NO BRASIL, O ESTADO DO ACRE MEDE O "BEM-ESTAR SUSTENTÁVEL"
Laurence Caramel
Le Monde
Fazendo uma simples leitura das estatísticas, não parece ser bom viver no Estado do Acre, no Brasil, pequeno território da Amazônia. Ele mostra resultados fracos em matéria de desenvolvimento humano, levando em consideração o indicador da ONU, calculado desde 1990, e que avalia, além da riqueza material (PIB per capita), o acesso da população aos serviços de saúde e educação.
No entanto, os habitantes dessa região florestal não são mais desprivilegiados do que os excluídos das favelas do Rio de Janeiro ou de São Paulo. Pelo contrário. Mas o essencial de suas atividades foge da contabilidade nacional que, da megalópole à aldeia amazonense, utiliza os mesmos critérios para avaliar o bem-estar de uma sociedade. Matéria de Laurence Caramel, do Le Monde.
“Imagine que a floresta constitui o supermercado onde fazemos nossas compras essenciais, mas isso não aparece em nenhum lugar, pois há poucas trocas monetárias. Resumindo, é fácil concluir que nós somos subnutridos”, explica Carlos Duarte, secretário de Estado do Acre na floresta. É tão simplista acreditar que os cidadãos do Acre não têm cuidados médicos, uma vez que o acesso às infraestruturas modernas de saúde é menos fácil que nas grandes cidades; ou que têm situação precária de moradia, raramente dispondo de um “habitat adequado” que, segundo as estatísticas nacionais, deve ser construído em pedra ou em tijolo, comportar dois cômodos e ser cercado de uma calçada pavimentada. Na verdade, os cuidados são muitas vezes garantidos por uma medicina tradicional que extrai seus remédios das plantas, e os caboclos vivem em casas de madeira construídas sobre palafitas, mais bem adaptadas ao clima do que cubos de concreto.
No início do século 20, graças ao boom da borracha, o Acre era uma região rica, a ponto de fornecer quase um terço do PIB brasileiro. A concorrência asiática pôs um fim a essa epopeia há muito tempo. No entanto, as lideranças da região continuam a pensar que sua floresta merece ser preservada e que ela traz mais benefícios quando está “em pé” do que quando entregue à exploração industrial, ou transformada em pasto ou campos de soja.
Essa ideia, hoje defendida pelo governador Binho Marques, do Partido dos Trabalhadores, retoma o velho combate dos seringueiros. Faltava uma demonstração. O Acre se voltou, então, para os economistas, para que eles elaborassem um novo indicador de riqueza: o indicador de “bem-estar sustentável”.
“Nós elaboramos um indicador de desenvolvimento humano, integrando a ele uma dimensão ambiental”, explica o coordenador do projeto André Abreu, da fundação France Libertés. Foram levadas em conta a qualidade dos solos, reservas de água, preservação da biodiversidade, emissões de CO2 etc., ao lado de critérios mais tradicionais: renda, saúde, educação, moradia. Esse trabalho, realizado pelo economista Jean Gadrey e uma equipe de pesquisadores da universidade de Lille, acaba de ser concluído. Resta fazer com que ele seja validado pela população: “Vamos consultar diferentes grupos sociais para ter certeza de que nosso indicador reflete sua concepção de bem-estar”, diz Abreu.
Paralelamente, o governo procurou valorizar mais a produção ligada à floresta para melhorar a renda da população. “Há alguns anos um hectare valia US$20, quando a mesma superfície plantada com soja poderia render US$ 600. A esse preço, era muito difícil lutar contra o desmatamento”, constata Duarte.
“Hoje, graças aos setores comerciais consolidados em torno do látex, das frutas, das plantas e essências para cosméticos ou farmacologia, um hectare pode render ao pequeno produtor, que vive do extrativismo, quase US$ 300 por ano. E essa renda é perene, pois a exploração respeita a renovação dos recursos”, garante o ex-engenheiro florestal.
Em uma Amazônia cada vez mais corroída pelo avanço das grandes explorações agrícolas, a floresta deve sua sobrevivência à população que a habita. “Abrir nossa região ao agronegócio resultaria em graves conflitos sociais”, reconhece Duarte. Os fracassos de outras regiões brasileiras acabaram convencendo que seria preciso persistir nesse caminho. O Estado da Bahia se lançou às plantações de eucaliptos para alimentar a indústria da polpa de celulose. Quinze anos mais tarde, os solos estão arruinados, os lençóis freáticos, esgotados, e a maior parte das empresas se foi. A ilusão da riqueza teve curta duração. As autoridades aprenderam a lição. Agora elas refletem sobre outra medida de riqueza.
