23 dezembro 2016
BBC 16/12/2016
Uma foto que viralizou nas redes
sociais com mais de 70 mil curtidas e 15 mil compartilhamentos gerou um debate
sobre as pequenas corrupções do dia a dia e o popular "jeitinho
brasileiro", à luz do atual momento vivido pelo país.
A imagem retrata uma mulher que,
munida de uma sacola, teria usado a identidade de várias amigas para apanhar a
maior quantidade de bebida isotônica em uma campanha de distribuição gratuita
do produto na rua.
O episódio foi relatado pela
paulistana Natália Bilibio, de 27 anos, em sua conta pessoal no Facebook.
Ela conta que estava em um ponto
de ônibus no fim da tarde de uma quinta-feira (8/11) perto da Avenida Paulista,
em São Paulo, aguardando a condução de volta para casa, quando observou uma
cena que a deixou "indignada".
"Vi uma mulher com uma
sacola de pano, dessas de supermercado, usando o CPFs de amigas para retirar o
maior número possível de Gatorades (marca de bebida isotônica) de uma máquina
instalada ao meu lado", relembra Natália à BBC Brasil. A campanha, do
banco Santander, distribuía o produto gratuitamente a pedestres. A única
exigência para obtê-lo era digitar o CPF.
"Vi a máquina sendo
abastecida no dia anterior. Inicialmente, ela entrou na fila e pegou dois
Gatorades. Em seguida, começou a ligar para as amigas e pedir o CPF delas para
pegar mais e mais. Não me contive e a repreendi", diz Natália.
"Perguntei se ela estava com
a consciência tranquila. Ela disse que sim. A partir daí, começou a me xingar e
gritar comigo", completa. Natália acrescenta que, como voltou à fila
diversas vezes, a mulher acabou com o estoque do produto.
"Pelas minhas contas, ela
deve ter pego, no mínimo, dez Gatorades. Pessoas que chegaram depois não
conseguiram mais pegar a bebida", avalia. "Nossa discussão durou
cerca de dez minutos, até eu tomar o ônibus de volta para casa. Ela continuou
me xingando e gritando da rua", acrescenta.
Ao voltar para casa, Natália
decidiu postar a foto. "As pessoas defendem o fim da corrupção, mas não se
dão conta de que suas próprias atitudes são corruptas", sentencia Natália.
Reação
Em seu Facebook, os usuários
criticaram a atitude da mulher. A BBC Brasil não conseguiu ouvir sua versão dos
fatos uma vez que a identidade da mulher não foi revelada.
"Como teremos um governo
decente se as pessoas pensam dessa maneira? Lembrem-se de que a mudança deve
começar por nós, pela base!", escreveu um usuário. "O problema do
Brasil é o brasileiro", acrescentou outro.
"O famoso ditado 'farinha
pouca, meu pirão primeiro'. Muito feio. Não é o mundo que está difícil e ruim.
São as pessoas que habitam nele que estão se tornando cada vez mais intratáveis
e menos altruístas. Pobres de espírito, pobres de afeto pelo próximo",
descreveu uma usuário.
Houve quem também criticasse a campanha do banco.
"Detesto pessoas assim. Mas
lembrando também que ninguém dá nada a ninguém muito menos banco então com o
CPF introduzido o banco cria uma base de dados...tipo troca informação super
relevante por Gatorade. Essas amigas entraram para a base de dados",
afirmou um usuário.
"Eu só fico curiosa pra
saber o que o Santander vai fazer com a informação de todos esses CPFs?",
acrescentou outra usuária. Procurado pela BBC Brasil, o banco Santander
informou que a ação foi concebida para "engajar clientes e
não-clientes".
"A ação 'De um Ponto a
Outro' foi concebida para engajar o público (clientes e não-clientes) ao
proporcionar experiências com a marca Santander que materializem o
posicionamento 'O que a gente pode fazer por você hoje?'", diz o
comunicado enviado à BBC Brasil.
"A iniciativa está nas ruas
de São Paulo desde agosto, sempre em pontos de ônibus próximos a universidades.
A proposta consiste em oferecer, por exemplo, guarda-chuvas em dias chuvosos,
isotônicos em dias quentes, ingressos de cinema e até poemas, antecipando
desejos e necessidades das pessoas no dia a dia", acrescenta a nota.
"A identificação dos
participantes pelo CPF é solicitada com o único e exclusivo objetivo de
garantir que um número cada vez maior de pessoas tenha acesso aos
benefícios", finaliza o banco.
22 dezembro 2016
CACHORROS PEQUENOS REALMENTE SÃO MAIS AGRESSIVOS?
Em um
simples passeio por um parque, é comum ver donos de cachorros sendo puxados
para todas as direções. E nem sempre o "culpado" é algum cão das
famosas raças grandes, como um dinamarquês - mas sim um pequeno terrier.
Rohan MehraBBC/12 dezembro 2016
Ou talvez você já tenha visto vídeos
de cães grandes correndo, assustados, de colegas pequeninos. Com base nessa
percepção geral, perguntamos aos nossos leitores se eles veem as raças menores
como mais agressivas. Entre as respostas afirmativas, estava a convicção de que
cachorros menores sofrem de uma espécie de complexo canino de inferioridade que
os torna mais defensivos.
Esse sentimento tem equivalência
humana no Complexo de Napoleão, aquele em que alguém de estatura diminutiva
compensa isso com a adoção de um comportamento dominador. Faz sentido, mas
pesquisas sugerem que se trata de um fenômeno anedótico.
