Google
Na Web No BLOG AMBIENTE ACREANO

28 abril 2010

SEMENTES CRIOULAS E SOBERANIA DOS POVOS

"A utilização das sementes crioulas visa exatamente ao resgate e ao aumento na utilização da biodiversidade local frente ao processo da agricultura moderna...elas possuem grande potencial para o desenvolvimento de novas cultivares adaptadas a sistemas de produção com baixa utilização de insumos e poupadoras de recursos naturais...A conservação das sementes crioulas faz parte de uma campanha mundial de soberania dos povos quanto à posse de suas sementes, como estratégia de segurança nacional"

Entrevista especial com Gilberto Antonio Bevilaqua

Por Redação IHU

Bevilaqua é formado em Agronomia pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, mestre e doutor em Ciências pela Universidade Federal de Pelotas – UFPEL. Desde 1996, é pesquisador da Embrapa Clima Temperado. Atualmente, participa de um projeto intitulado Agricultores Guardiões de sementes e desenvolvimento de cultivares crioulas.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como é possível pensar em um resgate da biodiversidade através da expansão de sementes crioulas?

Gilberto Antonio Bevilaqua - A utilização das sementes crioulas visa exatamente o resgate e o aumento na utilização da biodiversidade local frente ao processo da agricultura moderna, focado na uniformização dos cultivares e utilização de um pequeno número de culturas com interesse comercial. Para diversas culturas menos expressivas comercialmente não existem cultivares recomendadas pelas instituições de pesquisa, que realizam melhoramento genético. Assim, as cultivares crioulas passam a ser as únicas em condições de serem utilizadas por apresentarem ampla adaptação aos sistemas locais de produção. A agricultura moderna também está centrada em pequeno número de culturas de interesse como arroz, soja, trigo, milho e batata, e a utilização de cultivares crioulas pode aumentar o número de culturas de interesse, diversificando os sistemas de produção e garantindo maior estabilidade.

IHU On-Line - Qual a importância de resgatar a semente crioula numa época em que se fala tanto na escassez de recursos naturais e alimentos?

Gilberto Antonio Bevilaqua - A agricultura moderna tem ocasionado perda acelerada da agrobiodiversidade pela substituição de cultivares crioulas e tradicionais por cultivares modernas e altamente dependentes de insumos químicos e fertilizantes. Isso está conduzindo à perda de genes constantes das cultivares crioulas, as quais poderiam dar grande contribuição para a agricultura brasileira e mundial, se melhor conhecidos e estudados. As cultivares crioulas possuem grande potencial para o desenvolvimento de novas cultivares adaptadas a sistemas de produção com baixa utilização de insumos e poupadoras de recursos naturais. A coevolução das cultivares crioulas, juntamente com as mudanças ambientais que vêm ocorrendo, propiciam o aparecimento de novas variantes que, sob vários aspectos, representam melhorias no sistema e podem, inclusive, contribuir com os programas tradicionais de melhoramento genético. A conservação das sementes crioulas faz parte de uma campanha mundial de soberania dos povos quanto à posse de suas sementes, como estratégia de segurança nacional.

IHU On-Line - Em que medida a semente crioula pode ser uma alternativa à crise de alimento que é anunciada por vários pesquisadores?

Gilberto Antonio Bevilaqua - As cultivares crioulas possuem um papel importante para vencer a crise de alimentos, embora a escassez de alimentos seja relativa, pois, a nível mundial, a oferta e demanda de alimentos não são tão díspares assim, ou seja, a existência de pessoas com fome ou subnutridas deve-se mais a dificuldades de aquisição dos alimentos do que propriamente a falta de alimento a ser adquirido. As cultivares crioulas possuem um comportamento mais estável quanto à produtividade, apresentando potencial de rendimento menor que as cultivares melhoradas e híbridas, entretanto, produzem relativamente bem em anos e condições climáticas desfavoráveis. O uso de cultivares crioulas seria a estratégia mais acertada para cultivo em áreas marginais de produção, garantindo produção de alimento mesmo sob condições desfavoráveis.

IHU On-Line - Como está a produção de semente crioula no Rio Grande do Sul? Existe um banco de semente crioula, por exemplo?

Gilberto Antonio Bevilaqua - A produção de sementes crioulas no Estado ainda pode ser considerada pequena, embora a procura por cultivares crioulas tenha aumentado, apesar do avanço acelerado das modernas tecnologias. A perspectiva de utilização de sementes crioulas tenderá a aumentar com a exigência dos órgãos certificadores de alimentos orgânicos que estipularem a exigência de sementes ecológicas para a instalação de áreas de produção. Existem vários bancos de sementes no Estado, como iniciativa de grupos de agricultores organizados e entidades representativas da Agricultura Familiar cujo objetivo é disponibilizar sementes de cultivares crioulas, principalmente com a utilização de tecnologias de base ecológicas.

IHU On-Line - De que forma é feita a distribuição da semente crioula entre os agricultores do estado?

Gilberto Antonio Bevilaqua - Existem diversas entidades públicas e privadas organizadas, preocupadas com cultivares crioulas e que desenvolvem atividades de pesquisa e desenvolvimento. Estas entidades e movimentos sociais estão organizadas, juntamente com a Embrapa, em torno de projetos específicos que visam, primeiramente, a caracterização e avaliação das cultivares, e aquelas que se destacam venham a ser utilizadas comercialmente. Os bancos de sementes passam a ser uma importante estratégia para que os agricultores tenham acesso a estas cultivares. Programas públicos específicos para a agricultura familiar, como o troca-troca de sementes, poderiam dar grande contribuição no sentido de que exigissem, mesmo que parcialmente, a utilização de cultivares crioulas.

IHU On-Line - Quais são as formas de preservar a semente crioula diante do cultivo de sementes híbridas?

Gilberto Antonio Bevilaqua - Estamos trabalhando várias estratégias para preservar as cultivares crioulas, acho que a principal delas é o Agricultor Guardião de sementes, que é um agricultor que, por sua vocação, possui um grande número de cultivares e faz seleção das plantas na perspectiva do seu sistema produtivo, conforme suas preferências e condições locais de clima e solo. O guardião é o elo fundamental entre a pesquisa e as entidades preocupadas com o desenvolvimento das cultivares crioulas. A pesquisa vem se dedicando também ao resgate e conservação das cultivares crioulas, reconhecendo as características relevantes das mesmas para que possam ser exploradas comercialmente. Em nosso trabalho, disponibilizamos anualmente dezenas de coleções para avaliação local das cultivares. A formação de uma rede estadual que desenvolve trabalhos e pesquisa e desenvolvimento, focados na agrobiodiversidade local, foi um importante passo para apoiar as iniciativas locais de trabalho com sementes crioulas.

IHU On-Line - A semente híbrida gera que implicações à biodiversidade e ao cultivo das diferentes espécies?

Gilberto Antonio Bevilaqua - A semente híbrida subentende todo um sistema de produção que implica na uniformização do processo produtivo, bem como a utilização de pequeno número de cultivares, fruto também da própria uniformização. As cultivares híbridas são desenvolvidas para sistemas intensivos, que utilizam largamente agrotóxicos e fertilizantes, nos quais as cultivares crioulas não são bem adaptadas, pois são poupadoras de insumos. Observa-se que o acesso dos agricultores a cultivares híbridas implica frequentemente em abandono de suas cultivares tradicionais. Nós temos essa preocupação de que o agricultor ao adotar uma cultivar melhorada não abandone suas cultivares tradicionais.

IHU On-Line - O que justifica a substituição da semente crioula pela semente híbrida?

Gilberto Antonio Bevilaqua - As cultivares híbridas possuem um potencial produtivo superior às cultivares crioulas, especialmente em condições de solo e clima favoráveis, o que significa que as híbridas devem ser utilizadas em sistemas intensivos com alta utilização de tecnologia e solos de alta fertilidade, nestes casos, a produtividade da híbrida será superior a das cultivares crioulas. Em anos considerados desfavoráveis, a produtividade de ambas tende a se igualar, ou, em certos casos, a cultivar crioula pode superar a híbrida. Com isso, a cultivar crioula passa a ser recomendada em condições de clima e solo desfavoráveis pela sua adaptação a estas condições, conferidas ao longo de décadas de seleção pelos agricultores. Além do mais, o uso de cultivar crioula possibilita que o agricultor possa reutilizar essa semente, observando indicações técnicas específicas para garantir a sua qualidade genética, pureza e germinação da semente.

IHU On-Line - Como o senhor percebe a utilização de sementes crioulas entre os agricultores? Por que, apesar de existir uma variedade grande de determinada espécie, como o milho, por exemplo, poucas qualidades de sementes são cultivadas?

Gilberto Antonio Bevilaqua - A utilização de sementes crioulas em cultivos extensivos ainda pode ser considerada pequena, embora os agricultores familiares as utilizem em maior escala, em casos de haver deficiência na oferta de sementes de acordo com o ano. O comportamento do consumidor final também acaba sendo determinante na escolha da cultivar por parte do produtor e afetando o comportamento da indústria processadora na compra do produto. Atualmente, o consumidor tem uma preferência por produtos com aparência homogênea, desconsiderando o valor nutricional do produto e o sistema em que foi produzido. A mudança de hábito do consumidor quanto a produtos com aparência menos impactante terá forte influência na escolha do material genético e na alteração dos sistemas de produção utilizados.

IHU On-Line - Com a introdução da transgenia na agricultura, a semente crioula corre risco de entrar em extinção?

Gilberto Antonio Bevilaqua - O risco efetivamente existe. Tem se observado o aumento dos casos de contaminação das cultivares crioulas por cultivares híbridas e transgênicas, principalmente em espécies alógamas, como o milho. Entretanto, constata-se que as cultivares crioulas incorporam genes destas cultivares, e o processo de evolução deve seguir o caminho natural, pois é impossível deter a movimentação dos grãos de pólen. Mecanismos de controle dos cultivos transgênicos devem ser melhor administrados sob pena da contaminação total dos campos de sementes, inclusive em cultivares convencionais de espécies autógamas, como a soja.

(Envolverde/IHU-OnLine)

Imagem: site da Fundação Banco do Brasil

[DENTES] SEM PROTEÇÃO

Pesquisa indica que creme dental com baixa concentração de flúor, usado para prevenir a fluorose dental em crianças, não diminui o risco do problema nem é eficiente contra cáries

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – A quantidade excessiva de flúor no organismo de crianças pode causar a fluorose dental. Para evitar essa alteração estética que forma manchas brancas nos dentes foram lançados no mercado, há alguns anos, os cremes dentais com baixa concentração de flúor.

Mas a alternativa pode não ter sido uma boa ideia: um novo estudo realizado por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) indicou que os cremes dentais com baixa concentração de flúor não são tão eficientes contra as cáries como os dentifrícios convencionais. Pior: também podem não evitar a fluorose.

O tema foi o foco da pesquisa de mestrado de Regiane Cristina do Amaral, defendida na Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) da Unicamp, em Piracicaba (SP), sob orientação de Jaime Aparecido Cury, professor de Bioquímica da unidade. Durante a graduação, Regiane teve apoio da FAPESP para duas bolsas de iniciação científica.

Com a colaboração de Lívia Tenuta, Altair Cury e Cinthia Tabchoury – todos professores da FOP, o estudo gerou um artigo que será publicado na edição de agosto do European Journal Oral Sciences.

De acordo com Cury, para a realização do estudo, 14 voluntários utilizaram creme dental com concentrações de flúor de 500 ou 1.100 partes por milhão e usaram dispositivos palatinos contendo esmalte decíduo, que foram submetidos à simulação de consumo de diferentes níveis de exposição a açúcar: de duas a oito vezes por dia.

“Os resultados mostraram que, entre os voluntários que simulavam menor consumo de açúcar, o efeito dos dois tipos de cremes dentais era semelhante. Mas, conforme aumentava a exposição ao risco de cárie, o dentifrício de baixa concentração de flúor não era capaz de combater o efeito do açúcar e as cáries aumentavam linearmente. Além disso, para os dois tipos de cremes dentais o risco de ocorrência de fluorose dental seria semelhante, para crianças que ingerissem grande quantidade da pasta”, disse à Agência FAPESP.

Segundo Cury, o uso do flúor tem sido considerado indispensável para o controle das cáries e muitos países conseguiram, com a fluoretação das águas de abastecimento público, reduzir os níveis de cáries de suas populações. Posteriormente, estudos começaram a relatar um declínio acentuado nos casos de cárie em países em que havia um uso abrangente de cremes dentais com flúor. No Brasil, em setembro de 1988, o creme dental que dominava mais de 50% do mercado passou a ser fluoretado.

