New York Times visitou uma das tribos. Novidade é que na França também existe laboratório com sangue de índios da Amazônia.

O repórter do New York Times, Larry Rother, visitou a aldeia dos índios Kyowá em Rondônia para conferir
in loco a visão deles sobre o ultra documentado caso de venda do sangue extraído de alguns membros da tribo no final dos anos 70 e em 1996. A reportagem saiu na edição de hoje (20/06) e trás poucas novidades.
Segundo a mesma, cada amostra de sangue é vendida a U$ 85 pela empresa Coriell Cell Repositories, baseado na cidade de Camden, estado de Nova Jersey. A empresa é classificada pela reportagem como um grupo sem fins lucrativos. Além dos Kayowás, dois outros grupos indígenas brasileiros, os Suruí de Rondônia e os Yanomami de Roraima, também estão sendo vítimas do mesmo problema.
Segundo Renato Karitiana, o líder da tribo entrevistado pelo repórter, "
os índios foram enganados, vítimas de mentira e explorados". A empresa americana, por seu lado, afirma que as amostras foram obtidas legalmente por meio de pesquisas aprovadas pelo
National Institutes of Health, um órgão do governo americano. O responsável pela empresa, Joseph Mintzer, diz que “
nós não estamos tentando obter lucro ou roubando os brasileiros". Ele afirma ao repórter que "
nós temos a obrigação de respeitar a civilização, cultura e as pessoas e é por isso que nós controlamos cuidadosamente a distribuição do sangue".
Na verdade, o responsável pelo laboratório está fazendo "ouvidos de mercador" às reclamações dos índios. E pior, acha que a única autorização legal para retirar, conservar e comercializar as amostras de sangue é a expedida pelas autoridades americanas. Também fica a impressão de cinismo por parte dele quando diz que "não estão tentando obter lucro ou roubando os índios brasileiros". Se o sangue não dá lucro, causa propaganda negativa para a empresa, causa mal estar a todos, porque a empresa não se livra das amostras, devolvendo-as aos índios?
Em vez disso, para se defender da acusação de que estão lucrando com a comercialização do sanguea, a empresa afirma que vende as amostras apenas aos cientistas que concordarem em não comercializar os resultados das pesquisas ou transferir o material para terceiros. Ingenuidade ou esperteza?
Franceses fazem o mesmo e ninguem comenta o caso. Porque?
Na reportagem é possível saber que na França existe um centro similar que possui amostras de sangue obtidas de índios da Amazônia. Como obtiveram as amostras? Estão vendendo ou doando o sangue? Ninguem sabe porque a imprensa brasileira tem sido impiedosa apenas com a empresa americana. Será que é porque os franceses doam as amostras? Ai tem coisa. Vai ver tem alguma grande empresa estatal de pesquisa brasileira envolvida, a Funai deu autorizações para os franceses levarem o sangue etc. Dai o silêncio. Vale a pena alguem saber a razão da beatificação dos franceses e demonização dos americanos. Onde está a imprensa combativa?
No caso dos Kayowá, a Funai afirma que em nenhuma das duas oportunidades em que o sangue dos índios foi recolhido, as autorizações permitiam as coletas. As visitas eram apenas para filmar os índios.
Por enquanto, os únicos biopiratas efetivamente identificado pela reportagem são o médico brasileiro Hilton Pereira da Silva e sua esposa. Em 1996, mesmo com autorização de fazer apenas filmagens, eles aproveitaram para coletar as amostras de sangue. Na reportagem o médico brasileiro diz que qualquer benefício ou resultado obtido com o estudo do sangue que ele retirou seria revertido a quem doou. Os índios estão esperando até hoje.
Um dos entrevistados pelo repórter, Joaquina Karitiana, diz que o médico brasileiro havia prometido muitos medicamentos caso alguem ficasse doente na tribo. Confiando na promessa, o índio diz que a maioria dos membros da tribo, incluindo crianças, se ofereceram para doar o sangue.
A opinião da pesquisadora americana Judith Greenberg, diretora de Genetics and Developmental Biology do National Institute of General Medical Sciences (parte do National Institutes of Health) representa o pensamento dos pesquisadores americanos sobre a questão. Ela diz que a questão é "uma espécie de equilíbrio de atitude". “Nós não queremos fazer algo que deixe a tribo ou as pessoas infelizes ou com raiva. Por outro lado, a comunidade científica está usando as amostras para o benefício da humanidade".
Faltou dizer que o benefício a que ela se refere tem um preço pois os medicamentos que são desenvolvidos não são distribuídos gratuitamente.
In the Amazon, Giving Blood but Getting NothingBy
LARRY ROHTER, The New York Times
Clique aqui para ler a reportagem (em inglês)
Imagens: NYTimes
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EM DEFESA DO MÉDICO BRASILEIRO HILTON PEREIRA DA SILVA Recebemos e publicamos abaixo o comentário de Anna Cruz de Araújo. Ele contém informações que não foram fornecidas na reportagem do jornal americano e em outros sites brasileiros. Como afirmei em meu post, a imprensa combativa passou longe desse caso. Preferiu o sensacionalismo.
Caro,
Esta notícia, além de velha, é errada. Aliás, o caso já foi objeto de duas CPIs e de processo judicial.
Em 1996, Hilton Pereira da Silva acompanhava, na condição de antropólogo, uma equipe de cinegrafistas britânicos que filmavam um documentário entre os Karitiana. Entretanto, sendo ele também médico, viu-se diante de uma emergência e prestou atendimento aos índios. Tudo absolutamente conforme imperativos legais (art. 135 CP) e *éticos* (arts. 57, 58 Código de Ética Médica) de sua profissão.
Teve, entretanto, por dez anos, sua honra corroída pela má imprensa e por
más autoridades, que o acusaram de ter vendido, através de laboratórios estado-unidenses, amostras de sangue Karitiana e Suruí.
Sem oportunidade de defesa, vítima de pré-julgamentos, o cientista, médico, biólogo, antropólogo era, em milhares de sites na internet, um* biopirata.*
Apenas em 28 de março de 2006, com o relatório final da CPI da Biopirataria, alguns equívocos espantosos começaram a ser publicamente esclarecidos: o sangue à venda fora coletado por pesquisadores norte-americanos *há vinte anos*, a trajetória deste material estava fartamente descrita em diversos artigos científicos, e as amostras vinham sendo vendidas *antes* do médico visitar a tribo Karitiana – e ele jamais esteve entre os Suruí –; era uma afronta à lógica espaço-temporal vincular Hilton à venda e um erro ainda mais danoso confundir atuação médica com promessas enganosas ou conduta ilegal.
NOTA DO BLOG: Como se pode observar no texto de Anna Cruz, o caso foi "virado do avesso" e a acusação de biopirataria ao médico e antropólogo foi provada falsa. O que espanta é que, como afirmamos no início de nosso texto, o caso é "ultra documentado", e mesmo assim, o repórter do New York Times manteve uma linha editorial em que, disfarçadamente, inocenta o americano que recolheu sangue inicialmente e deixa para o leitor a impressão que o brasileiro é o único biopirata do caso.
Anna Cruz de Araújo publicou um artigo na revista Jus Vigilantibus que vale a pena ler. Ele detalha o caso e trás novas informações. Pena que não dá para saber quando o mesmo foi publicado. Clique aqui para ler o artigo de Anna Cruz de Araújo.