David Sandberg, da Universidade de
Búfalo (EUA), e Linda Voss, da Peninsula Medical School, em Plymouth (Reino
Unido), estudaram as evidências sobre o Complexo de Napoleão e publicaram suas
conclusões em 2002. Para eles, a adaptação psicológica de indivíduos mais
baixos que a média não é amplamente distinguível de outros, seja na infância,
adolescência ou vida adulta.
A realidade no mundo animal
Mas o que serve para humanos nem
sempre se aplica a animais. Em 2012, um estudo de Andreas Svensson, da
Universidade de Linnaeus, na Suécia, analisou o comportamento do peixe de água
fresca conhecido como Chlamydogobius eremius.
Os machos defendem os ninhos, então pesquisadores introduziram intrusos para
enfrentar os residentes.
Resultado: a equipe de Svensson
descobriu que machos menores atacavam mais cedo e com mais intensidade que os
maiores. Se isso acontece com peixes, pode ser o mesmo com cachorros?
Em um estudo de 2013, Paul McGreevy,
da Universidade de Sydney (Austrália), e sua equipe avaliaram se as
características externas de cães são relacionadas a seu comportamento. Cães,
segundo McGreevy, são uma boa espécie para estudar esse tipo de coisa porque
formatos de crânio e corpo são bastante diversos entre as raças.
Os cientistas descobriram que cães
menores demonstravam mais agressividade relação ao dono, pedidos de comida, uso
de urina para marcar território e necessidade de atenção. Em outras palavras,
cães menores são realmente mais agressivos em algumas circunstâncias. Mas os
dados não mostram nada sobre o por que. A conclusão é que era impossível
determinar o quanto o comportamento observado era influenciado pela genética ou
o ambiente.
É certamente possível que cães
menores tenham tendência natural para a agressão, mas pode haver muitas outras
explicações, a maioria delas relacionada a como tratamos os cachorros. O estudo
de McGreevy apenas mostrou uma correlação entre tamanho e agressividade, não
uma ligação absoluta, como explica Daniel Mills, da Universidade de Lincoln, no
Reino Unido. "Tamanho pode ter uma influência, mas não significa que todo
cachorrinho é agressivo."
Também não há boas informações sobre
qual raça ataca mais. "Pesquisas sugerem que as pessoas tendem a relatar
mais uma mordida de um pastor do que a de um Jack Russell, porque é uma lesão
mais severa. Há uma grande falta de confiabilidade nas informações
disponíveis."
Mills acredita que humanos podem,
inconscientemente, estar forçando alguns comportamentos. "As pessoas veem
cachorros pequenos como símbolos de status, carregando-os nas bolsas. Eles não
gostam disso, o que afeta seu desenvolvimento comportamental." Ele diz
haver muitas maneiras de afetar o comportamento canino. "Se um certo
comportamento é esperado de um cachorro, ele pode ser tolerado."
Humanos podem também não perceber os sinais.
"Com cachorros pequenos, podemos
estar menos atentos a sinais prematuros de agressão, como olhares fixos, do que
com um cachorro maior. Sendo assim, o primeiro sinal de agressão que vimos em
pequenos cachorros é um latido, o que nos faz pensar que eles são mais
agressivos que o cachorro maior. Ambos estão apenas dizendo 'me deixe em
paz'".
O que temos, então? Há evidência de
que cachorros menores tendem a ser mais "tensos" que os maiores, mas
essa diferença pode ser influência humana, seja pela criação diferenciada deles
ou pela interpretação errada de suas ações.
Melhor ter isso em mente da próxima
vez em que você brincar com um lulu da Pomerânia.
21 dezembro 2016
ÁRTICO TEM ANO RECORDE DE CALOR E DERRETIMENTO MACIÇO DE GELO
AFP/Via Folha de S. Paulo 13/12/2016
Paul Bierman
O Ártico quebrou recordes de
calor no ano passado, quando um ar excepcionalmente quente provocou o
derretimento maciço de gelo e de neve e um congelamento tardio no outono -
disseram cientistas do governo americano nesta terça-feira (13).
A avaliação foi publicada no
Arctic Report Card 2016, um relatório revisado por pares de 61 cientistas de
todo o mundo, emitido pela Agência Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos
(NOAA, na sigla em inglês). O relatório abrange o período de outubro de 2015 a
setembro de 2016, quando "a temperatura média anual do ar no Ártico sobre
a superfície terrestre foi a mais alta do registro observacional".
"Raramente vimos o Ártico
mostrar um sinal mais claro, mais forte, ou mais pronunciado, de aquecimento
persistente e seus efeitos em cascata sobre o meio ambiente do que neste
ano", afirmou o diretor do Programa de Pesquisa do Ártico da NOAA, Jeremy
Mathis.
A região ártica continua se
aquecendo mais de duas vezes mais rápido do que o restante do planeta, que
também deverá registrar seu ano mais quente nos tempos modernos.
Os cientistas do clima dizem que
as razões para o aumento do calor incluem a queima de combustíveis fósseis que
emitem gases causadores do efeito estufa, que prendem o calor na atmosfera, bem
como a tendência de aquecimento do oceano El Niño, que terminou no meio do ano.