“De um dia para o outro, no Brasil, o uso do flúor passou a ser praticamente universalizado, com a fluoretação da água e dos cremes dentais. Houve um declínio acentuado das cáries. Só que, a partir de então, começou a haver uma preocupação com o aumento da fluorose”, disse.

A partir dessa constatação, na década de 1990 países como o Brasil, os Estados Unidos e a Irlanda, que utilizam água fluoretada, começaram a discutir como diminuir o problema da fluorose dental. Foram lançados cremes dentais de baixa concentração de flúor, que diminuíam a quantidade do elemento químico em cerca de 50%.

Mas a fluorose, segundo Cury, não é decorrente do efeito tópico do flúor em contato com os dentes. Ela é causada pela presença sistêmica do flúor no organismo de crianças com dentes em formação. O problema, portanto, não é a concentração do flúor no creme dental, mas a ingestão de grandes quantidades de creme dental com flúor. Por isso, para diminuir o risco de fluorose, o estudo recomenda a utilização de pequenas quantidades dos cremes dentais convencionais.

“Como a criança, até determinada faixa etária, ainda não é capaz de cuspir com perfeição, acaba engolindo muita pasta. Essa quantidade de flúor ingerida se soma à que está na água e esse excesso leva ao único efeito colateral sistêmico do uso de flúor, que é a fluorose dental. A solução não é diminuir a concentração de flúor do creme dental, mas utilizá-lo em menor quantidade nos dentes da criança – algo da dimensão de um grão de arroz”, disse.

O estudo corroborou os dados de um estudo clínico realizado anteriormente, entre crianças com atividades de cárie, pelo grupo da FOP em São Luís (MA) e publicado na revista Caries Research .

“O creme de baixa concentração não conseguiu controlar as cáries. Já o creme convencional não apenas controlou o problema, como levou a uma reversão das lesões de cárie existentes. Em um trabalho epidemiológico de campo como aquele, no entanto, não controlamos todas as variáveis. No novo estudo pudemos chegar aos mesmos resultados, mas sabendo que todos os voluntários da pesquisa tinham a mesma quantidade de bactérias sobre os dentes – o que variava era apenas o consumo de açúcar e a concentração de flúor na pasta”, explicou.

Segundo o pesquisador, atualmente alguns dentistas e médicos, preocupados com a fluorose dental, chegam a recomendar cremes dentais que não contêm flúor. Segundo ele, trata-se de um equívoco: "se a pasta de baixa concentração de flúor não é suficiente para controlar as cáries, o que esperar de uma pasta sem flúor?", alertou.

Manchas brancas

O problema da fluorose, segundo Cury, tem caráter essencialmente estético. Os dentes são formados, na infância, a partir de uma matriz proteica, que gradualmente vai perdendo matéria orgânica e passando por mineralização.

“A ingestão do flúor pelo organismo durante a formação dos dentes inibe a degradação da matéria orgânica e o esmalte acaba sendo formado com mais proteínas do que o normal. Isso dá ao esmalte uma porosidade que absorve a luz e forma uma mancha branca difusa nos dentes. Há um efeito estético, mas não há um comprometimento sério do bem-estar da pessoa”, disse.

A diminuição da quantidade de creme dental pode ser suficiente para evitar o problema, segundo Cury. “Além disso, nem todo o flúor que é engolido é absorvido pelo organismo. Essa absorção varia de acordo com a presença de alimentos no estômago. Uma criança que escova os dentes logo após as refeições, por exemplo, pode absorver apenas 40% do flúor que for engolido”, explicou.

Outro aspecto da questão, segundo Cury, é que a quantidade de flúor absorvida depende do tipo de abrasivo presente na pasta. "Além disso, enquanto 100% do flúor dos cremes com apelo para consumo por crianças é absorvido e cai na corrente sanguínea, as pastas 'populares', de uso da família, são absorvidas apenas parcialmente. Assim, é contraditório recomendar um creme dental 'infantil', em vez do dentifrício de concentração de flúor de 1.500 partes por milhão, utilizado normalmente pelos pais", concluiu.

OCÉLIO DE MEDEIROS

"...Mesmo depois de 68 anos de sua publicação, 'A Represa' continua uma obra singular e um excerto imprescindível de nossa história, ao mesmo tempo, rara, e ainda desconhecida do público acreano. O livro longe de ser um ataque à terra, é uma cinematografia das suas convulsões socias, como bem resume seu prefácio. Nunca alcançaremos o progresso tão almejado para nosso Estado, enquanto renegarmos nossa história a obra rara, em estantes particulares e bibliotecas inacessíveis"

O pai do romance acreano

Isaac Melo*

O ano de 1942 foi marcante para a literatura acreana. Nele surgiam duas importantes publicações que pela primeira vez abordavam somente temas acreanos em seus enredos. De um lado, o conto, representado pelo livro 'Sapupema: contos amazônicos' do cearense-acreano José Potyguara e por outro, o romance, representado pelo livro 'A Represa' do acreano xapuriense Océlio de Medeiros. Ambas as obras são inaugurais e alargam os horizontes para a construção de uma literatura de cepa acreana.

O Acre tem criado uma literatura original, embora ainda em vias de formação, com escritores que pouco a pouco vão se impondo no cenário nacional, pela argúcia de seus escritos e por uma inteligência sutil e provocante. É o caso de Océlio de Medeiros (1917-2008) que, talvez, tenha sido uma das principais personalidades acreanas do século XX e uma das biografias mais agitadas de nossa história. O menino de Xapuri em suas andanças pelo mundo iria se tornar, em breves palavras, militante estudantil, professor universitário, jornalista, advogado, porta-voz de governo, deputado federal cassado e perseguido pelo regime miltar, escritor e poeta.

Não tive o privilégio de conhecer Océlio de Medeiros, porém, desde que entrei em contato com sua obra percebi a superioridade de seu pensamento, fato que me fez ser um seu admirador. Por isso, creio que o Acre ainda está a dever um tributo a sua pessoa e a sua obra. Obra, esta, que não é tarefa fácil de ser abordada, por isso, me detenho, aqui, especificamente, no livro 'A Represa', deixando, assim, um texto mais denso para outra ocasião.

'A Represa: romance da Amazônia' é o primeiro romance acreano de um acreano, Océlio de Medeiros, publicado no Rio de Janeiro, em 1942, pelos Irmãos Pongetti Editores. Já na introdução do romance ressalta-se que a técnica empregada no livro, através de um estilo propositadamente descritivo, consistiu muito em buscar personagens de ficção, ou mesmo inspirado em modelos reais para cenas que colheu, numa apreensão caricatural no sofrimento da vida amazônica. Assim, percebe-se que o autor mescla situações reais com personagens fictícias, o que, por sua vez, confere à obra um valor histórico.

Océlio comenta, nas páginas iniciais, que 'A Represa' abrange dois cenários da terra que será a pátria da humanidade amanhã: o da transição da fase de conquista, o caso do Acre, e o da formação da sociedade aluviônica, que diante dos contrastes, tenta se estruturar para assim poder sobreviver. Soma-se a isso, uma selva pintada com tons nostálgicos. Embora a narrativa deixe transparecer o embate da natureza com o homem, o foco não está na selva imponente, mas no homem. Este, como a Fênix das cinzas, é capaz de se refazer da lama, depois de um repiquete a tudo destruir. Nesse sentido, o homem se torna mais forte que a natureza, uma vez que é capaz, frente à destruição, se reerguer novamente.

O romance tem como pano de fundo a decadência dos seringais e conclui com o início do segundo ciclo da borracha, advindo do começo da Segunda Guerra Mundial. 'A Represa', bem como 'Vidas Marcadas' de Potyguara, é um dos poucos romances em que o seringalista não é estereotipado como seres famigerados, a encarnação do mal na terra, pois como Océlio narra “eles eram, simplesmente, uma atitude imposta pelas contingências do meio, um produto do enriquecimento vertiginoso e obra de uma época de agitações tremendas, cuja energia tinha de se requintar, mesmo em barbaridades, para manter centenas de homens do sertão, com sentimentos excitados de cobiça, na ordem do trabalho que fez a Amazônia de hoje”.

No enredo do romance está Antonico, o jovem filho do Major Isidoro e Dona Candinha, seringalistas falidos pela crise que o enviam para trabalhar no seringal de um amigo, o coronel Belarmino. Este, em plena crise, é um dos únicos que mantêm seu seringal de pé, o Iracema. Lá Antonico encanta-se por Santinha, a filha do coronel. Araripe, o caixeiro do seringal, enciumado, conta a dona Zinha, mãe da moça, as “pretensões” de Antonico, que fala ao coronel, seu esposo. Por fim, numa alternativa conciliadora, por estimar o jovem, o coronel o envia para Belém para continuar os estudos.

A decadência da borracha se agrava cada vez mais. Diante dessa realidade coronel Belarmino resolve inovar: divide suas terras entre os seringueiros e começa a investir na agricultura. Em pouco tempo Iracema se torna um lugar próspero, e homens que dantes eram seringueiros agora são agricultores. Mas, como um dia ressaltou o amazonófilo Leandro Tocantins, na Amazônia o rio comanda a vida. Uma forte alagação inunda a região e Iracema ver desaparecer toda sua plantação. É a segunda decadência.

Expulsos pela alagação, seringalista e seringueiros são obrigados a embarcar para Rio Branco, onde são atendidos pela Comissão de Socorros aos Flagelados das Cheias criada pelo prefeito Ribeiro Santos. Em Rio Branco entram em cena outros personagens como Amadeu Aguiar, jornalista do conceituado “O Acre”; Manoel Brasil, o carteiro bisbilhoteiro; capitão Donato; Filipinho, que tenta iniciar a Academia Acreana de Letras, etc. personagens que refletem uma época e um povo.

Percebe-se, ao longo da narrativa, pitadas do humour e irreverência de Océlio. Falando sobre as peripécias do verídico e folclórico Pe. José, anedotava: “O Padre José, vivendo a emoção de todos esses lances de aventura, contava a estatística dos bichos caçados: duzentos caetitus, trezentas pacas, quatrocentos veados, cinquenta onças, oitocentos mutuns, dois mil jacarés... Anos depois o Padre José foi nomeado Agente Recenseador”. Em relação ao Banco do Acre pilheriava: “Em Rio Branco só há duas casas no gênero: a Agência do Banco do Brasil, funcionando num casarão coberto de zinco, e o Banco do Acre, inventado pelo Dr. Flávio. O Banco do Acre era como essas mulheres vara-paus: não possui fundos”. E sobre a situação política dizia: “A oposição, no Acre, é como Deus – se não existisse era preciso inventá-la”.

O título da obra é uma alusão aos homens que na Amazônia, como as represas, ficam, ali, “presos” sem ter como escapar da imensidão verde que a todos parece tragar: “Isto aqui é uma represa. Já é uma cadeia. Nós estamos como presos... cercados de horizontes, encadeado de distâncias”.

Mesmo depois de 68 anos de sua publicação, 'A Represa' continua uma obra singular e um excerto imprescindível de nossa história, ao mesmo tempo, rara, e ainda desconhecida do público acreano. O livro longe de ser um ataque à terra, é uma cinematografia das suas convulsões socias, como bem resume seu prefácio. Nunca alcançaremos o progresso tão almejado para nosso Estado, enquanto renegarmos nossa história a obra rara, em estantes particulares e bibliotecas inacessíveis. Esse progresso poderia ter como pontapé inicial uma re-edição da obra do pai do romance acreano.

*Editor do Blog Alma Acreana. Contatos com o autor:isaac.melo@yahoo.com.br

27 abril 2010

FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL

Em Mato Grosso 99% dos infratores não pagam multas ambientais

Steffanie Schmidt,
A Gazeta, MT.

De dimensões continentais, Mato Grosso possui o 3º maior território do país. Não por acaso, o Estado que abriga 3 biomas – cerrado, floresta amazônica e pantanal – é foco constante de operações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA). Mas, na visão dos ambientalistas, um outro fator contribui para que os crimes ambientais continuem em plena atividade: a punição dos infratores.

De acordo com o coordenador do Instituto Centro de Vida (ICV) de Mato Grosso, Sérgio Guimarães, 99% dos autuados no Estado não pagam suas multas junto aos órgãos fiscalizadores como IBAMA e Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema). Dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) revelam que somente 1% de R$ 324 milhões, valor correspondente a 421 multas emitidas pelos dois órgãos entre 2005 e 2006, foram pagos até o mês de março de 2008. Todas se referem à operação Curupira, realizada em 2005 e que resultou na prisão de 80 pessoas.