Tradução: Lana Lim
*Republicado a partir do Ecodebate
*Ilustração: site Agência de Notícias do Acre
Le Monde
Fazendo uma simples leitura das estatísticas, não parece ser bom viver no Estado do Acre, no Brasil, pequeno território da Amazônia. Ele mostra resultados fracos em matéria de desenvolvimento humano, levando em consideração o indicador da ONU, calculado desde 1990, e que avalia, além da riqueza material (PIB per capita), o acesso da população aos serviços de saúde e educação.
No entanto, os habitantes dessa região florestal não são mais desprivilegiados do que os excluídos das favelas do Rio de Janeiro ou de São Paulo. Pelo contrário. Mas o essencial de suas atividades foge da contabilidade nacional que, da megalópole à aldeia amazonense, utiliza os mesmos critérios para avaliar o bem-estar de uma sociedade. Matéria de Laurence Caramel, do Le Monde.
“Imagine que a floresta constitui o supermercado onde fazemos nossas compras essenciais, mas isso não aparece em nenhum lugar, pois há poucas trocas monetárias. Resumindo, é fácil concluir que nós somos subnutridos”, explica Carlos Duarte, secretário de Estado do Acre na floresta. É tão simplista acreditar que os cidadãos do Acre não têm cuidados médicos, uma vez que o acesso às infraestruturas modernas de saúde é menos fácil que nas grandes cidades; ou que têm situação precária de moradia, raramente dispondo de um “habitat adequado” que, segundo as estatísticas nacionais, deve ser construído em pedra ou em tijolo, comportar dois cômodos e ser cercado de uma calçada pavimentada. Na verdade, os cuidados são muitas vezes garantidos por uma medicina tradicional que extrai seus remédios das plantas, e os caboclos vivem em casas de madeira construídas sobre palafitas, mais bem adaptadas ao clima do que cubos de concreto.
No início do século 20, graças ao boom da borracha, o Acre era uma região rica, a ponto de fornecer quase um terço do PIB brasileiro. A concorrência asiática pôs um fim a essa epopeia há muito tempo. No entanto, as lideranças da região continuam a pensar que sua floresta merece ser preservada e que ela traz mais benefícios quando está “em pé” do que quando entregue à exploração industrial, ou transformada em pasto ou campos de soja.
Essa ideia, hoje defendida pelo governador Binho Marques, do Partido dos Trabalhadores, retoma o velho combate dos seringueiros. Faltava uma demonstração. O Acre se voltou, então, para os economistas, para que eles elaborassem um novo indicador de riqueza: o indicador de “bem-estar sustentável”.
“Nós elaboramos um indicador de desenvolvimento humano, integrando a ele uma dimensão ambiental”, explica o coordenador do projeto André Abreu, da fundação France Libertés. Foram levadas em conta a qualidade dos solos, reservas de água, preservação da biodiversidade, emissões de CO2 etc., ao lado de critérios mais tradicionais: renda, saúde, educação, moradia. Esse trabalho, realizado pelo economista Jean Gadrey e uma equipe de pesquisadores da universidade de Lille, acaba de ser concluído. Resta fazer com que ele seja validado pela população: “Vamos consultar diferentes grupos sociais para ter certeza de que nosso indicador reflete sua concepção de bem-estar”, diz Abreu.
Paralelamente, o governo procurou valorizar mais a produção ligada à floresta para melhorar a renda da população. “Há alguns anos um hectare valia US$20, quando a mesma superfície plantada com soja poderia render US$ 600. A esse preço, era muito difícil lutar contra o desmatamento”, constata Duarte.
“Hoje, graças aos setores comerciais consolidados em torno do látex, das frutas, das plantas e essências para cosméticos ou farmacologia, um hectare pode render ao pequeno produtor, que vive do extrativismo, quase US$ 300 por ano. E essa renda é perene, pois a exploração respeita a renovação dos recursos”, garante o ex-engenheiro florestal.
Em uma Amazônia cada vez mais corroída pelo avanço das grandes explorações agrícolas, a floresta deve sua sobrevivência à população que a habita. “Abrir nossa região ao agronegócio resultaria em graves conflitos sociais”, reconhece Duarte. Os fracassos de outras regiões brasileiras acabaram convencendo que seria preciso persistir nesse caminho. O Estado da Bahia se lançou às plantações de eucaliptos para alimentar a indústria da polpa de celulose. Quinze anos mais tarde, os solos estão arruinados, os lençóis freáticos, esgotados, e a maior parte das empresas se foi. A ilusão da riqueza teve curta duração. As autoridades aprenderam a lição. Agora elas refletem sobre outra medida de riqueza.
Tradução: Lana Lim
*Republicado a partir do Ecodebate
*Ilustração: site Agência de Notícias do Acre
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