Nova York já tem plano para sobreviver à alta dos oceanos
A temperatura anual do ar sobre a
superfície terrestre do Ártico foi 3,5°C maior do que em 1900. A temperatura da
superfície do mar no mês de agosto de 2016, no auge do verão, foi 5°C acima da
média de 1982-2010 nos mares de Barents e Chukchi e nas costas leste e oeste da
Groenlândia.
"É evidente que o atraso
recorde no congelamento da cobertura de gelo marinha no outono de 2016 está associado
com temperaturas quentes sem precedentes do ar e da superfície do oceano",
explica o relatório.
Essa tendência de aquecimento
também levou a uma cobertura de gelo jovem e fina que derrete facilmente.
"A extensão mínima do gelo marinho do Ártico desde meados de outubro de
2016 até o final de novembro de 2016 foi a menor desde o início dos registros
por satélite, em 1979", disse.
Essa extensão também foi 28%
menor do que a média de 1981-2010 para outubro. Uma parte maior do gelo que
congela no inverno é fino, e resultado de apenas um ano de congelamento, em vez
do gelo mais espesso e mais resistente que se acumula ao longo de vários anos.
Na Groenlândia, a camada de gelo
continuou a encolher e a perder massa, como vem acontecendo todos os anos desde
2002, quando começaram as medições por satélite. O derretimento também começou
cedo na Groenlândia no ano passado, o segundo mais precoce em 37 anos de
observações, e próximo ao recorde estabelecido em 2012.
20 dezembro 2016
IMITAR VOZ DE CRIANÇA PARA FALAR COM BEBÊS BENEFICIA DESENVOLVIMENTO CEREBRAL, INDICA ESTUDO
BBC Brasil
13/12/2016
Se você é
um daqueles que criticam os mais velhos por imitarem a fala de uma criança ao
conversar com bebês, um estudo pode ser a prova de que, na verdade, eles sempre
estiveram certos. Pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido,
conduzem uma pesquisa com bebês e suas mães para entender como funciona o
desenvolvimento do cérebro das crianças.
Os
cientistas já descobriram que eles aprendem melhor quando suas ondas cerebrais
estão em sincronia com as dos pais. E mais que isso: quando a comunicação é
feita por uma conversa com voz de criança ou por músicas infantis.
O estudo,
que foi feito com o escaneamento dos cérebros dos bebês, também sugere que eles
precisam se sentir seguros e amados para que as conexões no cérebro se formem
propriamente, levando ao aprendizado efetivo.
Ganhando foco
Para um
recém-nascido, o mundo é como diversas ondas de imagens e sons, uma sobrecarga
de informações. Mas com o tempo ele vai ganhando foco - os bebês logo aprendem
a reconhecer rostos e vozes e, ao longo dos meses, aprendem a engatinhar,
entender a língua e se comunicar com quem está ao redor.
Esse é um
momento crucial em nossas vidas, quando conexões importantes começam a ser
formadas no cérebro.
É para
entender em detalhes como isso acontece é que os pesquisadores de Cambridge
estão escaneando os cérebros dos bebês e de suas mães enquanto ambos estão
interagindo e fazendo novas atividades. As primeiras descobertas mostram que as
crianças não aprendem tão bem quando suas ondas cerebrais e as da mãe estão
fora de sintonia. Mas, quando ambos estão plenamente sincronizados, a
assimilação de informação ocorre de maneira muito eficiente.
A
pesquisadora Victoria Leong, que está liderando a pesquisa, afirma que o estudo
tem mostrado que os bebês tendem a aprender melhor quando as mães se comunicam
com eles usando uma voz bem calma e tranquila, que até imita um pouco o jeito
dos próprios bebês - ela costuma chamar essa "língua" de
"motherese" (linguagem de mãe, em uma tradução livre).
Ela também
aponta que rimas musicais infantis também são uma forma efetiva de sincronizar
o cérebro das mães com o dos bebês. "Pode soar estranho para nós, mas os
bebês realmente amam ouvir o 'motherese', até mais do que o estilo adulto
normal de falar. Prende a atenção deles melhor e também soa mais claro. Então
já sabemos que, quanto mais o bebê ouvir 'motherese', melhor será o
desenvolvimento de sua linguagem", explicou.
Leong
explica que a mesma máxima vale para os pais, avós e outras pessoas próximas -
sempre que ouvem rimas infantis ou a chamada "voz de criança", eles
conseguem se conectar melhor com o interlocutor.
A pesquisa,
porém, é focada apenas na interação entre mães e filhos por enquanto.
"O
cérebro do bebê está programado para responder ao 'motherese' e é por isso que
essa é uma forma muito efetiva de ensiná-los sobre coisas novas", diz.
A equipe
de Leong também descobriu que os bebês respondem melhor a interações quando
elas são acompanhadas de um contato visual, no olhar, mais prolongado.
Mães que
cantavam músicas infantis olhando diretamente nos olhos de seus bebês
conseguiam a atenção deles de maneira significativamente melhor do que outras
que desviavam um pouco o olhar, ainda que ocasionalmente.
Isso quer
dizer que pais "multitarefas" deveriam ficar preocupados se, de vez
em quando, dão uma olhada no celular enquanto estão cuidando de seus bebês?
"Não,
nada disso", esclarece Leong. "A maioria dos pais faz um trabalho
ótimo quando cuidam de seus filhos. O desenvolvimento do cérebro só será
afetado em casos extremos de negligência ou falta de atenção."
O próximo
passo é tentar entender o que acontece no cérebro desses bebês quando eles
estão recebendo uma "atenção de qualidade".