Na Sema, em 2009, o valor total arrecadado com multas, infrações e prestações de serviços como emissão de guias, autorizações, licenças e carteiras de pescador atingiram a cifra de R$ 31.623,095. Os dados sobre multas aplicadas não foram finalizados.

Entretanto, o relatório de 2008 da Superintendência de Fiscalização da Sema, aponta que o total de multas aplicadas durante o ano atingiu a cifra astronômica de R$ 1.280.834.060, totalizando 5.560 autos de infração. Para se ter uma ideia, esse valor é bem maior que o orçamento da Sema nesse mesmo ano, de R$ 76.103,375.

A maioria das multas aplicadas em 2008 é em decorrência de queimadas, num total de R$ 962.902.161,88, seguido da falta de licenciamento, com R$ 66.769.049,90 e do transporte e comercialização ilegal de madeira que registrou R$ 5.231.785,32 em infrações. O desmatamento é o último colocado, com R$ 224.939,32.

Além do âmbito administrativo, no quesito criminal, os vários fóruns de competência permitem a postergação da sentença final. “O maior problema é que não são responsabilizados pela multa, ou seja, não pagam por haver várias instâncias onde se podem recorrer. Mesmo quando as sanções são aplicadas, o infrator não é responsabilizado efetivamente”,enfatiza Guimarães.

A fiscalização, na sua opinião, ainda consegue atingir seus objetivos. O IBAMA, por exemplo, que está em greve há duas semanas, paralisou 60 operações em todo país, segundo dados do comando nacional de greve. Apenas duas continuaram e uma delas está justamente em Mato Grosso. A operação “Soja Pirata” já estava em andamento antes da greve.

A última apreensão, ocorrida final de março, totalizou 66 mil sacas do produto num total de 5,2 mil hectares, quase 6 mil campos de futebol. A soja ilegal era plantada em uma fazenda embargada no município de Bom Jesus do Araguaia (1 mil km a nordeste de Cuiabá). Boa parte dessa área está dentro da Terra Indígena Maraiwatsede, pertencente à etnia Xavante.

De acordo com o IBAMA, o cultivo foi feito em áreas que já estavam embargadas por conta do desmatamento ilegal da floresta. A área faz parte do grupo Fazendas Unidas Capim Fino, que reúne 7 fazendas na região. As fazendas do grupo Capim Fino são campeãs de autuações do IBAMA. Além de mais de R$ 58 milhões em multas, a maioria delas por desmatamento, queima e dificuldade de regeneração da floresta, todas as propriedades possuem áreas que foram embargadas pelo órgão ambiental federal em 2008.

Boicote – A adesão de produtores rurais ao programa de regularização da atividade produtiva no Estado, o MT Legal, vem sendo boicotada por sindicatos e associações representativas da classe, segundo Sérgio Guimarães. “O programa dá oportunidade ao produtor rural de se cadastrar sem ter que pagar multas pelo seu passivo ambiental. Entretanto, não tem tido muita resposta por parte dos produtores do Estado porque algumas lideranças ruralistas estão orientando os produtores a não se cadastrarem dizendo que haverá mudanças no Código Florestal”.

O projeto de alteração do Código Florestal está em trâmite no Congresso Nacional.

Para o ambientalista, esse tipo de posicionamento é um equivocado. “Eventuais mudanças no Código Florestal serão automaticamente incorporadas por quem estiver cadastrado no MT Legal”.

A ideia é que os produtores recuperem seus passivos ambientais por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

A reportagem entrou em contato com a administração da fazenda pelo número divulgado na lista telefônica, mas não obteve sucesso.

A Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato) e a Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja) foram procurados, mas não se manifestaram sobre o assunto.

As mais de 100 mil propriedades voltadas à pecuária no Estado serão cadastradas no MT Legal até o mês de novembro, segundo informações divulgadas pela Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat).

Arrecadação – De acordo com o superintendente de procedimentos administrativos e autos de infração da Sema, Jânio Moraes, o problema com a arrecadação é uma realidade inerente a todo país. Os vários recursos admitidos são um dos principais pontos para esse resultado, segundo ele. Responsável pelo julgamento de 300 a 400 processos por mês, Jânio explica que a partir desse ponto, o infrator pode recorrer ao Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema), que se reúne uma vez por mês para julgar todos os processos. Depois dessa instância, existe ainda a prerrogativa de se recorrer ao Pleno do Consema, que também toma ciência dos processos durante a única reunião mensal. Somente depois disso é que se pode realizar a execução fiscal do infrator, que é um procedimento da Procuradoria Geral do Estado (PGE).

A maior parte desse caminho é percorrido, segundo ele, por proprietários rurais que são autuados em grandes somas. “O decreto federal 6.514/08, tornou esse tipo de multa astronômica”.

As pequenas infrações, normalmente, são parceladas em até 36 vezes, segundo Moraes.

Além disso, os focos de desmatamento e queimada vêm reduzindo anualmente, segundo o secretário adjunto de Qualidade Ambiental da Sema, Salatiel Araújo. “Acredito na eficiência da fiscalização por que ela vem mostrando a queda nos índices de desmatamento e focos de queimada no Estado”.

De 1999 a 2006, os focos de calor passaram de 46% para 20%.

Todo procedimento é feito a partir da fiscalização in loco da área degrada. “Mesmo nos casos em que o fogo atingiu a área de reserva da propriedade, de fora para dentro, o proprietário rural é obrigado a recuperar a área. Ele nunca deixa de ser punido”, afirmou Jânio Moraes.

Republicado a partir de matéria do EcoDebate, 27/04/2010

DOCUMENTÁRIO SOBRE ÍNDIOS ISOLADOS DO ACRE EM FASE DE PRODUÇÃO

Por Leandro Chaves, para o EcoDebate

Em 2008, após a divulgação das imagens dos índios isolados que habitam o Acre, na fronteira com o Peru, o Brasil pôde conhecer a situação de risco em que esses índios vivem por conta da exploração de madeira e petróleo no lado peruano. Protegê-los, respeitar seu isolamento voluntário e conscientizar a população sobre este assunto são as medidas tomadas pelas entidades envolvidas com a causa na região.

Mas estas não são apenas tarefas de não-índio. Os Kaxinawá da Terra Indígena do Rio Humaitá, por exemplo, vivem próximos dos isolados e participam dessas ações de proteção. Eles deixaram, em 2009, 1/3 de seu território para uso exclusivo desses índios. Outra preocupação do povo é com a conscientização da população acreana e do resto do Brasil sobre a questão. Para isso, Nilson Tuwe, da aldeia São Vicente, está trabalhando em um documentário sobre os povos isolados que habitam o Acre.

“O filme vai mostrar onde esses brabos estão localizados, como vivem e quais os problemas que estão acontecendo em torno deles”, explica. Ele esteve em São Paulo em fevereiro e março, junto ao Instituto Catitu, para editar uma pré-produção do material. O resultado foi um mini-documentário sobre a I Oficina de Informação e Sensibilização sobre Povos Isolados, ocorrida na sua terra indígena em maio de 2009.

“Esse ainda não é o trabalho final, apenas um produto da oficina”, afirma. Esta pré-produção possui cerca de 50 minutos e mostra as discussões abordadas e as propostas definidas durante o evento. Nilson conta que o filme em fase de produção é um longa-metragem e será finalizado até dezembro deste ano.

As filmagens do levantamento da presença de isolados na Terra Indígena do Rio Humaitá – atividade iniciada no final de 2009 pelos moradores da terra e o indigenista Terri Aquino – vão compor o filme. Na ocasião, Nilson registrou vestígios desses índios, como restos de comida, trilhas na mata, cinzas de fogueiras, moradias abandonadas, entre outros. Para a conclusão de todas as filmagens, ele aguarda a sua participação em um novo sobrevoo a ser realizado sobre as aldeias de índios isolados ainda este ano.

No momento, Nilson está registrando a II Oficina de Sensibilização sobre Povos Isolados, que acontece no Jordão. As imagens também farão parte do documentário. “É importante o mundo saber da existência dos brabos e compreenderem os problemas que acontecem na fronteira com o Peru. O filme vai servir para fortalecer essa discussão, divulgar e trazer mais parceiros para a causa”, conclui.

Colaboração de Leandro Chaves, da CPI/AC, para o EcoDebate, 27/04/2010

Foto: Acervo Instituto Catitu

A DEPILAÇÃO A LASER PODE PREJUDICAR A SAÚDE HUMANA?

Esse tipo de depilação é cada vez mais comum, sobretudo entre as mulheres. Em resposta a nossa leitora, um especialista explica se o contato sucessivo com essa fonte de luz provoca efeitos indesejáveis no organismo.

Por: Paulo Eduardo Neves Ferreira Velho*
Ciência Hoje 268 (março/2010)

[A depilação a laser envolve a liberação de ondas luminosas, que são absorvidas por estruturas da pele e convertidas em energia térmica (foto: Dr. Braun/ Vancouver Laser & Skincare Centre - CC BY-SA 2.0)]

[Pergunta de Tiene Mello, por correio eletrônico]

A palavra laser é um acrônimo formado pelas iniciais de Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation. Significa, portanto, uma amplificação da luz pela emissão estimulada de radiação. Isso envolve a liberação de ondas luminosas chamadas fótons, que são emitidos por elétrons excitados.

Na pele, essa energia luminosa é absorvida por estruturas-alvo e convertida em energia térmica. No caso do pelo, a melanina – pigmento que dá a cor à pele, aos pelos e aos cabelos – é a estrutura-alvo (cromatóforo) onde a energia luminosa se converte em energia térmica. É por isso, aliás, que os pelos claros não respondem tão bem a essa terapia quanto os pelos escuros.
Os efeitos indesejáveis desse tipo de tratamento decorrem do calor liberado

Os efeitos indesejáveis desse tipo de tratamento decorrem do calor liberado. Não há, porém, caráter cumulativo dessa irradiação. Isso é diferente do que ocorre com a radiação ultravioleta emitida pelo Sol e por outras fontes luminosas. É esse tipo de luz que está envolvido com o processo de envelhecimento e com os cânceres cutâneos. Assim, não há risco no contato cumulativo com o laser utilizado na depilação.

*Departamento de Clínica Médica, Universidade Estadual de Campinas (SP)

26 abril 2010

O PSDB TIRA OS SAPATOS PARA OS EUA

"O ápice dessa postura subserviente se deu quando...Celso Lafer, ministro das Relações Exteriores do Brasil [Governo FHC], sujeitou-se a tirar os sapatos e ficar descalço, a fim de ser revistado por seguranças do aeroporto, ao desembarcar em Miami...desrespeitou a si próprio e desonrou não apenas o cargo de ministro, como também o governo ao qual servia."

Serra tira os sapatos para os EUA

O presidenciável demotucano José Serra vai aos poucos soltando suas asinhas. Quando sua pré-candidatura foi oficializada, no início de abril, ele se fingiu de bonzinho. Evitando se confrontar com a alta popularidade do presidente Lula, afirmou que manteria o que há de positivo no atual governo e lançou o bordão adocicado “O Brasil pode mais” – que logo foi encampado pela TV Globo numa desastrada propaganda subliminar. Mas o “Serrinha paz e amor” não se sustenta. É pura estratégia eleitoral, coisa de marqueteiro esperto para embalar um produto falsificado.

Na semana passada, num evento com empresários de Minas Gerais, José Serra começou a fazer a demarcação dos projetos em disputa da eleição de outubro. Ele criticou o Plano de Aceleração do Crescimento, o que reforça a confissão à revista Veja do presidente do PSDB, Sérgio Guerra, de que o PAC será extinto. Também afirmou que irá “rever o papel” do BNDES. O que chamou a atenção no seu discurso, porém, foi o ataque ao Mercosul. Para ele, o bloco regional “atrapalha as relações comerciais do Brasil”. O discurso deve ter agradado aos seus amos dos EUA.

“Alinhamento automático” com o império

De há muito que a política externa do presidente Lula, mais altiva e ativa na defesa da soberania nacional, é motivo de duras críticas da oposição neoliberal-conservadora. Os demotucanos nunca engoliram a prioridade dada ao Mercosul e à integração regional; tentaram sabotar o ingresso da Venezuela no bloco regional e são inimigos declarados dos governos progressistas da região; não se pronunciaram contra o golpe militar em Honduras, mas condenaram o governo por dar abrigo ao presidente deposto. Para eles, como revela José Serra, a integração latino-americana atrapalha.

