois o Candomblé tem uma compreensão inclusiva da existência. Nada há que esteja “fora” de sua lógica. Assim, todas as práticas religiosas de outras religiões são entendidas também como “liberadoras de axé”. Nesta lógica, não há no Candomblé a ideia de que as outras religiões estejam “fora”, sejam expressão, um outro universo. Elas são parte do mesmo mundo e interagem – na compreensão do Candomblé – para que aconteça a harmonização entre Orum e Aiyê. Certa vez, num seminário sobre diálogo inter-religioso, onde o tema era “as religiões e a paz”, um dos participantes disse que se sentia um pouco excluído, pois era ateu, e como tal não estava incluído no diálogo inter-religioso. Uma Yalorixá (mulher líder de uma casa de Candomblé) presente respondeu mais ou menos assim: “Filho, não tem como estar fora. Mesmo que você pense que está fora, você está dentro e assim incluído”. Ela não falava isto para “dar uma lição”, mas a partir de uma profunda convicção de que, na lógica religiosa do Candomblé, tudo está incluído (mesmo que não se sinta incluído ou não se queira incluído). Esta mentalidade inclusiva diante de toda realidade – e com isso também diante de outras religiões – creio, é uma boa facilitadora para o diálogo.

IHU On-Line – Qual é a sua opinião sobre o ecumenismo para a construção da paz mundial?

Volney José Berkenbrock - Creio que, na proposta de fé e de vida de todas as religiões, esteja o desejo de paz. Historicamente, porém, foi o desejo de confronto, o desejo de submeter o outro, de dominar é que deu o tom. Como esta situação foi historicamente construída, penso que é possível, também, historicamente, construir outra posição: a contribuição para que haja mais paz mundial a partir da força que representam as religiões. Assim, o caminho do ecumenismo e do diálogo inter-religioso como elementos constitutivos de uma nova ordem, uma ordem de paz mundial, precisa historicamente ser construído, passo a passo, gesto a gesto. E para que ele comece a acontecer, entendo que há uma decisão forte a ser tomada, a decisão da vontade. Não são as doutrinas religiosas que constroem ou destroem a paz. Quem constrói ou destrói a paz é a vontade. Trabalhar para que o ecumenismo e o diálogo inter-religioso sejam portadores de paz, ao meu modo de ver, não é tanto um trabalho no sentido de conseguir “consensos doutrinais”, mas conjugação de vontades.

IHU On-Line - Como fazer uma aproximação de fato entre as diversas religiões, respeitando características próprias de cada uma, e pensar em posições universais?

Volney José Berkenbrock - Estou convencido de que a pluralidade é mais afeita ao modo de compreensão que tenho de Deus do que a unidade. Assim, conseguir viver num mundo onde a pluralidade – inclusive religiosa – seja não apenas aceita, mas sentida – inclusive do ponto de vista de fé – como positiva, isto seria já um grande passo. E talvez por aí deva passar a ideia de posições universais e não tanto pela ideia de posições únicas do ponto de vista de algum conteúdo. Temo que a busca de posições universais possa levar a chegarmos a elas, mas não mais com a força de cada religião. Seriam, pois, posições “reconhecidas” por todos, mas não “sentidas” e talvez nem vividas.

SELO DE QUALIDADE DE PRODUÇÃO FORA-DA-LEI

Uma visão crítica sobre a indústria cerâmica em Criciúma-SC

Ana Echevenguá*
Ecoação/Ecodebate

A cidade de Criciúma-SC é famosa pela degradação ambiental praticada pela indústria carbonífera. Em 1980, a região foi reconhecida como a 14ª Área Crítica Nacional, para efeitos de controle da poluição gerada pelas atividades de extração, beneficiamento e usos do carvão mineral (Decreto n. 85.206).

E um dos grandes aliados dessa poluição é a indústria ceramista. Quando ela obtém licença para extrair a camada de argila do solo (porque muitas atuam sem qualquer licenciamento), ela adquire o direito de cavar o buraco, extrair a argila e fechar o buraco. Ou seja, explorar e recuperar a área que explorou. Mas não faz isso: após a exploração, abandona a área escavada (muitas vezes o buraco atinge até mesmo a camada de carvão mineral)… Gastar com recuperação do que destruiu? Pra quê? se ela sabe que não há fiscalização e, em decorrência, qualquer punição para os crimes ambientais que comete.

A argila é a matéria-prima da cerâmica. Os resíduos dessa produção, em especial, o lodo de cerâmica, são altamente insalubres porque contêm metais pesados, principalmente chumbo. Jogados de qualquer jeito na natureza, podem contaminar os organismos vivos. Se isso ocorre, depositam-se no tecido ósseo e gorduroso, gerando doenças. Por isso, o lodo de cerâmica deve ser tratado e destinado para aterros com estrutura protetiva que evite a contaminação do solo, ar e água.

Mas, na hora do descarte dos seus resíduos, a indústria ceramista, para evitar custos:

- joga o lodo a céu aberto;

- fala sobre o reuso desse. Uma ‘fórmula verde’ – não fiscalizada – de reaproveitamento dos resíduos;

- doa o resíduo para fazer ‘tijolos ecológicos’ ou cimento. Doa geralmente para pobres, claro!

Tudo isso leva à falaciosa ‘produção com resíduo zero’.

No lixotur que faço na região, vejo com freqüência lodo de cerâmica jogado no solo. Afinal, como dito antes, não há fiscalização nem punição. Pesquisei e encontrei coisas estranhas:

1. Uma dessas indústrias depositava em um aterro sanitário da região cerca de 3 mil toneladas por mês de lodo. Repentinamente, rescindiu o contrato, e não enviou mais resíduo pro aterro. O que houve? Parou a produção? Parou de adquirir matéria-prima? Parou de vender?

2. A cerâmica vizinha dessa primeira, de olho na economia da concorrente, já está alardeando que possui uma fórmula de redução de resíduos. Será que estão varrendo o lodo pra baixo do tapete?

3. Soube até que na região tem uma cerâmica que é de um deputado estadual… por isso, nem vou tecer comentários: ela goza de ‘imunidade parlamentar’.

4. Quanto aos projetos sustentáveis, mesmo que sejam bons, carecem de aprovação. Quem deu autorização a eles? Quem está recebendo este lixo? Indústria cimenteira, olarias, fábricas de tijolos…? Quem o transporta?

Parece que a impunidade é um forte atrativo para a vinda de várias empresas para Santa Catarina. A Cerâmica Elizabeth, da Paraíba, instalou-se em Criciúma em uma área já degradada, na região mais pobre da cidade (Quarta Linha).

Começou bem!

Pouco sei dessa empresa; mas apresenta o rançoso discurso-padrão vinculado:

- ao apelo social: gerou 150 postos de trabalho; a partir de fevereiro de 2010 poderá gerar mais 80 empregos. Desta forma, mesmo que polua e degrade muito, não terá suas portas fechadas porque isso provocaria um problema social na cidade;

- à mágica postura ambientalmente correta. Aquela história da ‘produção com resíduo zero’.

Li nos jornais que a empresa paraibana escolheu Santa Catarina porque o produto cerâmico aqui fabricado possui um selo de qualidade.

Será que ela estava se referindo ao ‘Selo de Qualidade de Produção Fora-da-Lei’??

*Ana Echevenguá, advogada ambientalista, coordenadora do programa Eco&Ação, presidente do Instituto Eco&Ação e da Academia Livre das Água