"Meu
trabalho é compreender os fundamentos neurológicos desses efeitos", diz a
pesquisadora.
"Como
o cérebro do bebê trata as interações sociais com sua mãe e como isso ajuda na
aprendizagem?", exemplifica.
Aprendizado
O cérebro
humano demora muitos anos para se desenvolver - afinal, há muito que aprender. Os
bebês exploram formas diferentes de reconhecer o mundo - primeiro por meio de
brincadeiras -, até que, de repente, uma conexão é formada e fortalecida no
cérebro. É aí que podemos dizer que ele "aprendeu".
Mas de
acordo com Kirstie Whitaker, pesquisadora do Departamento de Psiquiatria de
Cambridge, algumas vezes essas conexões podem ocorrer rápido demais. "Se
os bebês têm experiências mais estressantes logo no início da vida, seus
cérebros acabam se desenvolvendo de maneira muito rápida. E aí, em vez de
desenvolverem as melhores conexões, eles ficam com essas instantâneas",
diz.
"É,
portanto, uma das razões pelas quais eu insistiria para que as pessoas criem um
ambiente de apoio e cuidado para permitir que as crianças explorem e permaneçam
nesse período de desenvolvimento do cérebro, que é particularmente curioso e
flexível, pelo maior tempo possível."
A
pesquisadora Leong acrescenta que o comportamento gerado pelo amor é essencial.
"Estimular a conversa, dar atenção e passar um tempo junto é muito bom para
o aprendizado dos bebês."
19 dezembro 2016
'ILUSÃO DA VERDADE': A IMPORTÂNCIA DA REPETIÇÃO PARA O SUCESSO DAS MENTIRAS
Tom Stafford
Especial para a BBC Future*
14/12/2016
A máxima
de que "basta repetir uma mentira para que ela se torne verdade" é
uma das regras básicas da propaganda política, constantemente atribuída ao
nazista Joseph Goebbels.
Entre
psicólogos, é conhecida como efeito da "ilusão da verdade". Um
experimento típico mostra como isso funciona: voluntários avaliam o quanto de
verdade há em algumas afirmações triviais. Algumas delas são reais e outras são
mentiras muito parecidas com a verdade. Após um intervalo de alguns minutos ou
de algumas semanas, os participantes fazem o teste novamente, mas desta vez
algumas das afirmações são novas.
Os
resultados mostram que as pessoas tendem a avaliar como sendo verdade
afirmações que elas já ouviram antes, mesmo que sejam falsas. Isso porque
simplesmente soam mais familiares. E assim, em um laboratório de alguma
universidade ou instituto de pesquisa, parece estar a explicação para essa
ideia de que basta repetir uma mentira para ela ser percebida como verdade.
A importância do conhecimento
Estudos
mostraram que ter conhecimentos ajuda a reconhecer a verdade
Se você
olhar à sua volta, vai perceber que todo o mundo - de publicitários a políticos
- parece estar tirando partido dessa característica da psicologia humana.
Mas se
pudéssemos fabricar uma verdade apenas repetindo uma mentira, não haveria
necessidade de tantas outras técnicas de persuasão que conhecemos.
Um
obstáculo é aquilo que já sabemos. Mesmo quando uma mentira parece plausível,
por que deixaríamos de lado aquilo que sabemos só porque a ouvimos
repetidamente? Recentemente, uma equipe da Universidade de Vanderbilt, nos
Estados Unidos, começou a testar como a "ilusão da verdade" interage
com nossos conhecimentos anteriores.
Eles
usaram afirmações aos pares - uma verdadeira e outra falsa -, mas também as
dividiram de acordo com a probabilidade de os participantes saberem a resposta.
O grupo concluiu que a "ilusão da verdade" funcionou da mesma maneira
para as afirmações verdadeiras e para as falsas, o que sugere que o
conhecimento anterior não evita erros de julgamento.
Para ter
certeza de que estavam cobrindo todas as áreas, os pesquisadores então
realizaram um estudo em que os participantes precisavam avaliar o grau de
verdade de uma afirmação, de 1 a 6, e outro em que deviam apenas dizer
"falso" ou "verdadeiro". A repetição levou algumas
afirmações ao topo da escala e aumentou as chances de classificá-las como
verdadeiras - mesmo as frases falsas ganharam mais credibilidade.
Checar os fatos
A
princípio, tudo isso parece ser uma enorme tragédia para a racionalidade
humana. Mas precisamos olhar para os números quando interpretamos a ciência
psicológica. O que os especialistas americanos de fato descobriram foi que a
maior influência na decisão de um julgamento sobre uma afirmação ser verdadeira
era justamente o fato de ela ser verdadeira.
A
repetição não conseguiu mascarar a verdade - com ou sem ela, as pessoas ainda
tinham mais propensão a acreditar nos fatos do que nas mentiras. Isso mostra
algo fundamental sobre a maneira como atualizamos nossas crenças: a repetição
tem o poder de fazer algo parecer mais verdadeiro, mas não se sobrepõe ao
conhecimento.
Sendo
assim, nos perguntamos: por quê? A resposta está relacionada com o esforço
necessário para sermos rigidamente lógicos sobre qualquer informação que nos
chega aos ouvidos. Como precisamos fazer julgamentos rápidos, usamos atalhos -
heurísticas que estão mais certas do que erradas.