Presença nauseante nos telejornais da Globo e nas páginas dos jornalões e revistonas direitistas, os embaixadores tucanos Celso Lafer, Rubens Barbosa e Luiz Felipe Lampreia sempre pregaram o retorno à política de FHC do “alinhamento automático” com os EUA. No episódio recente da ameaça do governo Lula de retaliar produtos ianques em oposição ao seu protecionismo, alguns deles saíram em defesa dos EUA. Eles temem qualquer postura mais soberana diante do império. São contra a política de diversificação comercial do Brasil, contra a ênfase nas relações Sul-Sul.

Complexo de vira-lata dos demotucanos

Este é o time do candidato José Serra. Essa é a sua orientação para a política externa. Na prática, a oposição neoliberal-conservadora sonha com o retorno ao “alinhamento automático”. Mercosul e outras iniciativas visando quebrar o unilateralismo imperial seriam enterradas com a eleição do demotucano. O Brasil regrediria para o triste período de FHC, de total subserviência às potências capitalistas – do complexo de “vira-lata”. Serra tenta se afastar da imagem desgastada de FHC, mas sua política externa seria idêntica – não como farsa, mas como tragédia no mundo atual.

Para entender o que representaria este retrocesso vale a pena ler o livro “As relações perigosas: Brasil-Estados Unidos (de Collor a Lula, 1990-2004)”, do renomado historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira. Ele comprova, como farta documentação, como a política externa regrediu nos oito anos de reinado de FHC. Neste período nefasto, o país só não aderiu ao tratado neocolonial dos EUA, a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), devido à reação da sociedade. Esta resistência também evitou que Alcântara, no Maranhão, virasse uma base militar ianque.

Tratamento humilhante para o Brasil

Entre outros casos vexatórios da política de FHC, Moniz Bandeira relata a sumária exoneração do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) do Itamaraty, por este ter alertado o governo para os graves riscos da Alca. Cita a atitude acovardada do ex-ministro Celso Lafer diante das pressões dos EUA para afastar o embaixador brasileiro José Maurício Bustani da direção da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ), ligada à ONU, por este ter tentado evitar a guerra genocida no Iraque. Lembra ainda os discursos do ex-ministro de FHC propondo a participação do Brasil no genocídio no Iraque com base no draconiano Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR).

O ápice dessa postura subserviente se deu quando o diplomata aceitou tirar seus sapatinhos nos aeroportos dos EUA. “Em 31 de janeiro de 2002, Celso Lafer, ministro das Relações Exteriores do Brasil, sujeitou-se a tirar os sapatos e ficar descalço, a fim de ser revistado por seguranças do aeroporto, ao desembarcar em Miami. Esse desaire, ele novamente aceitou antes de tomar o avião para Washington, e mais uma vez desrespeitou a si próprio e desonrou não apenas o cargo de ministro, como também o governo ao qual servia. E, ao desembarcar em Nova York, voltou a tirar os sapatos, submetendo-se, pela terceira vez, ao mesmo tratamento humilhante”.

Subserviência ou soberania nacional?

Com base nas suas pesquisas, Moniz Bandeira garante que a eleição de Lula deu início a uma guinada na política externa, retomando a trajetória seguida por Vargas e outros nacionalistas. Ele lembra os discursos do então candidato contra a Alca, a indicação de Celso Amorim e de Samuel Pinheiro para o seu Ministério de Relações Exteriores, a prioridade às negociações do Mercosul, os esforços para a construção de um bloco regional sul-americano e a frenética investida na diversificação das relações com outros países em desenvolvimento – como China, Índia e Rússia. Cita ainda os duros discursos contra a ocupação do Iraque e o veto à base ianque em Alcântara.

Para o autor, após a longa fase de subserviência ao império, as relações do Brasil com os EUA voltaram a ficar tensas. Ele registra os vários discursos hidrófobos da direita estadunidense e não descarta manobras ardilosas e violentas para sabotar o atual projeto de autonomia nacional. Mas se mostra confiante na habilidade e ousadia da atual equipe do Itamaraty. Reproduzindo artigo do jornal O Globo, ele afirma que “há tempos (Celso Amorim) avisou a embaixadora dos EUA que não há força no mundo capaz de fazê-lo tirar os sapatos durante a revista de segurança dos aeroportos americanos. ‘Vou preso, mas não tiro o sapato’”. Conforme indica Moniz Bandeira, este é o dilema do Brasil na atualidade: subserviência ou soberania nacional?

Imagem: publicada no site Tijolaço.com

DIA MUNDIAL DE COMBATE À MALÁRIA

25/04: Dia Mundial de Combate à Malária chama atenção para os obstáculos em série colocados pela doença

Agência Fiocruz de Notícias

A cada 30 segundos, uma criança africana morre de malária. O número triste e impressionante evidencia a forma inclemente como a África é atingida pela doença, que também permanece endêmica em países da Ásia e da América Latina, inclusive o Brasil. Apenas em 2009, 306 mil casos foram registrados no país, quase a totalidade na Região Amazônica. No Dia Mundial de Combate à Malária, 25 de abril, especialistas chamam atenção para os obstáculos em série colocados pela doença.

“A malária coloca desafios globais, como a resistência a medicamentos, e no Brasil apresenta desafios locais para o controle, associados às condições da área amazônica, endêmica para a doença”, afirma o chefe do Laboratório de Pesquisas em Malária do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Claudio Tadeu Daniel-Ribeiro, destacando que apenas 20 dos 807 municípios amazônicos concentram nada menos que 50% dos casos do país. Além de desenvolver pesquisas em diversas abordagens – sobretudo aspectos imunológicos da doença –, o laboratório é referência junto ao Ministério da Saúde para a extra-Amazônia, atuando no diagnóstico de casos.

Em artigo que será publicado no Malaria Journal, o especialista destaca que, do ponto de vista da evolução histórica, houve uma importante redução dos casos no Brasil. Afinal, nos anos 1940 eram mais de 6 milhões por ano. Nos idos de 1960, os números foram os mais baixos já registrados. O incremento da ocupação humana da Região Amazônica explica o aumento progressivo do número dos casos desde os ano 1970.

No que depende da presença do mosquito vetor, o Brasil poderia vivenciar um quadro muito pior, já que o Anopheles darlingi está presente em quase 80% do território brasileiro. Como contraponto, a circulação do parasito causador da doença é territorialmente bem delimitada, com 99,8% dos casos localizados na região da Bacia do Amazonas. Em relação ao agente causador da malária, predomina o parasito Plasmodium vivax (83,7% dos casos registrados em 2009), enquanto o Plasmodium falciparum, o mais associado a casos de malária grave, respondeu por 16,3%.

O artigo, que também é assinado por outros quatro especialistas do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec/Fiocruz), Fundação de Medicina Tropical do Amazonas e Universidade de Brasília, além do coordenador do Programa Nacional de Controle da Malária, José Lázaro de Brito Ladislau, ressalta aspectos recentes que têm chamado atenção dos malariologistas brasileiros. Nos últimos anos, um padrão incomum de complicações clínicas associadas a casos fatais com P. vivax tem sido observado, fato cuja causa ainda demanda investigações. Ao mesmo tempo, observam-se evidências do surgimento de cepas de P. vivax resistentes à cloroquina, principal estratégia medicamentosa para a doença.

O especialista indica que o problema da resistência do parasito aos medicamentos disponíveis tem dimensão global. O Brasil adotou a estratégia preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de usar associações de drogas no intuito de reduzir as chances de induzir resistência. A opção pelo uso de derivados da artemisinina em combinação com outros medicamentos é resultado desta orientação. Na Ásia já existem relatos de resistência a derivados da artemisinina, fato que gera grande preocupação uma vez que não há perspectivas no momento de substituição dessas drogas por outras mais modernas.

Para monitorar a resistência, o pesquisador indica que estudos clínicos e in vitro são importantes. “No organismo, o medicamento atua em paralelo a mecanismos bioquímicos, enzimáticos e imunológicos complexos. Em estudos in vitro isolamos a ação do medicamento sobre o parasito, então podemos antecipar a tendência de resistência antes dela ser detectada como caso clínico”, afirma.

O artigo também chama atenção para um fato que pode ser foco promissor para novas pesquisas: foram identificados casos de infecção assintomática pelo P. falciparum e P. vivax, o que sugere um padrão de imunidade clínica. “A compreensão sobre os mecanismos de imunidade associada à exposição ao Plasmodium é um dos pontos críticos para o desenvolvimento de uma vacina”, o pesquisador informa.

Segundo Claudio, na Amazônia uma série de fatores combinados favorece a transmissão da doença e dificulta as estratégias de controle. Fora das áreas endêmicas, o diagnóstico rápido é crucial para o bom prognóstico dos pacientes. “Na Amazônia, o diagnóstico óbvio, elementar, é a malária. O mais difícil é o profissional de saúde que não está numa área endêmica considerar a malária como um diagnóstico possível. Os médicos precisam observar não só a sintomatologia, que é pouco específica, mas também estar atentos para questionar ao paciente sobre viagens recentes, investigando a possibilidade de incursão em áreas endêmicas”, aponta Claudio, que pavimentou a carreira acadêmica como pesquisador imunologista, mas é médico por formação.

A informação dos turistas também é fundamental. “O viajante que foi a uma área endêmica precisa saber que qualquer febre pode ser malária e que malária mata. Essa informação pode salvar vidas”, justifica. Durante a estadia, é importante conhecer os hábitos do mosquito vetor –predominantemente noturno, com pico de atividade nas primeiras horas da madrugada –, evitando pernoitar próximo a coleções hídricas, já que água parada, sombreada e limpa é o criadouro preferencial dos anofelinos. O uso de repelente, roupa fechada, janelas teladas e mosquiteiros é recomendado.

No conjunto, os avanços do Brasil no combate à malária sobrepujam os revezes. O número de internações despencou de 53.450 em 1994 para 18.037 em 2000 e 4.442 em 2009. Os óbitos atribuídos à doença caíram ainda mais – de 897 em 1984 para 58 em 2009 –, resultando na taxa de mortalidade mais baixa registrada até hoje – de 0,038% em 2000 para 0,013% em 2009.

“Os resultados estão associados a diversos fatores, mas sem dúvida se devem a um esforço ímpar de diagnóstico e tratamento precoce”, Claudio avalia. Dados de 2008 indicam que 59% de todos casos de malária registrados na região amazônica naquele ano foram tratados nas primeiras 48 horas após o aparecimento dos sintomas. “Essa medida de rápida intervenção não apenas evita a evolução de pacientes para complicações que podem conduzir a óbito ou sequelas, minimizando os evidentes custos humanos da malária, mas também interfere no ciclo da doença. Assim, o paciente é tratado antes que o Plasmodium adquira as formas que podem ser transmitidas pelo mosquito”, esclarece.

O especialista acrescenta também os custos econômicos da doença. “Se considerarmos que cada paciente com malária precisa de cerca de 10 dias de afastamento de suas atividades, tivemos um impacto econômico de mais de 3 milhões de dias de trabalho em 2009, sem contar gastos com tratamento e internações. Isso corresponde a cerca de 11 mil trabalhadores parados por um ano”, o pesquisador calcula.

Segundo Claudio, o Brasil tem um programa bastante exemplar, com uma rede gratuita que visa diagnosticar e tratar precoce e adequadamente a malária – o que é muito diferente da realidade no continente africano, por exemplo. Na equação de um difícil contexto de controle na região endêmica e de novos e intrigantes fatos verificados na rotina de vigilância da doença, Claudio defende o investimento em ciência associada à medicina. “A malária é uma doença de áreas silvestres. No nosso caso, foi o homem que entrou na casa do mosquito, o que dificulta as ações”, pondera. “A saída provavelmente reside na manutenção das ações de controle de forma permanente e continuada, combinada com o investimento em pesquisa que possa desembocar na produção de novos insumos para a saúde, relevante dada a ameaça permanente de resistência dos parasitos, e o desenvolvimento de uma vacina, o que poderia modificar radicalmente o cenário de controle da doença no Brasil e no mundo”, sintetiza.

ERRADICAÇÃO DA MALÁRIA

Década da erradicação da malária chega ao fim em 2010 com um balanço desanimador

A. Lattus, N. Hauschild, N. Pontes
Agência Deutsche Welle, DW-WORLD.DE/EcoDebate (Augusto Valente, revisão)

Em 2001, os países-membros das Nações Unidas fizeram uma promessa: reduzir à metade, no prazo de uma década, o número de mortes provocadas pela malária, doença que atinge 108 países no mundo. Para tanto, cerca de 80% dos que vivem na região de incidência da doença deveriam receber telas de proteção contra o mosquito e medicamentos de emergência.