Confiar na
frequência com que ouvimos algo é apenas uma estratégia. Qualquer universo onde
a verdade é repetida mais vezes do que a mentira terá isso como pressuposto
para se julgar uma afirmação. Nossas mentes são presas fáceis para a
"ilusão da verdade" porque nosso instinto é usar atalhos para
fazermos esse julgamento - isso funciona na maioria das vezes.
Agora que
já conhecemos esse efeito, podemos ficar mais atentos. Uma boa maneira é se
perguntar por que acreditamos no que acreditamos: será que se trata de algo
plausível porque é verdade ou apenas porque foi repetido várias vezes?
Mas outra
maneira é reconhecer nossa obrigação de parar de repetir mentiras. Vivemos em
um mundo onde os fatos são importantes e precisam ser importantes.
Se
repetirmos coisas sem nos preocuparmos com sua veracidade, estamos apenas
ajudando a fazer deste um mundo onde mentiras e verdades se confundem com
facilidade. Portanto, por favor, pense bem antes de repetir o que ouviu.
*Tom
Stafford é psicólogo e cientista da cognição na Universidade de Sheffield, na
Grã-Bretanha.
18 dezembro 2016
DOMESTICAÇÃO DO MILHO: FOI NO MÉXICO, FAZ 5 MIL ANOS
Fernando
Reinach *
O Estado
de S. Paulo, 10/12/2016
Não se
iluda, as bases tecnológicas de nossa civilização não surgiram em renomadas
universidades ou em empresas do Vale do Silício. Elas surgiram muito antes,
quando o homem desenvolveu a tecnologia que o liberou da busca contínua por
alimento, atividade que toma o dia todo das comunidades caçadoras e coletoras.
Nesse aspecto, não éramos muito diferentes de uma vaca, que passa o dia todo
pastando, e não tem tempo para escrever um romance. Foi no tempo liberado pela
agricultura que o cérebro humano pode dedicar-se ao desenvolvimento das artes e
da ciência.
A
domesticação de espécies de vegetais é uma dessas tecnologias. Ela foi tão
importante que hoje, das 50 mil espécies de plantas comestíveis que existem no
planeta, somente 15 respondem por 90% de nosso alimento. Pior, três delas, o
milho, o arroz e o trigo, respondem por 66% de todo o alimento que consumimos.
O milho é talvez o mais importante, pois não só é consumido diretamente, mas é
comida de frango. Frango é milho com penas. O mundo produz hoje 900 bilhões de
quilos de milho por ano, o equivalente a 10 quilos por habitante por mês.
E você,
tão viajado, provavelmente nunca passou perto do local onde o ser humano
domesticou o milho. Foi no Vale do Tehuacán, um local perdido no centro do
México. Esse desenvolvimento tecnológico começou por volta de 9 mil anos atrás
e tomou o esforço de nossos antepassados durante milhares de anos. Nesse
período, eles transformaram o teosinto no milho, duas subespécies da mesma
planta tão diferentes entre si quanto um chihuahua de um dog alemão.
Na década
de 1960, um cientista chamado Richard MacNeish escavou o solo de uma caverna
chamada San Marcos, no vale do Tehuacán. Essa caverna era habitada pelos
domesticadores do milho. Em diversas camadas dos detritos, depositados por
gerações desses cientistas intuitivos, ele descobriu sementes de vegetais que
já não eram teosinto, mas ainda não eram milho. Passos intermediários do
processo de domesticação.
Nos
últimos anos, com o sequenciamento do genoma do teosinto e do milho, os
cientistas descobriram os genes que foram alterados durante o processo de
domesticação no vale do Tehuacán. Agora foi sequenciado o genoma das sementes
que foram encontradas na caverna de San Marcos, que datam de aproximadamente
5.200 anos atrás, quando o processo de domesticação ainda estava em andamento.
Nesses
exemplares foi encontrado o gene que deixa a planta ereta, permite o plantio em
linhas e facilita a colheita. Também foram encontradas as versões modernas do
gene que aumenta o tamanho dos grãos e deixa o milho mais doce. Mas ainda
estavam ausentes o gene que deixa a casca do grão mais fina, o que facilita a
digestão, e um outro gene que inibe a queda dos grãos maduros da espiga, que é
essencial para que possamos colher os grãos ainda na espiga. Essa planta, de 5
mil anos atrás, já não era um teosinto, onde os galhos se espalham e ramificam,
os grãos são poucos, pequenos, duros e caem fácil da espiga. Mas também não era
o milho moderno com centenas de grãos por espiga, todos grandes, com casca
fina, doces e que não se soltam facilmente.
Se você
for ao México, não deixe de visitar Tehuacán, e passeando por lá imagine esses
geneticistas intuitivos selecionando variedades de milho, que 5 mil anos
depois, iriam alimentar a humanidade. O impacto desse desenvolvimento
tecnológico deixa no pó a eletricidade, os celulares e as redes sociais.
*Biólogo,
colunista de O Estado de S. Paulo.
17 dezembro 2016
POR QUE OS HOMENS NÃO TÊM OSSO NO PÊNIS COMO OS MAMÍFEROS?
Estudo sobre a evolução do báculo sugere que a velocidade da
penetração humana pode estar por trás da falta do osso no órgão sexual
masculino
O Estado de S. Paulo, 14/12/2016
A pergunta que intriga cientistas
há séculos começa a ser respondida: por que os seres humanos não têm o osso do
pênis, como os animais? Conhecido como báculo, o osso do órgão sexual masculino
aparece em mamíferos e primatas de todo o mundo, mas varia muito em
comprimento. Um estudo de rastreamento sobre a evolução do báculo sugere que a
velocidade da penetração humana pode estar por trás da falta do osso.
Cientistas descobriram que o osso
do pênis evoluiu em mamíferos há mais de 95 milhões de anos e estava presente
nos primeiros primatas que surgiram, cerca de 50 milhões de anos atrás. A
partir desse momento, o báculo se tornou maior em alguns animais e menor em
outros. As informações são do jornal britânico The Guardian.
O macaco Arctoides, por exemplo, não pesa mais do que 10 quilos, mas tem um
báculo extremamente longo para o seu tamanho, com 5 centímetros. Já nos
chimpanzés, parentes mais próximos dos humanos, o bácula é minúsculo, com
medidas que variam entre 6 e 8 milímetros - comprimento menor do que uma unha
humana. Para os pesquisadores, a explicação seria a duração da penetração.
O tamanho pequeno do osso se
relaciona com o curto tempo de penetração, que dura sete segundos. Em grupos de
chimpanzés, as fêmeas copulam com todos os machos do grupo, no que parece ser
uma estratégia para evitar que os filhotes sejam mortos.
Os cientistas acreditam que os
seres humanos podem ter perdido o osso do pênis quando a monogamia surgiu como
a estratégia reprodutiva dominante durante o tempo do Homo erectus, cerca de 1,9 milhões de anos atrás. Em relações
monogâmicas, os machos não precisam manter a penetração por muito tempo e não
enfrentam concorrência em relação a outros machos.
"Com a concorrência reduzida
para companheiros, é menos provável que se precise de um báculo. Apesar do que
você queira pensar, somos realmente uma das espécies abaixo do limite de três
minutos onde essas coisas vêm a calhar", disse Kit Opie, que dirigiu o estudo
com Matilda Brindle na Universidade College London.
"Acreditamos que o báculo
humano desapareceu porque o sistema de acasalamento mudou esse ponto. Isso por
ter sido o último prego no caixão para um báculo já diminuído, que foi, em
seguida, perdido pelos seres humanos ancestrais", afirmou Opie. A pesquisa
foi publicada na Proceedings of the Royal
Society.
16 dezembro 2016
FLEXIBILIZAÇÃO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL OPÕE MEIO AMBIENTE E CASA CIVIL
Diante de projeto apoiado pela Casa Civil, o ministro Sarney Filho enviou uma carta a Eliseu Padilha pedindo que a
Presidência se empenhe para que a proposta, que dispensa de licenciamento
ambiental várias atividades, entre elas a agropastorial, e simplifica o
processo para empreendimentos, não seja votada
Giovana Girardi e André Borges /Estado
de S. Paulo/13-12-2016
Na véspera de votação de um
projeto que flexibiliza o licenciamento ambiental no País, e que tinha recebido
o aval da Casa Civil, o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, enviou nesta
terça-feira (13) uma carta a Eliseu Padilha cobrando que o titular da pasta
impeça a votação.
A mensagem de 20 páginas coloca
os dois ministros em lados apostos. Sarney Filho lembra que desde que assumiu o
Ambiente vinha trabalhando na elaboração de um texto de uma futura Lei Geral do
Licenciamento Ambiental com vistas a “simplificar processos, sem descuidar da
atenção à proteção ambiental”.
Aponta que a proposta passou por
discussões com 13 ministérios e que deveria ser apresentada ao Congresso como
um projeto do governo. Que apesar de ainda ter “alguns dissensos em relação ao
conteúdo”, “a maior parte dos tópicos parecia ser consenso até semana passada”.
Diante desse trabalho, ele
questiona que um substitutivo proposto pelo deputado Mauro Pereira (PMDB/RS)
fosse colocado como primeiro item de urgência para ser votado nesta
quarta-feira (14) na Comissão de Finanças e Tributação, com apoio da Casa
Civil, o que vem soando em Brasília como uma traição.
“Ocorre que esse texto tem uma série
de problemas alguns deles bastante graves. Os ajustes pontuais indicados pela
Casa Civil com base nas discussões ocorridas no Executivo não sanam esses
problemas”, escreve Sarney Filho.
“Em face do exposto, solicitamos
o máximo empenho da Presidência da República para impedir a votação do referido
texto”, conclui, antes de listar, ao longo das 19 páginas seguintes da carta os
problemas do substitutivo. Procurada pela reportagem, até o momento a Casa
Civil não se manifestou.
Sarney Filho também não quis
falar com a imprensa. Depois que a carta vazou, informou, apenas por meio de
nota, que “vê com preocupação a possível aprovação desse substitutivo que, além
de propiciar a guerra ambiental entre os estados, geraria insegurança jurídica
e a judicialização do processo de licenciamento ambiental, o que comprometeria
seriamente a produção e a economia do País”.
“Há uma proposta para a Lei Geral
do Licenciamento Ambiental do Poder Executivo, hoje na Casa Civil, que resulta
de um profundo debate entre todos os setores da sociedade. Assim, pedimos a
retirada de pauta do PL nº 3.729/2004 e convidamos seus defensores a participar
desse amplo processo de discussão, para superarmos os dissensos pontuais que
ainda restam, apresentando ao Congresso uma proposta sólida e pactuada”,
finalizou a nota.