Tela eficiente

O mosquiteiro é a proteção mais eficaz e econômica contra a transmissão da malária, pois protegendo contra as picadas de mosquitos durante o sono. Há ainda mosquiteiros revestidos com inseticida, que duram até cinco anos, explica Awa Marie Coll-Seck, do Programa Antimalária da ONU. “O mosquiteiro evita 25% das mortes de crianças menores que cinco anos e 50% dos casos mais graves de malária.”

Como parte do programa Década da Erradicação da Malária, a Organização Mundial da Saúde e seus membros despacharam, até 2008, cerca de 140 milhões de mosquiteiros, somente para a África.

Na Etiópia, os resultados foram positivos: graças aos 20 milhões de telas de proteção distribuídas, reduziram-se à metade os casos da doença, no prazo de dois anos. Na Guiné Equatorial e na ilha de Zanzibar, metade das residências está equipada com mosquiteiros, o que igualmente trouxe uma queda significativa do número de casos.

Balanço da década contra a malária

Apesar desses esforços, apenas nove países africanos conseguiram diminuir o número de casos e das mortes provocadas pela doença.

Por vários os motivos a África é a região onde o combate à malária é mais difícil. Um deles está na falta de conhecimento sobre a doença e sobre o uso correto do mosquiteiro, diz Awa Marie Coll-Seck. Muitos usam as telas de proteção como redes de pesca, por exemplo. “Portanto, não podemos simplesmente distribuir mosquiteiros: também precisamos desenvolver estratégias para modificar o comportamento da população local e facilitar a comunicação com a mesma”, declarou a especialista da OMS.

O balanço da distribuição de remédios para pacientes da malária também é pouco alentador. De fato, mais pacientes recebem medicamentos atualmente de que com 2006. No entanto, o acesso aos remédios continua difícil para a maior parte da população. Em 11 dos 13 países pesquisados na África, apenas 15% dos menores de cinco anos infectados receberam medicamentos. A meta da Organização Mundial de Saúde é de 80%.

Sistemas de saúde falhos

Atualmente, os pacientes são tratados com um novo medicamento, ACTs. O princípio ativo, artemisina, é extraído de uma planta chinesa. “Para que as pessoas sejam tratadas, é preciso um bom sistema de saúde. É importante assegurar o acesso a tratamento médico”, ressalta Coll-Seck.

Sobretudo na África, o setor de saúde é falho. Muitos países não têm dinheiro suficiente para investir em hospitais, médicos ou medicamentos. No sul do Sudão, por exemplo, há um médico para cada 100 mil habitantes; e no oeste do Congo praticamente não existem ruas, o que dificulta muito o transporte dos remédios para as clínicas.

Busca de nova estratégia

Por isso, diversas organizações exigem a adoção de novas estratégias que envolvam os habitantes locais. A organização de ajuda humanitária alemã Medeor ensina a moradores de vilarejos do Togo medidas contra a malária como, por exemplo, drenar os pântanos e jogar fora contêineres plásticos, que são viveiros naturais para os mosquitos transmissores.

Segundo Susanne Schmitz, da Medeor, atividades isoladas não bastam, por não ser possível garantir nem sua sustentabilidade nem seu monitoramento a longo prazo. “Por isso, os nossos parceiros aqui decidiram que devemos fazer as comunidades e moradores das aldeias se envolverem ativamente no combate efetivo à malária.”

Apesar de todo o comprometimento, dinheiro ainda é um problema. Segundo as Nações Unidas, são necessários 5 bilhões de dólares por ano para a erradicação da malária. Até hoje, ao longo de dez anos, a OMS recebeu apenas 2,7 bilhões. Isto se deve ao fato de muitos países não cumprirem o prometido. Especialmente as nações industrializadas, que não têm o problema da malária em seu território.

Esperança na vacina

O cientista norte-americano Stephen Hoffmann, que há mais de 25 anos busca uma vacina contra a malária, acredita ter encontrado a solução numa forma atenuada do protozoário causador da doença. A possível vacina desenvolvida por ele já tem um nome: Plasmodium falciparum sporozoites (PfSPZ).

A empresa americana Sanaria conduz, atualmente, testes clínicos em sete países africanos com cerca de 16 mil crianças. “A vacina retarda o tempo desde a infecção com o parasita até o aparecimento dos primeiros sintomas. Ela não exclui totalmente a malária, no entanto, prorrogando o aparecimento dos primeiros sintomas, esperamos influenciar consideravelmente a doença e seu decurso, normalmente fatal”, explica Hoffmann.

O teste inclui três fases: a primeira, já concluída com êxito, é garantir a segurança da vacina a verificar a tolerância à substância. Na segunda, testes irão revelar as doses necessárias para assegurar a máxima proteção possível. A terceira e decisiva fase envolve a fabricação da vacina e sua venda no mercado. O objetivo de Hoffmann é estar com tudo pronto até 2015.

Malária no Brasil

No Brasil, o risco de contrair a doença é maior na Região Norte, especialmente no estado do Amazonas. Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2008 foram registrados cerca de 320 mil novos casos, 31% a menos do que o ano anterior.

As crianças de zero a novas anos são as mais atingidas pela doença. O tratamento é gratuito, e não há medicamentos contra a malária à venda nas farmácias.

22 abril 2010

SUCUPIRA É AQUI!

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

O palco foi armado com maestria. Tudo foi discutido a exaustão para que nada desse errado, pois no papel as possibilidades de sucesso eram enormes.

Mas mesmo assim deu tudo errado. O fracasso foi retumbante.

Esse foi o resultado de um dos maiores ‘golpes publicitários’ com fins meramente políticos que tinha como alvo a população do vale do Juruá.

No dia planejado estavam todos no aeroporto de Cruzeiro do Sul. Os mentores políticos à frente, sempre em posição de destaque. Alguns empresários locais também se fizeram notar. E é claro que não podiam faltar dezenas de populares arrebanhados por cabos eleitorais profissionais para 'abrilhantar' a festa.

Na hora prevista nada aconteceu. A ansiedade e o nervosismo tomaram conta do ambiente antes festivo.

Como o resultado da operação dependeria das matérias que os diferentes meios de comunicação 'convidados' a cobrir o evento iriam produzir, pouca coisa pode ser feita. Alguns profissionais midiáticos se conformaram e diante do fiasco, preferiram o silêncio ou noticiaram apenas que ‘problemas técnicos’ impediram a concretização do evento. Outros, com uma fé inabalável, escreveram a matéria como se tudo tivesse mesmo acontecido. Um diário da capital até publicou a nota.

E em que consistia o golpe?

Fazer um avião cargueiro transportar desde o aeroporto de Pucallpa, no Peru, várias toneladas de frutas e hortaliças até o aeroporto de Cruzeiro do Sul. Uma coisa banal e teoricamente simples de ser executada.

Entretanto, apesar da aparente banalidade, ‘o golpe’ tinha dois objetivos bem definidos.

O primeiro visava polir, lustrar, endeusar [ou coisa similar] a imagem do virtual candidato ao Senado pela Frente Popular, o Deputado Estadual Edvaldo Magalhães (PC do B), que seria apresentado como o mentor da iniciativa.

Se tivesse dado certo, seguramente ele seria carregado pelo 'público' presente e depois, para mostrar sua generosidade, provavelmente iria distribuir tomates, batatas, cebolas, laranjas e tangerinas pelas ruas da cidade.

O segundo objetivo, com conseqüências muito mais sérias, era vender a idéia para a população da região de que a estrada entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa é a única solução para resolver os problemas de abastecimento, especialmente de frutas e verduras, que atingem a região durante o período das chuvas.

Alguns de vocês devem estar se perguntando:

- Mas onde reside o tal 'golpe' considerando que um simbólico vôo cargueiro entre Pucallpa e Cruzeiro do Sul parece ser algo absolutamente normal?

O golpe residia em fazer o avião ser carregado em Pucallpa com produtos que os produtores rurais da cidade e do entorno não produzem.

Em outras palavras: as batatas, cebolas, cenouras, tomates, laranjas e outras hortaliças e frutas trazidas 'diretamente' de Pucallpa, na verdade são produzidas em outras regiões do Peru.

Portanto, se algum dia algum intercâmbio econômico for estabelecido com o Peru, seguramente produtos hortifrutigranjeiros não serão adquiridos em Pucallpa, mas em outras cidades daquele país, mais precisamente nos locais onde os mesmos são produzidos. Não acredito que comerciantes do Acre vão sustentar negócios de atravessadores instalados em Pucallpa.

Como no Acre pouco se sabe da realidade econômica de Pucallpa, o que se produz e de que vivem as pessoas por lá, seria fácil para os políticos interessados em ganhar votos nas próximas eleições ‘vender’ para a população do vale do Juruá, via publicação de matérias fantasiosas na imprensa amordaçada local, a idéia de que os produtos que seriam trazidos no malfadado vôo cargueiro 'tinham vindo de Pucallpa'.

Sem dúvida, um golpe genial. De um lado se venderia a idéia da construção de uma estrada cujas justificativas técnicas, econômicas e ambientais ainda não foram comprovadas, e de outro se reforçaria a campanha para eleger Edvaldo Magalhães ao Senado. E ele vai mesmo precisar de qualquer tipo de apoio visto que é unânime, nos comentários em off, ser ele o mais fraco dentre os nomes que se colocam para a disputa.

O que pensar disso tudo? Tirem as conclusões que quiserem, mas para mim ficou a nítida impressão de o Acre ainda continua a terra das 'oportunidades', uma espécie de Sucupira do século XXI.

Duvidam?

Nas eleições desse ano o terrível Zamir Teixeira, calcado nas antigas promessas de construção de uma ferrovia e uma fábrica de caminhões para o povo acreano, parece que vai emplacar uma vaga de suplente de Senador. De novo.

Tem algo mais sucupirano?

Talvez. Que tal um candidato distribuindo cebolas e tomates nas ruas de Cruzeiro do Sul?

OBS: Agora que sua candidatura está praticamente sacramentada - e a eleição garantida pela figura de Jorge Viana -, não acredito que seja mais necessário o Edvaldo distribuir hortaliças pelas ruas da maior cidade do Juruá. Mas quando chegar em Brasília, o comunista, em gesto de eterno de agradecimento ao mentor/motor de sua eleição, deverá colocar em um canto de destaque no seu gabinete uma estátua/poster ou outro objeto similar de adoração ao Jorge Viana - tal qual um santuário -, para deixar claro a todos de que nunca será acusado de mal agradecido. Não dá para não dizer que tem algo sucupirano aqui também não é mesmo?

19 abril 2010

ESPERTEZA VEGETAL

Estudo realizado na Esalq-USP mostra que fenômeno da dormência tem papel importante na astuciosa estratégia de dispersão das plantas que possuem sementes miméticas, preservando-as da deterioração

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – Plantas como o mulungu (Erythrina velutina) – árvore nativa da Mata Atlântica – produzem sementes duras e coloridas muito utilizadas na fabricação de colares e pulseiras. Além de garantir o sucesso nas feiras de artesanato, as características das chamadas sementes miméticas fazem parte de uma complexa estratégia evolutiva de dispersão de sua espécie.

Um estudo realizado por pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP) demonstrou que o fenômeno de dormência tem um papel importante para o sucesso dessas estratégias de dispersão das sementes miméticas. O trabalho foi publicado na edição online e em breve aparecerá na versão impressa da revista Annals of Botany, uma das mais importantes da área.

O primeiro autor do estudo, Pedro Brancalion, concluiu em dezembro de 2009 seu doutorado na Esalq, com bolsa da FAPESP, sob orientação do professor Ricardo Ribeiro Rodrigues, do Departamento de Ciências Biológicas – coautor do trabalho e ex-coordenador do Programa Biota, da FAPESP. Os outros autores são Ana Novembre e Júlio Marcos Filho – ambos professores do Departamento de Produção Vegetal da Esalq.

De acordo com Brancalion, diversas espécies de plantas utilizam a estratégia de atrair animais para auxiliar na dispersão de suas sementes. Em geral, essas plantas possuem frutos carnosos, nutritivos e coloridos que estimulam o animal a comê-los. As sementes não são digeridas e acabam excretadas longe da planta mãe.

O grupo de plantas com sementes miméticas, no entanto, vale-se de uma espécie de “estelionato biológico”: elas produzem sementes coloridas que ludibriam o animal, atraindo-o sem, no entanto, oferecer nada de nutritivo.

“Essas plantas produzem apenas a semente, cuja dispersão é o que realmente lhes interessa e, com as cores, mimetizam a aparência do fruto. Elas aproveitam o serviço de dispersão oferecido pelo animal, mas não pagam por ele. E com isso economizam muito, pois a produção de frutos verdadeiros – sintetizando grande quantidade de lipídios, proteínas e açúcar – tem um preço muito elevado em termos de energia”, disse Brancalion à Agência FAPESP.

O “golpe” aplicado pelas plantas de sementes miméticas, no entanto, não é perfeito. Normalmente as aves – principais agentes de dispersão – percebem o engodo e, aos poucos, deixam de consumir as sementes miméticas.

“De forma geral, quem consome essas sementes são as aves jovens, que ainda não têm uma dieta muito especializada. Conforme ganham experiência de vida, percebem que não vale a pena comer aquelas sementes. Por conta disso, essas espécies de plantas têm taxa de remoção de sementes muito baixa”, explicou Brancalion, que atualmente é pesquisador do Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal da Esalq.

A solução para aumentar a chance de ser consumida por aves “inexperientes” é deixar as sementes miméticas expostas durante longo tempo. Essa é justamente uma das características marcantes de tais espécies. Segundo o pesquisador, há relatos de sementes que ficam presas às árvores por até três anos. O longo tempo compensa a baixa taxa de remoção.

“No entanto, com essa estratégia surge outro problema: a semente precisa se manter viva, na árvore, por um tempo longo demais. Sabemos que a maior parte dessas plantas vive em climas tropicais – em ambientes muito quentes e úmidos, onde as condições de deterioração são muito fortes”, disse o pesquisador.

Dois pontos intrigavam os cientistas, motivando a pesquisa: como essas sementes miméticas evitam a deterioração por fungos em tais condições de calor e umidade e como evitam a predação ficando expostas por tanto tempo à ação de larvas, insetos e roedores, por exemplo.

“Essas sementes têm altas concentrações de alcaloides, que as torna muito tóxicas, podendo até matar um ser humano. Com isso elas evitam uma eventual predação. Mas não se tinha conhecimento, até agora, de como essas espécies combatiam a deterioração fisiológica, provocada pelas condições do ambiente. Esse foi o foco do meu trabalho”, explicou Brancalion.

Dormência e exaptação

A principal hipótese levantada pelos pesquisadores da Esalq era que as sementes se protegem da deterioração fisiológica por meio da dormência física – um fenômeno bastante comum entre espécies arbóreas, caracterizado pelo atraso da germinação provocado pela dureza do tegumento da semente, que impede a absorção de água.

“O artigo veio preencher uma lacuna no conhecimento sobre a estratégia evolutiva dessas espécies. Investiguei se a dormência de sementes atua para essas espécies como uma vantagem adaptativa para que consigam de fato superar, vivas, todo esse período sem dispersão”, afirmou.

Os pesquisadores investigaram se a dormência era uma adaptação – quando uma determinada característica é criada por meio da seleção natural para um fim específico – ou uma exaptação, isto é, uma característica que surgiu a partir de uma adaptação determinada para uma finalidade, mas que acaba servindo também para outros fins.

“A dormência de sementes ocorre em varias espécies e seria muita pretensão dizer que as sementes miméticas criaram essa característica para superar a deterioração fisiológica. Se a característica já existia nesse gênero de plantas, deve ter surgido para outra finalidade, mas, nessas espécies, adquiriu essa função”, explicou.

Os pesquisadores submeteram, então, sementes miméticas com dormência e sem dormência, de cinco espécies, a condições de envelhecimento acelerado – um método padrão de testes com sementes. “Colocamos as sementes em atmosfera úmida a uma temperatura de 41 graus Celsius por seis dias, simulando uma situação altamente favorável à deterioração. Assim, testamos se a dormência de fato protegia da deterioração”, disse.

As sementes que se mantiveram íntegras, sem superar a dormência, germinaram normalmente depois do tratamento. Já as sementes desprovidas de dormência foram deterioradas, segundo Brancalion.

“Em seguida testamos a hipótese de que a dormência é uma exaptação. Para isso, utilizamos o gênero Erythrina , que tem espécies com sementes miméticas e outras com sementes marrons. Fizemos os mesmos tratamentos e vimos que, mesmo com a semente marrom, a dormência também ajudava a proteger da deterioração”, disse.

Comparando a filogenia das duas espécies, os pesquisadores verificaram que a espécie de semente marrom era mais basal – isto é, mais antiga em termos evolutivos. “Em certo ponto da evolução deve ter ocorrido uma mutação pontual que gerou as sementes coloridas. Isso deve ter trazido uma vantagem seletiva, aumentando a taxa de dispersão dessas espécies”, disse.

O artigo Dormancy as exaptation to protect mimetic seeds against deterioration before dispersal (doi:10.1093/aob/mcq068), de Pedro Brancalion e outros, pode ser lido por assinantes da Annals of Botany em http://aob.oxfordjournals.org/cgi/content/abstract/mcq068.

(Foto: Divulgação)

17 abril 2010

PROFETAS DA FLORESTA

Moisés Diniz
Deputado Estadual (PC do B)

Falar de uma religião é como interpretar a palavra de Deus, é como decifrar vontades divinas e dialogar com os anjos. Imagine falar de três. Por isso vou aqui falar dos homens, de carne e osso, na sua dor, nos dias de frio, fome, desejos, solidão, calor, sofrimento, na sua humanidade.

Mestres Irineu, Daniel e Gabriel, profetas da floresta, antes de tudo, eram homens, na sua beleza e na sua perversão, submetidos aos sofrimentos da carne, como nós, como qualquer um, como Buda, como Maomé, como Jesus.

Sim, como Jesus, fundador do Cristianismo. Na época do rei Herodes, o anjo Gabriel aparece a Maria na cidade de Nazaré, virgem e noiva de José, e anuncia que ela viria a conceber do Espírito Santo e que daria ao seu filho o nome de Jesus.

Jesus era um menino de prótons, neutros e elétrons. Uma criança constituída de átomos eternos, a brincar com os quasares como se fossem pedaços de gesso.

Homens de carne e osso, como Mestre Irineu, fundador do Centro de Iluminação Cristã Luz Universal - Alto Santo. Filho de ex-escravo, guerreiro das estradas de seringa, em Xapuri, Brasiléia, Sena Madureira, Rio Branco. Irineu Serra cortou seringa na terra de Chico Mendes.

Irineu Serra trabalhou com o Marechal Rondon. Se tivesse sido 15 anos antes, teria trabalhado com Euclides da Cunha, na definição dos limites entre Acre, Peru e Bolívia.

Mestre Irineu fez a sua passagem em 1971, nove anos depois de instalação da Assembléia Legislativa do Acre. Quantos receberam título de cidadão acreano, mas esqueceram do negro maranhense que fundou essa bela religião da floresta.

Homens submetidos à mortalidade, como Buda, fundador do Budismo, que nasceu no século VI aC., com o nome de Siddharta Gautama, filho do rei dos Sakias.

Foi assim que esse príncipe, aos vinte e nove anos, casado com a bela princesa Yasodhar, resolveu abandonar a casa no mesmo dia em que nasceu o seu filho Rahula, após ter concebido profundos pensamentos sobre a miséria humana.

Homens pecadores, como todos nós, como Mestre Daniel, fundador do Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz. Maranhense, foi construtor naval, cozinheiro, músico, barbeiro, alfaiate, carpinteiro, marceneiro, artesão, poeta, pedreiro, sapateiro e padeiro.

Vivei no bairro 6 de agosto e no Papôco, na beira do rio, zona de meretrício. Era um boêmio, bebia, fumava, escrevia canções de amor, dormia ao relento. Mestre Daniel era um profeta que estava nascendo dentro de um violão.

No poço das cobras Mestre Daniel recebeu a missão e em 1958 Mestre Daniel desencarnou.

Homens do seu tempo, como Maomé, fundador do Islamismo. Nascido em Meca, Maomé foi durante a primeira parte da sua vida um mercador. Tinha por hábito retirar-se para orar e meditar nos montes perto de Meca.

Os muçulmanos acreditam que em 610, quando Maomé tinha quarenta anos, enquanto realizava um desses retiros espirituais numa das cavernas do Monte Hira, foi visitado pelo anjo Gabriel que lhe ordenou que recitasse uns versos enviados por Deus, e comunicou que Deus o havia escolhido como o último profeta enviado à humanidade.

Maomé deu ouvidos à mensagem do anjo e, após sua morte, estes versos foram reunidos e integrados no Alcorão.

Homens comuns, mas especiais, como Mestre Gabriel, fundador da União do Vegetal. Baiano filho do povo, tem que abandonar todos os laços familiares, porque soube ser solidário com um amigo, contra a injustiça.

Vem pro Norte, passa por Rondônia e vem trabalhar na seringa como um brabo, enfrentando até esporada de arraia. Em 1946 conhece sua amada, Mestre Pequenina e em 1961 Mestre Gabriel, soldado da borracha, funda a UDV no Acre. Em 1971 Mestre Gabriel fez a sua passagem, nove anos depois da instalação da Assembléia Legislativa do Acre.

Homens que fundaram uma religião. São como saliva de Deus, seus olhos mortais, seus ouvidos, compatriotas dos anjos, na pátria da eternidade e do sonho humano de viver sem dores.

Jesus, Irineu, Buda, Daniel, Maomé, Gabriel. Homens comuns que ultrapassaram o seu tempo, se fizeram maiores do que os obstáculos e todas as misérias humanas.

Capazes de vencer a dor, os vícios, as indecências, as fraquezas humanas. Homens que se fizeram próximos dos anjos. Homens que, aqui na Amazônia do Brasil fundaram uma religião e fizeram homens e mulheres se tornarem melhores, mais fraternos, mais irmãos.

Gabriel, Irineu e Daniel ficaram próximos das dores humanas, sentiram o odor da carne e todos os seus incensos, provaram do vinho profano e abriram suas almas para as aventuras da mortalidade, apalparam a pele áspera das árvores, dos cipoais e a pele macia das mulheres amazônicas, suportaram o calor do sol e o frio das madrugadas, a sede e a fome, as doenças da época, os desejos de adolescente e os sonhos de adulto.

As mães de Gabriel, Irineu e Daniel sangraram no parto e os três Mestres nasceram cobertos de sangue como toda criança, um instrumento rústico cortante separou os seus umbigos do corpo e uma palmada carinhosa arrancou-lhe o primeiro soluço de choro.

A comida que eles consumiam se decompunha no estômago e ele precisava se desfazer delas, urinar, limpar-se, se vestir. Os Mestres Gabriel, Irineu e Daniel eram humanos como todo e qualquer homem da Terra e seus desejos seguiam a lógica da mortalidade. Eles eram homens, com todas as necessidades que acompanham a nossa espécie desde os primórdios.

Gabriel, Irineu e Daniel eram mortais, dotados de todas as habilidades humanas e perseguidos, como pássaros feridos, por todas as serpentes que infernizam os homens, especialmente aqueles que sobrevivem do trabalho de suas próprias mãos e, como herança do Éden perdido, comem do suor do próprio rosto.

Nossa homenagem a esses homens, que apesar de toda montanha da mortalidade sobre os seus dias, foram capazes de se tornarem anjos.

Nossa reverência aos queridos Mestres Gabriel, Irineu e Daniel.

Nota: discurso que proferimos na sessão especial da Assembléia Legislativa do Acre, proposta por nós, em homenagem aos mestres fundadores das religiões que têm a ayahuasca como sacramento.

16 abril 2010

NOVO IOGURTE PREVINE CÂNCER E DOENÇAS CORONÁRIAS

Por Nilbberth Silva - nilbberth.silva@usp.br
Agência USP de Notícias

Pesquisadores da USP conseguiram produzir um iogurte que previne doenças coronárias, câncer de intestino e cólon, além de diminuir os níveis de colesterol ruim (LDL), prisão de ventre e intolerância à lactose. A bebida previne as doenças porque agrega, além de bactérias típicas de iogurtes, três microorganismos que fazem bem a saúde.

A bebida ainda precisa ser patenteada e não começou a ser fabricada. Ela tem textura e sabor parecidos com o do iogurte comum, necessita dos mesmos cuidados de armazenagem e custa 30% mais caro. Feito com leite desnatado, também é light e fonte de fibras.