Barganha política. Sarney bate de
frente com o segundo homem forte do governo em meio à turbulência política das
delações vazadas da operação Lava Jato e da tentativa da gestão Temer de
aprovar de todo jeito a PEC do Teto e a reforma da Previdência no Congresso. A
questão do licenciamento é particularmente sensível para a bancada ruralista,
que já tinha pedido a cabeça de Sarney, e a deputados ligados a setores da
indústria.
O substitutivo de Pereira atende
a esses interesses. Ele dispensa, por exemplo, o licenciamento para atividades
agropecuárias e de florestas plantadas. Para ter apoio da Frente Parlamentar da
Agropecuária aos projetos do governo, a Casa Civil liberou na última
sexta-feira (9) os deputados da base governista a votarem sobre a proposta.
Até então o governo vinha atuando
para impedir a votação, a fim de aguardar justamente a apresentação do que
seria um projeto do próprio governo sobre o tema.
Em linhas gerais, o substitutivo
de Pereira estabelece a dispensa e a simplificação do licenciamento. Em alguns
casos, basta a empresas preencher um formulário na internet, como ocorre na
Bahia com o modelo de “adesão e compromisso”, o que é questionado pelo
Ministério Público.
O texto delega aos Estados e
municípios a definição de quais empreendimentos estarão sujeitos ao
licenciamento ambiental, segundo natureza, porte e potencial poluidor. E
restringe manifestações de órgãos interessados no licenciamento, como ligados
às unidades de conservação (ICMBio), indígenas (Funai) e quilombolas (Fundação
Cultural Palmares).
Processo. O trabalho desenvolvido
pelo MMA vinha ocorrendo desde o início da gestão Temer. Quando Sarney Filho
assumiu o ministério, ele elegeu a criação de uma lei geral de licenciamento
como sua prioridade.
O esforço corria em paralelo a
uma série de iniciativas por parte do Legislativo que, desde o final do ano
passado, vinha apresentando projetos de lei ou propostas de emenda
constitucional para simplificar o licenciamento – em alguns deles a ponto de
praticamente eliminar a necessidade de empreendimentos cumprirem o rito.
Bastaria uma autodeclaração e pronto.
O que vinha andando mais
rapidamente era o Projeto de Lei 3.729/2004, de autoria de Luciano Zica
(PT/SP), e os muitos substitutivos apinhados neles. Um deles, do deputado
Ricardo Trípoli (PSDB/SP), hoje líder da Frente Parlamentar Ambientalista,
apresentado ainda no ano passado, servia de base para a proposta do MMA.
Em setembro deste ano, porém,
quando as consultas da proposta já estavam caminhando, Pereira apresentou o
substitutivo, que foi largamente criticado por ambientalistas e o Ministério
Público. Nesta segunda-feira (12), ele acrescentou novas flexibilizações – como
isenção do licenciamento para obras em rodovias federais já implantadas, além
de dragagens e outras ações em hidrovias e portos – e apresentou um novo
substitutivo. É esse que está previsto para ir à votação amanhã.

Segundo o parlamentar, o projeto
de sua relatoria tramita na Câmara há 12 anos e é resultado de outros 21
projetos que foram apensados à proposta original. “A proposta já foi aprovada,
inclusive, pela Comissão de Meio Ambiente da Casa, quando ele (Sarney Filho)
era deputado”, disse Pereira. “A moral da história é que há falta de
conhecimento e análise do projeto que vai para votação. Estamos seguindo as
leis ambientais, tudo o que existe. Não é verdade que o projeto flexibiliza as
regras.”
Se passar pela Comissão de
Finanças e Tributação, o texto deverá seguir para a Comissão de Constituição e
Justiça e de Cidadania e, depois, para o plenário da Câmara. Após essas etapas,
vai para o Senado. Procurado pela reportagem, o ministro Sarney Filho não quis
se manifestar.
Críticas. Quando veio à tona na
segunda que o substitutivo seria votado nesta quarta, entidades ambientalistas
e o Ministério Público rapidamente se manifestaram contra, como divulgado neste
blog.
Em nota intitulada “O futuro é de
todos”, a Associação Brasileira de Membros do Ministério Público do Ambiente
(Abrampa) pediu que o texto não fosse votado. “O futuro da saúde e da qualidade
de vida das presentes e futuras gerações estará seriamente ameaçado se esse
instrumento (o licenciamento) for transformado em uma singela etapa burocrática
de empreendimentos e se atividades econômicas que alteram o uso do solo,
aplicam agrotóxicos indiscriminadamente e suprimem relevantes biomas estiverem
isentas de seu controle”, escreveu Luís Fernando Cabral Barreto Junior,
promotor do Maranhão e presidente da Abrampa.
“Suas disposições são graves e
preocupantes. Visam disciplinar por completo o licenciamento ambiental,
revogando as Resoluções 01/86 e 237/97 do Conama, bem como normas estaduais.
Traz um verdadeiro retrocesso do ponto de vista da proteção do meio ambiente”,
alertaram os promotores Ivan Carneiro Castanheiro e Alexandra Facciolli Martins
do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), do Ministério
Público de São Paulo, em artigo no site Consultor Jurídico.
A Fundação SOS Mata Atlântica
divulgou uma nota pública questionando ponto a ponto do projeto. Uma das
críticas é ao fato de que o projeto limita as compensações aos impactos
físicos.