“Não existe no mercado um leite fermentado com um coquetel de benefícios tão grandes”, afirma o engenheiro agrônomo Ricardo Pinheiro, que desenvolveu o iogurte durante o seu duplo doutorado, feito na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP e na Universidade de Gênova (Itália).

Iogurtes têm naturalmente as bactérias Streptococcus thermophilus e Lactobacillus bulgaricus, que, juntas, auxiliam quem tem prisão de ventre. Algumas bebidas têm, além dessas, até duas bactérias que, quando administradas vivas e em quantidade adequada, conferem saúde as pessoas (probióticas). O alimento produzido pela USP possui três bactérias probióticas além das comuns a todos iogurtes. Quando elas chegam ao intestino, tomam o espaço e alimento dos microorganismos indesejáveis que lá habitam e os eliminam.

Metabolismo complicado

Para a bebida fazer efeito, é necessário que todos as bactérias cheguem vivas ao intestino – e em uma concentração de 10 a 100 milhões de colônias de organismos por mililitro (ml) de produto. Por isso, a maior dificuldade em fabricar o iogurte foi conseguir que, em um período de 35 dias, as bactérias não matassem umas às outras ao acidificar a bebida e competir por alimento.

“Manter a quantidade apropriada de bactérias é difícil”, diz Pinheiro. “O metabolismo de uma bactéria pode prejudicar outra. As do gênero Bifidobacterium, por exemplo, produzem ácido acético, fatal para os lactobacilos.”

Para contornar essas dificuldades, Pinheiro estudou quais nutrientes cada bactéria necessitava e os produtos que excretava quando estavam sozinhas e em conjunto no leite. Concluiu que a melhor solução era adicionar ao iogurte um açúcar chamado inulina, que é fonte de alimento para as bactérias e impede que algumas “morram de fome”. Outras soluções foram colocar na bebida quantidades maiores dos microorganismos mais frágeis e envolvê-los com uma goma que os impedia de serem danificadas pelo metabolismo dos outros.

Segundo o pesquisador, o resultado agrada. “O produto é funcional e bastante aceitável ao paladar. Ele é mais caro, porém o benefício que traz é maior.”

UM NOVO SUPERCOMPUTADOR PARA PREVISÃO DE CLIMA NO BRASIL

Concluída licitação para compra de supercomputador que incluirá o Brasil na lista dos países mais bem equipados para modelagem climática. Aquisição tem apoio da FAPESP. Preço do supercomputador foi de R$ 31,3 milhões.

Modelagem brasileira

Por Alex Sander Alcântara

Agência FAPESP – O Brasil deu um passo fundamental para se tornar um agente central na elaboração do próximo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). O motivo é que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) concluiu o processo de licitação para a compra de um supercomputador que será usado em previsões meteorológicas e estudos sobre mudanças climáticas.

O supercomputador, que deverá estar em funcionamento até o fim do ano, colocará o país entre os primeiros do mundo em aplicações de modelagem climática. O anúncio foi feito nesta segunda-feira (12/4), pelo ministro de Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, na presença do pelo diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, durante a Conferência Paulista de C&T&I, realizada na sede da Fundação.

Segundo o ministro, a compra do supercomputador permitirá ao país dar um salto tecnológico significativo em termos de serviços meteorológicos. "Sem dúvida, é parte importante do esforço que o país realiza na superação de problemas ligados ao monitoramento e às previsões meteorológicas. Nesse sentido, a parceria com a FAPESP foi fundamental para ajudar a responder a esse e outros desafios da ciência brasileira nessa área", destacou Rezende.

“Quando recebemos o supercomputador anterior chegamos ao 25º lugar no mundo em estudos climáticos e previsões de tempo. Quando o novo estiver plenamente operacional, ficaremos entre os três ou quatro no cenário mundial”, disse Carlos Nobre, pesquisador do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Inpe e coordenador executivo do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais.

Segundo Nobre, esse é o quarto computador comprado pelo Inpe com essa finalidade – o anterior foi adquirido em 2003 – e a cada quatro ou cinco anos as máquinas precisam ser renovadas.

A empresa norte-americana Cray ganhou a concorrência, com um supercomputador com 1.272 nós, cada um com dois processadores de 2 GHz e velocidade máxima de 192 gigaflops (bilhões de operações de ponto flutuante) por segundo. Além da Cray, a japonesa NEC apresentou proposta.

O desempenho teórico máximo do novo supercomputador do Inpe é de 244 teraflops (trilhões de operações) por segundo, e o desempenho efetivo no benchmark do CPTEC foi de 15,8 teraflops.

“Ele tem cerca de 30 mil processadores instalados, o que seria equivalente a dezenas de sistemas de grande porte que o CPTEC tem instalado atualmente”, disse Nobre.

O valor total do investimento é de cerca de R$ 50 milhões, sendo que o Ministério da Ciência e Tecnologia entrará com R$ 35 milhões, por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), e R$ 15 milhões serão provenientes da FAPESP. O preço do sistema da Cray ficou em R$ 31,3 milhões e o restante será usado na infraestrutura, suporte e atualização dos equipamentos.

O preço do supercomputador foi um dos pontos destacados pelo ministro. “A proposta da Cray foi mais interessante que a da NEC, que pediu cerca de R$ 50 milhões. A máquina oferecida pela empresa vencedora tem velocidade três vezes maior do que a outra e apresenta menor consumo de energia”, disse.

Previsões a cada hora

Nobre ressalta que a capacidade de previsão do tempo existente hoje no Brasil é boa e, ao lado da China, é a melhor entre os países em desenvolvimento. “Mas, com essa nova máquina, muda a resolução das imagens projetadas, o tempo para apuração dos dados e, principalmente, a precisão das informações”, destacou.

Segundo ele, com o modelo atual as previsões são feitas, em média, com três dias de antecedência. “Por dia, são feitas duas previsões. Para analisar todas as situações de códigos gerados, demoramos dois dias em média para concluir as análises. Com o novo sistema, vamos conseguir gerar previsões com resolução muito melhor em uma hora. Ou seja, teremos condições de fazer previsões a cada hora, diariamente”, disse.

Segundo Nobre, melhor resuloção significa que será possível prever e modelar muito melhor a quantidade de chuva que poderá cair em determinadas regiões. “Com o sistema atual, é possível ver a média do volume de chuva por áreas, mas não se vai chover dez vezes mais a 10 quilômetros do ponto analisado, por exemplo”, explicou.

Outro destaque é que o Brasil será capaz de projetar cenários com modelos globais. Segundo Nobre, até então o Inpe projetava esses cenários de forma limitada, utilizando modelos regionais.

O grande obstáculo para o país fazer parte do seleto grupo do IPCC, segundo Nobre, era computacional. “Já temos uma comunidade científica que tem condição de desenvolver o modelo matemático necessário”, afirmou.

Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, destacou que boa parte da discussão sobre mudanças climáticas globais está pautada em resultados científicos recentes. “Quem está mais à frente da ciência está em melhor situação no debate mundial sobre os efeitos dessas mudanças e precisamos pôr o Brasil em uma posição mais favorável nessa discussão”, disse.

Brito destacou que parte do Programa FAPESP de Mudanças Climáticas Globais consiste no desenvolvimento de um modelo climático global.

“Isso é muito relevante, porque para fazer pesquisa competitiva em assuntos relacionados com mudanças climáticas ajuda muito se tivermos capacidade de rodar modelos próprios, que olhem melhor para a Amazônia e para o Atlântico Sul, por exemplo”, disse.

Concluída a licitação, agora a Cray tem seis meses para entregar o supercomputador. O próximo passo será montar a estrutura de energia elétrica. A previsão é que até o fim do ano o sistema esteja funcionando. “Em dois anos, deveremos iniciar os testes das primeiras versões do modelo brasileiro para a previsão climática global”, disse Nobre.

(Foto: Cray)

A MÍDIA ACREANA E A QUESTÃO INDÍGENA (1977-1981)

...Quanto às populações indígenas, os editoriais do jornal 'O Rio Branco' quase não as mencionam, e as vezes que o fizeram referência, reproduziram a idéia dominante de que o índio é um “mal inevitável”, mas superável e de que o destino do índio é a “civilização” ou o extermínio...Para 'Varadouro', entretanto, a questão ambiental sempre esteve relacionada à luta pela terra, pois ao assumir sua linha editorial pela defesa do índio e do seringueiro, o jornal privilegiava também a defesa da floresta amazônica

A Amazônia e a questão indígena: duelos no discurso da mídia escrita acreana (1977-1981).

Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio¹
Olinda Batista Assmar²

Introdução

A imprensa é valioso material de pesquisa. Ela participa, produz e veicula representações da realidade, registra, comenta e acompanha o percurso dos homens através da história, sendo alvo dos interesses dos grupos de poder, que a adulam, vigiam e/ou controlam. Por seu poder de irradiação, a imprensa, durante a Ditadura Militar, sofreu várias investidas dos líderes militares do regime, tanto para endossar seu projeto de homogeneização de idéias, quanto para silenciar as vozes dissonantes que resistiam ao processo de cerceamento de liberdades imposto pelo regime.

Mais de 40 anos se passaram desde que surgiu no cenário nacional o regime ditatorial, entretanto, a análise das relações entre imprensa e poder neste período ainda constitui uma lacuna nos estudos sobre a sociedade acreana. Buscamos, portanto, contribuir para o aprofundamento dos estudos referentes às interfaces do regime ditatorial instaurado no Acre, investigando suas especificidades no contexto da história nacional.

A escolha do editorial como corpus constitutivo da pesquisa deve-se ao fato de esta tipologia jornalística expressar a linha de conduta do jornal, atuando como forma de reescrita da história, sendo permeados por uma série de imagens, de símbolos, que podem ser percebidos pelas suas próprias estratégias persuasivas utilizadas pelos donos do poder para dominar o imaginário social.

O fato de representar interesses antagônicos torna o editorial um discurso jornalístico de dupla competência, que mascara e desmascara, defendendo os interesses do jornal, ao mesmo tempo em que se arvora como porta-voz dos anseios dos grupos sociais. A opinião do editor atua como representação do grupo mantenedor da empresa jornal, trazendo o julgamento do grupo de elite do jornal sobre os problemas que o editorial aborda.

Investigar o imaginário sobre a Amazônia e a questão indígena, construído a partir do discurso da mídia acreana durante a Ditadura Militar, constitui-se, portanto, no objetivo traçado através do presente estudo. Para tanto, partiu-se da análise comparativa de editoriais dos jornais O Rio Branco e Varadouro, os quais tiveram circulação concomitante no período de 1977 a 1981. A escolha de se trabalhar com estes dois periódicos se deu pela distinção entre suas linhas editoriais: em O Rio Branco predomina o discurso de defesa do poder oficial e Varadouro segue uma linha alternativa. O foco buscado nesse estudo, pois, foi identificar que imagens esses dois jornais constroem sobre a Amazônia e a questão indígena e como a imprensa busca, através dessas imagens, estabelecer uma ordem, uma organização nos elementos que compõem o real na sociedade riobranquense do período em questão.

Durante as décadas de 1970 e 1980, as políticas públicas definidas pelos militares para a Amazônia estavam pautadas na incorporação dessa imensa faixa de terras ao conjunto da economia nacional, habilitando-a à exploração do capital forâneo. Entretanto, as estratégias para a “integração da Amazônia” foram fadadas ao insucesso, tendo em vista que apenas a ligação espacial não é suficiente para inserir a região na macro-economia da acumulação capitalista. A Amazônia e as diversas tribos indígenas que a habitavam no período da Ditadura Militar foram alvo de um intenso processo de legitimação do discurso capitalista. O poder ditatorial não apenas objetivava integrar o Brasil espacialmente, mas também ideologicamente. Para tanto, lançaram mão de um arquitetado sistema de dominação ideológica que teve nos meios de comunicação de massa grandes aliados para sua propagação.

Material e Métodos

Essa investigação foi realizada em duas etapas: a primeira refere-se à pesquisa bibliográfica, baseando-se no pensamento Michel Foucault, acerca do discurso como espaço atravessado pelas relações de poder. Para a análise dos editoriais foi estabelecido o diálogo com o pensamento de Stuart Hall e suas discussões sobre a identidade. A discussão sobre o imaginário apóia-se no pensamento de Bronislaw Backzo, discutindo de maneira mais específica o imaginário amazônico a partir das concepções de João de Jesus Paes Loureiro.