“Caso venha a ser aprovado,
impediria, por exemplo, a implantação de infraestrutura de saneamento básico
para as comunidades afetadas pela hidrelétrica de Belo Monte, por não
reconhecer o impacto socioambiental da obra. Deixaria descobertos também
moradores e comunidades das áreas afetadas pelo dano da Samarco, na bacia do
rio Doce, a quem caberia simplesmente recompor, quando muito, matas ciliares
danificadas, desconsiderando ainda potenciais danos futuros que a atividade
pode acarretar”, aponta a ONG ambientalista.
Por meio de nota, o presidente do
Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Carlos Bocuhy, afirmou que
a proposta chega “ao absurdo de propor a revogação de dispositivo da Lei de
Crimes Ambientais que trata da responsabilização do agente público que fraudar
o licenciamento ambiental. Além disso, cria artifícios para retirar a
responsabilidade dos agentes financiadores que aportarem recursos para a
degradação ambiental”.
15 dezembro 2016
ATIVISTAS CRITICAM PROJETO QUE ALTERA REGRAS DE CONCESSÃO AMBIENTAL
Por Mariana Alvim/O Globo, 14/12/2016
RIO - Grupos de ativistas vêm se
mobilizando contra uma proposta de mudança no processo de licenciamento
ambiental do país que, segundo eles, flexibiliza as regras atuais para
beneficiar “atividades irregulares” e potencialmente danosas à natureza.
Trata-se de um substitutivo de autoria do deputado Mauro Pereira (PMDB-RS), com
votação prevista para hoje (14/12/2016) na Comissão de Finanças de Tributação
da Câmara dos Deputados. Em regime de urgência, o projeto original tem 16
outras proposições tramitando há pelo menos 12 anos. Para Pereira, seu
substitutivo contempla as exigências para a preservação do meio ambiente.
A proposta poderá ser levada a plenário
rapidamente se houver requerimento nesse sentido. Chamado por ambientalistas de
“licenciamento flex”, o texto prevê, entre outros pontos, a dispensa do
procedimento para atividades agrossilvipastoris já consolidadas e a
determinação de prazos mais curtos nas etapas do processo.
A movimentação ofusca uma proposta do
Executivo que vinha sendo articulada há pelo menos seis meses pelo Ministério
do Meio Ambiente (MMA) — desfigurada, porém, na passagem por outros
ministérios. Conforme publicou O GLOBO na última sexta-feira, a minuta
elaborada pela Casa Civil desagradou a pasta pilotada por Sarney Filho.
Um grupo de parlamentares está se
movimentando, porém, para pausar a tramitação do substitutivo: a assessoria do
deputado Ricardo Tripoli (PSDB-SP) confirmou ao GLOBO que a Frente Parlamentar
Ambientalista se reuniu e pedirá à presidente da comissão a retirada do projeto
da pauta.
O texto proposto por Pereira determina
prazos para cada uma das três etapas do licenciamento ordinário (licenças
prévia, de instalação e operação). O caso mais demorado seria o da licença
prévia para atividades com exigência de um estudo de impacto ambiental, levando
até oito meses.
Além do licenciamento ordinário, o
substitutivo prevê outra modalidade: o licenciamento “por adesão e
compromisso”. Na Bahia, o procedimento é previsto por lei estadual e
possibilita que atividades de pequeno e médio porte possam obter, na internet,
a permissão após declarar o compromisso com as exigências do órgão licenciador.
No substitutivo, porém, esse mecanismo não é detalhado. E a competência para
classificar o tipo de licenciamento exigido fica a cargo dos entes federativos,
não sendo definida, portanto, uma orientação em nível federal, o que poderia
gerar uma espécie de “guerra fiscal ambiental”, segundo ativistas.
- Se
com o licenciamento ambiental que temos hoje, tivemos que enfrentar o desastre
de Mariana, teremos uma fábrica de marianas com esse novo projeto. O risco é
gigantesco — alerta Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do
Clima.
Segundo o deputado Mauro Pereira,
porém, o substitutivo é resultado de um trabalho de mais de um ano e que teve
amplo diálogo.
- O
projeto foi 200% transparente. Teve a participação de ambientalistas, mas eles
gostam de criticar, e não de participar, o que é um direito deles. Eu não só
acredito como tenho a certeza absoluta que o substitutivo contempla as
exigências para a preservação da natureza — diz Pereira, minimizando
críticas e estimando a tramitação completa do projeto de lei para o segundo
semestre de 2017.
Brechas,
falhas e sobreposição
Hoje, as principais regras para o licenciamento
estão em uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e na Lei
Complementar 140/2011. Mas a legislação tem brechas, falhas e sobreposição.
Segundo um estudo de 2014 da Confederação Nacional da Indústria (CNI), há no
país mais de 27 mil normas federais e estaduais de meio ambiente e, nos
estados, o tempo para concessão de uma licença pode chegar a sete anos.
Em nota, a Fundação SOS Mata Atlântica
lamentou pela interrupção do novo marco regulatório que vinha sendo capitaneado
pelo MMA, dando lugar ao substitutivo, que “flexibiliza regras vigentes e
beneficia diretamente atividades irregulares”. “O texto pode afetar também
áreas protegidas, patrimônios tombados, quilombolas e terras indígenas, entre
outros instrumentos da legislação ambiental brasileira”, informa a nota.
A Associação Brasileira dos Membros do
Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) também se manifestou em nota
pública, apontando “equívocos técnicos e jurídicos” na redação do substitutivo,
que classifica como um “açodamento e exclusão da sociedade brasileira de seu
debate”.