A segunda etapa do estudo corresponde à pesquisa de campo, realizada através da visita aos acervos do C.D.I.H. da UFAC e do Museu da Borracha. O corpus da pesquisa compõe-se de editoriais pertencentes aos jornais mencionados, os quais foram analisados tendo como foco as imagens construídas pela imprensa sobre a Amazônia e a questão indígena. Para a análise dos editoriais utilizou-se o método de abordagem hipotético-dedutivo, associado ao método histórico, aliado às ciências afins. Para a conjugação e precisão de dados sobre o imaginário riobranquense foi utilizado o método de procedimento analítico-comparativo, contrapondo as posturas ideológicas dos editoriais às leituras teóricas.

A análise dos editoriais foi realizada segundo o método de abordagem hipotético-dedutivo, aliado às ciências afins para a conjugação e precisão de dados sobre o imaginário riobranquense. Como método de procedimento, definimos o método histórico, pois partimos do princípio de que as atuais formas de vida social, as instituições e os costumes têm origem no passado, sendo relevante pesquisar suas raízes, para compreender sua natureza e função (LAKATOS; MARCONI, 1988).

Como fonte de pesquisa complementar utilizou-se o acervo contido no banco de dados do Projeto “Amazônia: os vários olhares”, Arquivo Geral do Estado, C.D.I.H. da UFAC, Museu da Borracha e Biblioteca Pública Estadual, além de livros que contêm, ainda que parcialmente, informações relevantes, bem como obras de referência histórica sobre a Amazônia e Acre, escrita por autores como: Tocantins (2001), Oliveira (1982), e Becker (1998).

No que concerne à seleção e organização do material para análise, o corpus deste trabalho foi estudado à luz dos postulados teóricos da Análise do Discurso, tendo como base o pensamento de Michel Foucault acerca do discurso e das relações de poder. A análise foi direcionada segundo uma linha metodológica qualitativa de avaliação, abordando a constitutividade dos processos e estratégias discursivas circunscritos na concepção teórica da Análise do Discurso.

O critério utilizado para a escolha dos editoriais analisados foi a amostragem, através da qual foi realizado o levantamento acerca da representação, postura, investigação e a classificação dos editoriais, tendo como base os fundamentos teóricos da Análise do Discurso.

Após a análise das temáticas mais recorrentes, procedeu-se a uma análise contrastiva entre os textos dos dois jornais pesquisados que enfocavam os mesmos assuntos, buscando observar como se posicionavam frente aos fatos que noticiavam e como as relações de poder interferiam na construção do discurso. O contraste de editoriais de Varadouro e O Rio Branco possibilitou perceber quais as estratégias discursivas utilizadas na produção dos editoriais. Além disso, convém lembrar que o foco dos textos escolhidos para análise foi selecionar aqueles editoriais que enfatizaram as experiências dos sujeitos sociais que atuaram no processo histórico pelo qual passou o Acre no contexto da passagem da década de 1970 para a década de 1980.

A partir da análise dos editoriais, buscou-se desvelar como as imagens da Amazônia e dos índios foram construídas nos editoriais dos jornais pesquisados e como esses textos articulavam as relações de poder durante a Ditadura Militar e qual influência desses textos na sociedade de hoje, tendo em vista que as instituições alcançaram sua forma atual através de alterações de suas partes constitutivas, ao longo do tempo, influenciadas pelo contexto cultural particular de cada época.

Resultados e Discussão

O imaginário sobre a Amazônia e a questão indígena, construído a partir do discurso da mídia acreana durante a Ditadura Militar, é regido pela idéia de domesticação da natureza. A construção do imaginário sobre a Amazônia através dos jornais O Rio Branco e Varadouro se faz sobre aquela imagem arquitetada desde as primeiras décadas do século XX, baseada na dicotomia paraíso/inferno. As populações indígenas, por serem consideradas elementos constituintes dessa natureza, também tiveram suas imagens construídas baseando-se na oposição barbárie/civilização.

De acordo com Paes Loureiro (1995: 97), ao longo dos primeiros séculos do processo de desenvolvimento brasileiro, bem como até a de 1970, a Amazônia permaneceu como a imagem de um lugar remoto, desconhecido e impenetrável. Devido suas condições geográficas e a dificuldade de acesso, a região foi se constituindo um segredo e um lugar envolvido por mistérios e uma atmosfera lúdica.

A velocidade das mudanças nas elaborações imaginárias acerca da Amazônia acentuou-se no período militar, principalmente através da propaganda de ocupação. A partir de uma série de imagens veiculadas na mídia, conceitos como “vazio demográfico” e “terras sem homens” ocuparam o imaginário coletivo, estabelecendo estreitas relações entre as metas de ocupação dos militares e os desejos das populações rurais.

O ideário de incorporação dessa imensa faixa de terras ao conjunto da economia nacional movimentou os interesses de investidores do Brasil e exterior, sendo estimulados através da disponibilização por parte do governo federal de crédito rápido e fácil nos estabelecimentos bancários públicos, bem como uma série de incentivos fiscais, objetivando promover o deslocamento de migrantes, capitalistas nacionais e estrangeiros, dispostos a contribuir com o projeto de ocupação fomentado na Amazônia.

O retorno à imagem da Amazônia como um “Eldorado” ou como “paraíso” utilizado pela imprensa escrita serviu, diante do isolamento em relação às demais regiões brasileiras, como a alternativa encontrada pelos governantes do período da Ditadura, para propagar a imagem de uma região paradisíaca e propiciadora de vantagens econômicas.

Enquanto em O Rio Branco o discurso sobre a defesa da Amazônia apresenta-se velado, em Varadouro ele aparece declarado. Nos editoriais do jornal Varadouro, a questão ambiental sempre esteve relacionada à luta pela terra, pois ao assumir sua linha editorial pela defesa do índio e do seringueiro, o jornal privilegiava também a defesa da floresta amazônica.

O discurso ambientalista, a partir do qual a Amazônia é definida como reserva ecológica mundial e grande “pulmão do mundo” ganhou fôlego na década de 1970. Os meios de comunicação, desde essa época investiram na veiculação de um discurso pautado de defesa da natureza amazônica frente à destruição das riquezas da fauna e flora e da necessidade de sua preservação.

Se o imaginário projetado pelos jornais sobre a Amazônia aponta para um intricado jogo de interesses, as imagens dos índios na mídia também trazem as marcas do ideário de desenvolvimento do país traçado pelos governos militares. A ênfase do discurso dos jornais O Rio Branco e Varadouro quando tratam da Amazônia recai sobre o perigo de destruição das florestas e a necessidade de sua preservação. Ao tratar da questão indígena, entretanto, notamos ora a imagem do índio como empecilho ao avanço do progresso ora como sujeito atuante no processo de transformação pelo qual passava o Acre nas décadas de 1970 e 1980.

O jornal Varadouro dedicou atenção especial à temática indígena, enfatizando o processo de expulsão dos índios de suas terras com a chegada dos fazendeiros sulistas. Este fato ocasionou uma mudança muito grande na estrutura populacional do Estado. Os seringueiros e índios, expulsos de suas terras foram obrigados a se dirigirem à zona urbana, principalmente à cidade de Rio Branco, ocasionando o surgimento de várias “ocupações” na capital, que, posteriormente, constituiriam os bairros periféricos. Alguns índios se mudaram para outras áreas; outros, porém, permaneceram nas fazendas, tornando-se “peões”.

A chegada dos “paulistas” e a “demarcação” das fronteiras ocasionaram um processo de readequação das populações indígenas em sua relação com a terra. Tanto seringueiros como índios e seringalistas tinham uma relação de posseiros com a terra, com a regulamentação das posses, os primeiros foram obrigados a emigrar por não disporem de condições econômicas para comprar a área em que viviam durante vários anos.

Os discursos dos jornais Varadouro e O Rio Branco estão permeados de representações das imagens dos atores envolvidos no processo de chegada dos investidores do Centro-Sul do país e a instauração da era da pecuária no Acre, sendo os principais sujeitos envolvidos nas tramas discursivas os “carius”, os “caboclos”, os “seringueiros” e os “paulistas”. Os jornais esboçam várias categorias identitárias e posicionamentos dos sujeitos discursivos acerca do Outro.

De acordo com Valle (1977:112) as identidades “cariu” e “cabocla” só podem ser definidas mutuamente, pois representam termos complementares quanto à significação. O termo “cariu” refere-se a todos os brasileiros que mantinham vínculo com a extração da borracha e o termo “caboclo” é usado para designar, indiscriminadamente todos os indígenas.

O caboclo, identidade imposta pelo branco aos grupos indígenas que trabalham na extração da borracha, se distingue do “brabo” - o índio “selvagem” com traços animalescos. O “caboclo” acreano é caracterizado por um conjunto de atributos negativos, tais como ladrão, preguiçoso, vagabundo, irresponsável e traidor, que marcam sua inferioridade em relação ao branco (VALLE, 1977, p. 116).

Mesmo “civilizados” ou “amansados”, através da imagem do “caboclo”, os índios continuam considerados como representantes de uma sub-humanidade. Nos seringais, muitas populações indígenas sobreviventes partilharam um destino funesto com os seringueiros nordestinos, seus inimigos históricos. Na condição de mão de obra servil no sistema escravista e paternalista da borracha, os índios acreanos reprimiram durante décadas sua identidade étnica e continuaram sofrendo os preconceitos da sociedade envolvente.

Diante das representações acerca do índio e da Amazônia produzidas pelo discurso midiático, é interessante notar que os meios de comunicação conectam vários sujeitos ao construir uma cadeia de códigos compartilhados e reconhecidos que são constitutivos das representações sociais. Por isso, o conteúdo discursivo veiculado pela mídia constitui uma importante fonte de pesquisa.

Conclusões

A produção discursiva dos jornais que circularam em rio Branco durante a Ditadura Militar acerca da Amazônia demonstrava a intenção dos grupos dominantes de promover a legitimação do modelo de desenvolvimento elaborado pelos militares para a região. Quanto às populações indígenas, os editoriais do jornal O Rio Branco quase não as mencionam, e as vezes que o fizeram referência, reproduziram a idéia dominante de que o índio é um “mal inevitável”, mas superável e de que o destino do índio é a “civilização” ou o extermínio. Ao veicular notícias informativas sobre os índios, esse periódico contribuiu para a afirmação da dicotomia entre o índio “civilizado” ou “manso” e o índio “brabo”. Para Varadouro, entretanto, a questão ambiental sempre esteve relacionada à luta pela terra, pois ao assumir sua linha editorial pela defesa do índio e do seringueiro, o jornal privilegiava também a defesa da floresta amazônica. Diante disso, no Acre, os jornais O Rio Branco e Varadouro desempenharam importante papel na construção dessas imagens, atuando ora questionando ora reiterando o discurso produzido em tempos passados sobre a região e a população indígena.

Agradecimentos: a Deus, pela presença e auxílio constantes, aos servidores do Museu da Borracha, CDIH da UFAC e Memorial dos Autonomistas, que tão prestativamente nos atenderam, a nossos familiares.

Referências Bibliográficas

BACKZO, Bronislaw. Imaginação Social. In: Enciclopédia Einaudi, V. 5. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, Editora Portuguesa, 1985.
FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
__________. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 2002.
__________.Microfísica do Poder. Org. e trad. de Roberto Machado. 18 ed. Rio de Janeiro: Graal, 2003.
__________. A Ordem do Discurso. São Paulo: Loyola, 1998.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade; tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro – 9. ed. – Rio de Janeiro: DP7A, 2004.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do trabalho científico. 4 ed. São Paulo. Atlas, 1998.
LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cultura Amazônica: uma poética do imaginário. Belém: CEJUP. 1995.
TOCANTINS, Leandro. Formação Histórica do Acre. v. II. 4 ed. Brasília: Senado Federal, 2001.
VALLE DE AQUINO, Terri. Kaxinawá: de seringueiros "caboclos" a "peão" acreano, Dissertação de Mestrado em Antropologia, Universidade de Brasília, 1977.

----------------------------------------
¹ Mestranda em Letras – Linguagem e Identidade/UFAC; Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Sobre Terras e Gentes: Amazônia em foco; e-mail: iracildabonifacio@yahoo.com.br

²Profª do Departamento de Letras e do Mestrado em Letras – Linguagem e Identidade; Líder do Grupo de Pesquisa Amazônia: os vários olhares; e-mail: assmaro@ibest.com.br

Foto: Editada a partir de material disponível na Agência de notícias do Acre - clique aqui para ver a foto original